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Onde está, ó “grande mídia” brasileira, o bebê Alfie em tuas manchetes?

Alfie Evans

Edição sobre imagem de Alfie's Army - Facebook

Francisco Vêneto - publicado em 23/04/18

Um silêncio que berra e reverbera

Nos “tempos líquidos” que correm, e em cujo fluxo de “pós-verdades” se morre cada vez mais por afogamento, não deveria surpreender a mais ninguém a “seletividade” do autoproclamado “jornalismo” dos grandes veículos midiáticos brasileiros, muito embora eles entoem ad nauseam o bem ensaiado mantra do “compromisso com a seriedade informativa” toda vez que alguém lhes esfrega na cara o seu enviesamento ideológico, por um lado, e o seu sensacionalismo patológico, por outro.

Ainda assim, é ensurdecedoramente clamoroso o silêncio estridente da mídia brasileira em torno a Alfie Evans.

O bebê cuja sentença de morte “não é notícia”

EUTANÁSIA FORÇADA – Alfie Evans tem passado a maior parte dos seus dois anos de idade no hospital pediátrico Alder Hey, de Liverpool, no Reino Unido, em estado de coma. Os médicos nunca conseguiram fazer um diagnóstico da enfermidade do bebê, descrita genericamente como “possível desordem metabólica”. Ainda assim, o hospital pediu à justiça inglesa que retirasse a custódia do menino dos seus próprios pais, Thomas e Kate Evans, a fim de poder desconectá-lo, contra a vontade parental, dos aparelhos que o mantêm vivo.

ALEGAÇÕES SUBJETIVAS, MAS “INQUESTIONÁVEIS” – Médicos da instituição declaram que a “qualidade de vida” de Alfie não é “tolerável” e que é “inútil” proporcionar tratamento a ele. A justiça inglesa concorda com os médicos: para os juízes, a morte de Alfie deve ser acelerada para “o melhor interesse” do bebê (!) No entanto, os jovens pais de Alfie, ele com 21 anos de idade e ela com 20, querem tentar pelo menos um diagnóstico minimamente preciso, além de manter o filho vivo enquanto ele puder continuar vivo, em veemente discordância da peculiar ideia de que acelerar a sua morte seja “do seu melhor interesse“.

CONTRADIÇÕES DENUNCIADAS – Thomas, ou Tom, como ficou conhecido mundialmente graças às redes sociais, declarou no início deste mês, ao receber a sentença que determinava dia e hora para os aparelhos do filho serem desligados:

“Amanhã pode ser o dia no qual desconectarão Alfie, enquanto vemos claramente que ele pode respirar quando precisa, tossir, espirrar, bocejar, espreguiçar, se virar etc”.

A sentença de morte, quase executada no dia 11 de abril, foi adiada várias vezes graças à resistência não apenas heroica, mas elementarmente racional e lógica de Tom e Kate – em indisfarçável contraste com a teimosia ideológica de médicos e juízes, indispostos a reconhecerem o direito elementar de um pai e de uma mãe a cuidarem do próprio filho no hospital que bem preferirem.

Reações mundiais pró-vida que também “não são notícia”

“EXÉRCITO DE ALFIE” – Neste épico dos jovens pais em luta pelo filho diante de quem se arroga decisões voluntariosas sobre a sua vida e a sua morte, entraram em cena milhões de apoiadores de Alfie, Kate e Tom dentro e fora do Reino Unido, alistados voluntariamente no “Exército de Alfie” – uma entidade virtual que tomou forma de realidade, com faixas, cânticos, equipe médica, ambulância e até avião-UTI para transportar o bebê de Liverpool para Roma – uma medida perfeitamente legítima que, porém, a justiça negou.

Só esta manifestação heroica e internacional em favor da vida e da liberdade de uma família já não seria merecedora de primeira página em todos os sites de notícias do planeta?

PAPA FRANCISCO – E quando o próprio Papa Francisco entrou em cena, apoiando publicamente a família do bebê? Também não é notícia? O Papa só é notícia quando dizem que disseram que o Papa disse alguma coisa que não disse a respeito de algo caro a certas agendas de determinadas orientações ideológicas?

TOM COM O PAPA NO VATICANO – E quando Tom enfrentou uma viagem quase improvisada e exaustiva até Roma e foi recebido imediata e pessoalmente pelo Papa no Vaticano, e o Papa em pessoa reafirmou à diretora do hospital vaticano Bambino Gesù que fizesse “o possível e o impossível” para prestar a Alfie todo o apoio em todos os momentos, isso também é menos notícia do que a final de um reality show iniciado sob acusações de incesto?

VIDA E LIBERDADE vs. MORTE E IMPOSIÇÃO – O que há de tão incômodo em noticiar que o próprio Papa e toda uma multidão de proporções internacionais estão defendendo um bebê que foi sentenciado à morte pela burocracia judiciária de um país-símbolo da liquidez moral da assim chamada “pós-verdade”?

A verdadeira discussão que não se quer que seja notícia

Suponhamos que tantos eventos e reviravoltas que parecem saídos de um filme eletrizante não fossem mesmo de mais interesse público do que o menu da carceragem da Polícia Federal em Curitiba.

Mesmo assim, será que não seria relevante pelo menos abordar as razões da teimosia de médicos e juízes que se negam a reconhecer direitos tão óbvios quanto os de um casal que quer apenas transferir o seu bebê de um hospital antes que esse hospital o mate?

MÉDICOS E SUA RESPONSABILIDADE – A respeito da teimosia dos médicos, uma pergunta incômoda, mas válida, tem sido levantada por não poucos críticos: dado que eles sequer conseguiram diagnosticar de que mal sofre o bebê, o que aconteceria se outro hospital conseguisse diagnosticá-lo e verificasse, por exemplo, que a evolução da saúde de Alfie poderia ter sido bem diferente caso se tivesse agido mais rápida e eficazmente em vez de se dedicarem tantos esforços ao devastador combate judicial contra a família a quem esse hospital foi pago para ajudar?

JUÍZES E SUA BASE IDEOLÓGICA – E a respeito da teimosia dos juízes, o que se questiona é algo que qualquer democracia que se preze tem a obrigação ineludível de discutir: com que base um juiz se arroga a prerrogativa de decidir impositivamente que uma família não tem direito a sequer tentar um diagnóstico para o próprio filho, quando pelo menos dois hospitais europeus se ofereceram para receber o bebê nas suas instalações com essa finalidade?

Mesmo que não houvesse nenhuma alternativa de diagnóstico, que base existiria para se proibir uma mãe e um pai de transferirem o próprio filho do hospital onde, na prática, ele está sendo mantido em cárcere privado? A própria lei inglesa, afinal, reconhece que os pais têm o direito de levar um filho embora de um hospital ainda que o hospital discorde, bastando para isto o apoio de outra equipe de profissionais médicos devidamente equipados para manterem com segurança o suporte vital do paciente. Se este é um direito garantido, a que se deve a tão arbitrária negativa dos juízes?

A REAL RAZÃO DO SILÊNCIO: UM GRAVE PRECEDENTE TOTALITARISTA

Nem sequer se está discutindo aquilo que pareceria ser o assunto-chave em questão: as reais chances de cura de Alfie. Todos os envolvidos reconhecem que elas são quase inexistentes. O que realmente está em discussão é de outra natureza e de gravíssima relevância: se uma família quer tentar um último recurso em prol da vida de um filho, por sua própria conta, por mais que as chances de sucesso sejam praticamente nulas, o Estado tem a prerrogativa de proibi-la? O Estado tem autoridade legítima para obrigar um pai e uma mãe a desligarem os aparelhos que mantêm o seu bebê vivo, quando ainda existe pelo menos a chance de se obter um diagnóstico mais preciso? E, caso o Estado tenha tão questionável autoridade, em que princípios ela se fundamenta?

Mais grave ainda: que tipo de Estado se tem quando ele se baseia em princípios que o autorizariam a ditar proibições contra a legítima luta de uma família pela vida de um filho?

Para a “grande mídia” brasileira, parece que esse tipo de discussão, embora fundamental para qualquer verdadeira democracia, não é “do melhor interesse” dos leitores.

Ou será que, mais precisamente, é uma discussão contrária aos “melhores interesses” dos seus financiadores?

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