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“Fontes”: os místicos cristãos dos primeiros séculos

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Vanderlei de Lima - publicado em 10/05/18
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Com o subtítulo “os místicos cristãos dos primeiros séculos: textos e comentários”, o livro Fontes, de 352 páginas (Ed. Subiaco), visa, como o próprio título indica, expor, por documentos e testemunhos, a primeira experiência cristã, ou seja, os ensinamentos dos Padres da Igreja.

Padres (= Pais) da Igreja são “essas testemunhas, cuja palavra recolhi. Uns foram mártires, os primeiros místicos, outros, monges das montanhas e nos desertos, outros, grandes inteligências iluminadas pelo Espírito, mesmo através de suas imprudências (que a Tradição soube equilibrar pelo consensus dos outros Padres). Muitos foram bispos, pastores de Igrejas locais, então fortemente autônomas no próprio seio da comunhão, eleitos pelo povo e pregadores da única ‘novidade’ capaz de atingir-nos hoje no maior desespero do nosso niilismo: a ‘descida’ do Deus feito homem, na morte e no inferno para triunfar de todas as formas da morte e do inferno” (p. 12).

Ora, é a obra desses autores dos primeiros séculos do Cristianismo – no qual se encontram, em fonte comum, católicos, ortodoxos e protestantes – que Oliver Clément, o autor, recolheu, selecionou e comentou longamente.

O trabalho se divide em três grandes partes: I) Para uma inteligência do mistério; II) A iniciação e os combates e III) Os enfoques da contemplação. No final (p. 281-352), a obra traz uma breve, mas elucidativa referência biobibliográfica de cada autor citado, em ordem alfabética.

De Macário se lê: “Um dos mestres espirituais do ‘deserto’ do Egito no século IV, organizador da vida monástica em Cétia, discípulo de Antão, mestre de Evágrio. Fora chamado de ‘o menino ancião’, talvez por causa do extraordinário dom de discernimento que manifestou muito cedo. Seu prestígio fez com que passassem por suas as Homilias Espirituais, mais tardias e de outra origem. O ciclo copta dos Apoftegmas referentes a ele reproduz, em grande parte, a coleção alfabética grega, mas contém igualmente alguns textos admiráveis, os mais antigos que conhecemos – se forem autênticos – sobre a invocação do nome de Jesus unida à respiração” (p. 336).

Ainda, silêncio e humildade caminham lado a lado. Com efeito, escreve Clément: “A humildade está ligada ao silêncio interior. É preciso fugir à obsessão da culpa, mas saber guardar silêncio, calar-se diante da injúria, como Jesus. Pensa-se no silêncio de Cristo diante de Pilatos, silêncio cuja força de amor foi mostrada por Dostoïvski na lenda do Grande Inquisidor”. Vem a propósito a sentença de um monge do deserto: “Um irmão perguntou ao abba Bessarião: ‘Que devo fazer?’ ‘Guarda o silêncio e não queiras avaliar a ti mesmo’” (p. 146).

Sobre a comunhão: sem amar a Deus, o centro de nossas vidas, não se ama, de modo íntegro, o próximo. Isso escreve Doroteu de Gaza: “Esta é a natureza do amor:  na mesma medida em que nos afastamos do centro (do círculo) e não amamos a Deus também nos afastamos do próximo. No entanto, se amamos a Deus, na mesma medida em que nos aproximamos dele pelo amor, estamos unidos ao próximo pelo amor “(p. 249).

Amor e oração: “O amor ao próximo é mais importante que a oração”. Sim, diz São João Clímaco: “Acontece que, quando estamos rezando, os irmãos vêm nos procurar. Devemos então escolher: ou interromper nossa oração ou entristecer o irmão recusando-nos a responder-lhe. No entanto, o amor é maior que a oração: a oração é uma virtude entre outras, enquanto o amor contém todas” (p. 255).

A observação final a ser feita é para que, em uma segunda edição da obra, venha a apresentação de Oliver Clément, autor desse importante trabalho, bem como uma melhor separação entre os textos patrísticos expostos e o seu comentário.

A linguagem do alentado livro exige certo conhecimento teológico, mas vale a pena se debruçar sobre ele. Rica fonte de Espiritualidade e Teologia.