Aleteia logoAleteia logoAleteia
Quinta-feira 08 Junho |
São Maximino de Aix
Aleteia logo
Religião
separateurCreated with Sketch.

Reencarnar para “progredir”?

web3-spirit-soul-levitation-woman-body-louish-pixel-cc-by-nc-nd-2-0

Louish Pixel (CC BY-NC-ND 2.0)

Padre Paulo Ricardo - publicado em 25/04/18

Será que a “lei do progresso das almas” existe mesmo? Confira

A lei do progresso, assim como os reencarnacionistas a entendem, é universal, uma força viva da natureza, e não pode ser frustrada. O homem pode, talvez, fazer-lhe oposição por algum tempo, pode estacioná-la temporariamente: mais dia, menos dia, porém, ele terá que continuar em sua marcha à perfeição final.

Todos, absolutamente todos, chegarão a ela: não existe, nem mesmo é possível coexistir com a lei do progresso, um estado definitivo de condenação sem fim e sem esperança de conseguir esta meta.

É por isso que todos os reencarnacionistas, com uma unanimidade rara, rejeitam decididamente a tradicional doutrina cristã sobre o inferno. É a razão por que Allan Kardec, num texto expressivo que já vimos, declara que:

O dogma da eternidade absoluta das penas é incompatível com o progresso das almas, ao qual opõe uma barreira insuperável. Esses dois princípios (a eternidade do inferno e o constante progresso das almas) destroem-se, e a condição indeclinável de existência de um é o aniquilamento do outro. [1]

O dilema proposto é claro e incisivo: ou admitimos a lei do progresso (e, portanto, a reencarnação), ou admitimos o dogma da eternidade do inferno (e, portanto, rejeitamos a palingenesia); os dois não podem coexistir: quem afirma a eternidade das penas negará a reencarnação, será contra a palingenesia.

Assim sendo, querendo saber se Cristo era ou não reencarnacionista, podemos, agora, formular nossa pergunta da seguinte maneira: qual destes dois princípios (eternidade das penas ou progresso irreprimível e universal das almas) foi ensinado por Cristo?

E a resposta absolutamente certa e indiscutível é: Cristo, de fato, ensinou a eternidade das penas do inferno. Logo, concluíra o próprio Allan Kardec, se quiser ser consequente, a mensagem de Jesus é incompatível com a filosofia da reencarnação.

Seria realmente prolixo citar aqui todos os textos dos quatro evangelhos que os evangelistas colocam na boca do Divino Mestre e que nos falam da possibilidade de uma condenação “eterna” (cf. Mt 5, 29; 8, 12; 13,50; 22, 13; 25, 30.41; Mc 3, 29; Lc 16, 19-31).

Ressalto apenas que Cristo, de fato, não podia usar de palavras mais evidentes e incisivas para nos ensinar a existência e a eternidade do inferno. Pois, em quase cada sermão que fazia, Jesus apontava para os tremendos castigos depois da morte. Basta lembrar que, no juízo final, a sentença definitiva do Divino Juiz sobre os maus será: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo e para seus anjos” (Mt 25, 46); e Jesus acrescenta que “estes irão para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna”.

Neste texto, Jesus estabelece um perfeito paralelo entre a sorte dos justos (que é de “vida eterna”) e a dos maus (que é de “castigo eterno”): uma e outra são simplesmente “eternas”. Se, pois, a vida “eterna” dos justos é sem fim, sem fim será também o castigo “eterno”. Pois a mesma palavra, na mesma proposição e em igual contexto, deve ser tomada no mesmo sentido.

A eternidade no sentido de “duração sem fim” é afirmada também por Jesus em Mt 18, 8-9, comparado com o texto paralelo de Mc 9, 42-47: o “eterno” de Mt 18, 8 é descrito em Mc 9, 43.48 como “fogo que não se apaga”. Já João Batista havia falado de um “fogo que não se apaga” (cf. Mt 3, 12; Lc 3, 17).

Particularmente pertinente é o que nos relata Lc 13, 23-28: alguém lhe perguntou: “Senhor, é pequeno o número dos que se salvam?” Jesus respondeu:

Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que muitos procurarão entrar e não o conseguirão. Uma vez que o dono da casa houver se levantado e tiver fechado a porta e vós, de fora, começardes a bater à porta, dizendo: “Senhor, abre-nos”, ele vos responderá: “Não sei de onde sois”. Então começareis a dizer: “Nós comíamos e bebíamos em tua presença, e tu ensinaste em nossas praças”. Ele, porém, vos responderá: “Não sei de onde sois; afastai-vos de mim, vós todos, que sois malfeitores!” Lá haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaac, Jacó e todos os profetas no Reino de Deus, e vós, porém, lançados fora.

Não adianta negar tão claros ensinamentos divinos. Contra aqueles que negam a reencarnação, Allan Kardec teceu, do seu ponto de vista, uma mui judiciosa ponderação: “Como quer que opinemos acerca da reencarnação, quer a aceitemos, quer não, isso não constituirá motivo para que deixemos de sofrê-la, desde que ela exista, malgrado todas as crenças em contrário”, pois, considera ele no mesmo contexto: “Deus não nos pede permissão, nem consulta os nossos gostos para regular o universo” [2].

É isso mesmo. Parafraseando, diremos: como quer que se opine acerca do inferno, quer o aceitemos, quer não, isso não constituirá motivo para não sermos condenados a ele, desde que ele exista, malgrado todas as vontades humanas em contrário, pois Deus sabe o que faz e não consulta nosso parecer. As admoestações divinas estão aí, nos evangelhos.

Deus, evidentemente, quer a salvação de todos. A todos dá as graças necessárias e a ninguém nega os auxílios suficientes. É certo que só vai para o inferno quem voluntária, consciente e gravemente ofende a Deus e neste estado morre impenitente. Mas estes irão mesmo. Não adiantará choramingar. Deus lhes dirá, como lemos no sagrado livro dos Provérbios 1, 24 e seguintes:

Mas, visto que eu vos chamei, e vós não quisestes ouvir-me; visto que estendi a mão, e não houve quem olhasse para mim; visto que desprezastes todos os meus conselhos, e não fizestes caso das minhas repreensões, também eu me rirei da vossa ruína, e zombarei de vós, quando vos suceder o que temíeis. Quando vos assaltar a calamidade repentina e colher a morte como um temporal; quando vier sobre vós a tribulação e a angústia, então me invocarão e eu não os ouvirei; levantar-se-ão de madrugada, e não me encontrarão; porque eles aborreceram as minhas instruções, e não abraçaram o temor do Senhor, nem se submeteram ao meu conselho e desprezaram todas as minhas repreensões. Comerão, pois, os frutos de seu mau proceder e fartar-se-ão dos seus conselhos.

Não há dúvida, existem aspectos bem difíceis de entender na doutrina de Cristo sobre a tremenda possibilidade de sermos condenados para sempre à exclusão da visão beatífica (inferno significa em primeiro lugar “exclusão do céu”; as penas são secundárias). Mas quem compreende a vocação natural e sobrenatural de todos os homens; quem conhece a necessidade, o valor e o risco da liberdade; quem procurou penetrar na natureza do pecado grave, consciente e deliberadamente perpetrado; quem se deu conta da necessidade de um limite do tempo de prova; este verificará facilmente que o aspecto mais difícil ou misterioso não é propriamente a existência do inferno, nem sua eternidade, mas o triste fato de existirem seres racionais que, não obstante, abusam da sua liberdade para enfrentar a eventualidade do inferno.

O verdadeiro problema, a dificuldade principal, está na existência da culpa grave consciente e livremente cometida por uma criatura de Deus! Como e por que permite Deus que sua criatura racional, o homem, “única criatura na terra que Deus quis por si mesma” [3], possa, desgraçadamente, decidir-se para a culpa grave? Eis aí a verdadeira raiz do “mistério do inferno”.

E exatamente este problema existe também para os reencarnacionistas. Pois ninguém pode racionalmente contestar a realidade do pecado grave e livremente cometido pelo homem, e, por conseguinte, existe para todos o indicado e difícil problema.

Também para os reencarnacionistas nem tudo é claro. O próprio Allan Kardec indaga dos “espíritos superiores”: “Por que há Deus permitido que os espíritos possam tomar o caminho do mal?” E a resposta do “além” se resolve, afinal, também, num apelo ao mistério. Eis a resposta que Kardec garante ter recebido: “Como ousais pedir a Deus contas de seus atos? Supondes poder penetrar-lhe os desígnios?” [4].

Em outra oportunidade Kardec diz ter recebido esta resposta: “Há muitas coisas que não compreendeis, porque tendes limitada a inteligência. Isso, porém, não é razão para que as repilais” [5]. Também lhe dizem que “Deus pode revelar o que à ciência não é dado aprender” [6] e falam do “orgulho dos homens, que julgam saber tudo e não admitem haja coisa alguma que lhes esteja acima do entendimento” [7].

Muito iludidos estão os que pensam que o cristianismo é a religião da comodidade e do puro sentimentalismo. Disse Cristo:

Não penseis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, senão a espada. Vim para fazer separação entre filho e pai, entre filha e mãe, entre nora e sogra […]. Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim. Quem não tomar a sua cruz e me seguir não é digno de mim. Quem procurar possuir a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por minha causa, possuí-la-á (Mt 10, 34-39).

Allan Kardec ilude-se conscientemente a si mesmo e a todos os seus sequazes, quando escreve que Cristo “se limitou a falar vagamente da vida bem-aventurada, dos castigos reservados aos culpados, sem referir-se jamais nos ensinos a castigos e suplícios corporais” [8].

Iludem-se também nossos espíritas, quando anunciam triunfalmente que “o espiritismo forneceu a chave que permite ler o Evangelho sem calafrios e provou que Deus é, em verdade, justo e bom”.

Iludem-se ainda tremendamente, quando não apenas sustentam que a Bíblia não se refere ao sofrimento eterno do condenado, mas ainda blasfemam da seguinte maneira:

Se conseguissem convencer-nos de que é isso o que a Bíblia afirma, nós a renegaríamos como falsa; e se nos provassem que ela é autêntica (isto é, que ela vem de Deus), nós renegaríamos o próprio Deus, porque não podemos adorar uma entidade cujos sentimentos de amor, justiça e misericórdia sejam inferiores aos nossos. E se há um Deus capaz de condenar uma de suas criaturas a sofrer eternos horrores por uma falta momentânea, cometida contra quem for, então esse Deus está muito abaixo das solas dos nossos sapatos. Nós nos julgaremos, por isso, muito superiores a um tal Deus!… [9].

Notas

  • Trecho extraído e levemente adaptado de Espiritismo: Orientação para Católicos. 9.ª ed., São Paulo: Loyola, 2014, pp. 107-110.

(via Pe. Paulo Ricardo)

Tags:
IgrejaMorteSeitas
Apoiar a Aleteia

Se você está lendo este artigo, é exatamente graças a sua generosidade e a de muitas outras pessoas como você, que tornam possível o projeto de evangelização da Aleteia. Aqui estão alguns números:

  • 20 milhões de usuários no mundo leem a Aleteia.org todos os meses.
  • Aleteia é publicada diariamente em sete idiomas: inglês, francês,  italiano, espanhol, português, polonês e esloveno
  • Todo mês, nossos leitores acessam mais de 50 milhões de páginas na Aleteia.
  • 4 milhões de pessoas seguem a Aleteia nas redes sociais.
  • A cada mês, nós publicamos 2.450 artigos e cerca de 40 vídeos.
  • Todo esse trabalho é realizado por 60 pessoas que trabalham em tempo integral, além de aproximadamente 400 outros colaboradores (articulistas, jornalistas, tradutores, fotógrafos…).

Como você pode imaginar, por trás desses números há um grande esforço. Precisamos do seu apoio para que possamos continuar oferecendo este serviço de evangelização a todos, independentemente de onde eles moram ou do quanto possam pagar.

Apoie Aleteia a partir de apenas $ 1 - leva apenas um minuto. Obrigado!

PT300x250.gif
Oração do dia
Festividade do dia





Envie suas intenções de oração à nossa rede de mosteiros


Top 10
Ver mais
Boletim
Receba Aleteia todo dia