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Em que consiste a perfeição cristã

WOMAN,PRAYING,PRAYER

NeONBRAND | CC0

Reportagem local - publicado em 24/05/18

Muitos que se acham perfeitos estão na verdade mergulhados em soberba e auto-engano: como reconhecer esta armadilha?

Este texto é um extrato adaptado de um clássico da espiritualidade católica, escrito no século XVI pelo pe. Lorenzo Scúpoli: “O Combate Espiritual”. A leitura desta obra foi vivamente recomendada por São Francisco de Sales. O trecho a seguir nos dá relevantes conselhos e alertas sobre a verdadeira perfeição cristã e sobre o quanto podemos nos enganar no caminho rumo a ela…

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Muitos, sem pensar, julgam que ela consiste na austeridade de vida, no castigo da carne, nos cilícios, nos açoites, nas longas vigílias, nos jejuns, em outras penitências e fadigas corporais. Outras pessoas, mulheres especialmente, pensam ter chegado a grande perfeição quando rezam muito, ouvem muitas missas e longos ofícios, frequentam as Igrejas e a Sagrada Comunhão. Outros, ainda, e entre eles certamente muitos religiosos de convento, chegaram à conclusão de que a perfeição consiste na frequência ao coro, no silêncio, na solidão e na disciplina. E assim variam as opiniões e uns colocam a perfeição nisto e outros naquilo. A verdade, porém, é muito outra. Tais ações são, às vezes, meios de adquirir o espírito, e, às vezes, frutos do espírito. Não se pode, porém, dizer que somente nestas coisas consiste a perfeição cristã e o verdadeiro espírito. Sem dúvida são poderosíssimos meios para o espírito, quando deles nos utilizamos com discrição. Dão força à nossa alma contra a nossa maldade e fragilidade; fortalecem-na contra os assaltos e as insídias do inimigo; alcançam-nos auxílios espirituais, tão necessários aos servos de Deus, máxime aos que principiam. Estas práticas são também fruto do espírito nas pessoas espirituais que castigam o corpo por ter este ofendido o Criador e recolhem-se longe do mundo para se dedicarem ao serviço divino e não ofenderem em nada o Senhor. Dedicam-se ao culto divino e às orações, meditam a Vida e a Paixão de Nosso Senhor, não por curiosidade e gosto sensível, mas para conhecerem sempre mais a maldade do pecado, a bondade e misericórdia de Deus, e mais se inflamarem no amor divino e no ódio ao pecado. Seguem com grande abnegação e com sua cruz às costas o Filho de Deus e frequentam os santos sacramentos para a glória de sua Divina Majestade, para mais se unirem com Deus e para adquirirem novas forças contra o inimigo. Se, porém, põem todo o fundamento de sua virtude nas ações exteriores, estas ações, não por serem defeituosas, mas pelo defeito de quem as usa, serão às vezes a causa de sua ruína – até mais que os próprios pecados. Pois estas almas apenas prestam atenção às suas ações, largam o coração às suas inclinações naturais e ao demônio oculto. Este, reparando já estar aquela alma fora do caminho, deixa que ela continue com deleites naqueles exercícios e a embala com o pensamento das delícias do paraíso. A alma logo se convece de já estar nos coros angélicos e de possuir a Deus em si mesma. Embevecendo-se em altas meditações, em curiosos e deleitantes pensamentos, e, quase esquecida do mundo e das criaturas, pensa estar no terceiro céu. Está, porém, envenenada e longe da perfeição. Pela vida e pelos costumes destas pessoas, muito facilmente poderemos deduzi-lo. Querem sempre, nas coisas pequenas e nas grandes, ser os preferidos. Querem que a sua opinião e a sua vontade sejam sempre respeitadas. Não reparam nos próprios defeitos e observam e criticam os defeitos do outros. Querem que os outros façam deles excelente juízo e se comprazem nisto. Mas, se tocam de leve em sua reputação, ou se falam da devoção que exibem, logo se alteram e muito se inquietam. E se Deus, para levá-los ao conhecimento verdadeiro deles mesmos e ir à estrada da perfeição, lhes manda trabalhos e enfermidades ou permite perseguições (que nunca vêm sem a vontade divina), então se descobre a base falsa da sua devoção. Vê-se que têm o interior corrompido pela soberba, porque, nas diversas circunstâncias, sejam alegres ou tristes, não se humilham perante a vontade divina, respeitando os justos e secretos juízos de Deus, nem se abaixam, a exemplo de Jesus Cristo. Estes estão em grave perigo de cair, porque têm o olhar interno obscurecido. É com este olhar que contemplam a si mesmos e as suas obras externas boas, atribuindo-se muitos graus de perfeição. E, ensoberbecidos, julgam os outros. A não ser um auxílio extraordinário de Deus, nada os converterá. Por isso, mais facilmente se converte e se dá ao bem o pecador manifesto que o oculto e coberto com o manto das virtudes aparentes. Vês, pois, claramente, que a vida espiritual, como declarei acima, não consiste nestas coisas. A virtude outra coisa não é senão o conhecimento da bondade e grandeza de Deus e da nossa nulidade e inclinação ao mal; o amor de Deus e o ódio do nosso próprio pecado; a sujeição não somente a Ele, mas, por Seu amor, a todos os Seus filhos; o desapropriamento da nossa vontade e o acatamento total de Suas divinas disposições; por fim, querer e fazer tudo isso para a glória de Deus, para o Seu agrado e porque Ele quer e merece ser amado. Esta é a lei do amor, expressa pela mão de Deus nos corações de Seus servos fiéis. Esta é a negação de nós mesmos, que Ele exige de nós. Este é o jugo suave e o ônus leve. Esta é a obediência a que nosso divino Redentor e Mestre nos chama com Sua voz e com Seu exemplo. Se aspiras a tanta perfeição, deves fazer contínua violência a ti mesmo, para combateres generosamente e aniquilar todas as tuas vontades, grandes e pequenas. Para isso é necessário que, com grande prontidão de ânimo, te aparelhes para esta batalha, pois só é coroado o soldado valoroso. Este combate é difícil, mais que nenhum outro, pois combatemos contra nós mesmos. Por maior, porém, que seja a batalha, mais gloriosa, e mais cara a Deus será a vitória. Se tratares de sufocar todos os teus apetites desordenados, teus desejos e vontades, mesmo muito pequenos, maior serviço farás a Deus do que se te flagelares até o sangue, jejuares mais que os antigos eremitas e anacoretas, converteres milhares de almas, guardando vivos, voluntariamente, alguns destes apetites. Naturalmente, o Senhor aprecia mais a conversão das almas do que a mortificação de uma pequenina vontade. Apesar disto, não deves querer nem obrar senão aquilo que o Senhor restritamente quer de ti. E, sem dúvida, Ele mais se compraz em que te canses em mortificar as tuas paixões do que em O servires em algum trabalho, por grande e necessário que seja, guardando viva em ti, advertida e voluntariamente, alguma paixão. Agora que vês em que consiste a perfeição cristã e como, para a conquistar, é preciso empenhar uma contínua e duríssima guerra contra ti mesmo, necessitas de quatro coisas como armas seguríssimas e muito necessárias para vencer nesta batalha espiritual. São as seguintes: a desconfiança de ti mesmo, a confiança em Deus, o exercício e a oração.

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Extrato adaptado de “O Combate Espiritual”, clássico da espiritualidade católica, de D. Lorenzo Scúpoli

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ConversãoPecadosantidadeVirtudes
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