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A armadilha do evangelho da prosperidade

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Paul De Maeyer - publicado em 12/08/18

O perigo de reduzir Deus a um mero distribuidor de bens, como se fosse um cartão de crédito ilimitado

Deus nos ama. Além do mais, ele quer nos preencher de bens. A Bíblia ensina, e Jesus disse no Evangelho: “Eu lhes garanto: O que vocês pedirem a meu Pai em meu nome, ele vai lhes dar” (Jo 16,23). O problema é que em algumas denominações ou igrejas americanas (e não só), essa generosidade divina assumiu uma característica particular material e não escatológica, o que reduz Deus a um mero distribuidor de bens, como se fosse um cartão de crédito ilimitado.

“Um grupo significativo de igrejas parece ensinar que fazer doações desencadearia uma resposta financeira da parte de Deus”, diz o diretor executivo da  LifeWay Research, em Nashville, Tennessee, Scott McConnell, por ocasião da publicação dos resultados de uma pesquisa sobre o “Evangelho da prosperidade”, realizada de 22 a 30 de agosto de 2017 entre 1.010 americanos adultos que frequentam pelo menos uma vez por mês uma igreja protestante ou cristã.

Embora “vários líderes religiosos tenham condenado a doutrina do evangelho da prosperidade”, “muitas pessoas entre os fiéis abraçam essa ideia”, explica McConnell.

Deus abençoa os que doam para a igreja

38%, isto é, um em cada três fiéis, responderam estar de acordo com a afirmação da pesquisa de que “a igreja deles ensina que Deus os abençoará se eles derem mais dinheiro para sua igreja e para suas obras de caridade”. A este respeito, 22% disseram estar “bastante” de acordo, 16% disseram estar “fortemente” de acordo.

Mais propensos a concordar com a frase (53%) são pentecostais, ou aqueles que frequentam as Assembleias de Deus (movimento evangélico).

Embora quatro em cada dez participantes da pesquisa (40%) afirmaram estar “fortemente” em desacordo com o conteúdo da declaração e 17% disseram estar “bastante” em desacordo, apenas 5% disseram que não tinham certeza.

Prosperar financeiramente

Mais de dois participantes em cada três, ou seja, 69%, disseram concordar com a afirmação de que Deus quer que eles “prosperem financeiramente”. Enquanto 31% disseram estar “bastante” de acordo, 38% disseram estar “fortemente” de acordo.

A esse respeito, 10% disseram que não tinham certeza, quase um em cada dez, 9% disseram que discordam fortemente da frase, 12% responderam “discordo totalmente”. Isto implica que apenas cerca de um em cada cinco, 21%, não concorda com a afirmação.

A pesquisa também mostra que os fiéis que frequentam sua congregação pelo menos uma vez por semana são mais propensos a pensar que Deus quer que eles prosperem financeiramente (71%), uma porcentagem que cai para 56% entre os que participam até duas vezes por mês em culto.

Para receber de Deus, algo deveria ser feito por Ele

26% declararam concordar com a afirmação de que, para receber de Deus bênçãos materiais, temos que fazer algo por Ele. 13% disseram estar “fortemente” de acordo e outros 13% “bastante” de acordo.

Por outro lado, 70% não concordam. Pelo contrário, 54% estão “fortemente” em desacordo, em comparação com 16% que estão “bastante” em desacordo. 5% disseram que não tinham certeza.

Os membros da comunidade afro-americana não hispânicos (44%) e hispânicos (34%) são aqueles mais susceptíveis a responder positivamente comparado aos brancos não hispânicos (17%) e outros grupos étnicos (16%), de acordo com a pesquisa.

O aviso da “Civiltà cattolica”

Em um artigo publicado em julho sob o título emblemático Teologia da prosperidade. O perigo de um “evangelho diferente” na prestigiosa revista La Civiltà Cattolica, o jesuíta Antonio Spadaro e o pastor presbiteriano argentino Marcelo Figueroa analisaram as raízes e os riscos associados a esta corrente teológica, que atrai um número crescente de fiéis não só nos EUA, mas também em alguns países da América Latina, incluindo a Guatemala e, em particular, o Brasil, e até mesmo na África e na Ásia, onde se espalhou, por exemplo, na Coreia do Sul e até na China.

Como exemplo, os dois autores, que no verão passado assinaram um artigo divulgado na revista da Companhia de Jesus, mencionam a Miracle Center Cathedral na capital de Uganda, Kampala, resultado da pregação do Pastor Robert Kayanja, e a Igreja Universal do Reino de Deus, fundada em 1977 pelo pastor brasileiro Edir Macedo, dono da segunda maior emissora de televisão do Brasil, RecordTV, e do grupo de mídia Grupo Record.

As origens do “Evangelho da prosperidade”

Para Spadaro e Figueroa, as origens do atual “Evangelho da prosperidade” e sua promessa de bem-estar financeiro e material remontam aos EUA dos finais do século XIX e, sobretudo, ao pensamento do pastor nova-iorquino Esek William Kenyon.

Kenyon “argumentou que através do poder da fé podem ser modificadas realidades materiais concretas”, não só para o bem, mas para o mal, no sentido de que a pobreza, a doença e a infelicidade seriam o resultado direto da falta de fé.

Foi também fundamental a contribuição do pastor e “profeta” Kenneth Hagin, que apontou em dois versículos do Evangelho de Marcos o núcleo vital do que mais tarde se tornaria o “Evangelho da prosperidade”: “Eu lhes garanto: Se alguém disser a esta montanha: ‘Levante-se e atire-se no mar’, e não duvidar no coração, mas acreditar que se realiza aquilo que está dizendo, assim acontecerá. Portanto, eu lhes digo: Tudo o que vocês pedirem rezando, creiam que já o receberam, e assim acontecerá para vocês” (Mc 11,23-24).

Outros elementos que caracterizam essa corrente são o vínculo – mesmo que distorcido – com a ideia do “sonho americano” ou American Dream, e também o uso de meios de comunicação para difundir a mensagem do evangelho da prosperidade, um elemento que haviam intuído tanto Kenyon como Hagin. Tal fenômeno encontra seu ponto culminante no “tele-evangelismo” (o uso da televisão para transmitir essa visão da fé cristã para muitas pessoas) como Oral Roberts, Pat Robertson e Joel Osteen, fundador da maior Megachurch ou mega-igreja dos Estados Unidos, a Lakewood Church, em Houston, Texas.

Um Evangelho distorcido

Em seu artigo, o jesuíta e o pastor presbiteriano lembram que o “Evangelho da prosperidade” não só está longe da mensagem e do “sonho” pregado por figuras como Martin Luther King [1], mas que também foi fortemente criticado “por setores protestantes, tanto tradicionais […] quanto mais recentes”, acusando a corrente de anunciar “um evangelho diferente”.

Na verdade, como explicam Spadaro e Figueroa, a corrente teológica do “evangelho da prosperidade” é resultado de uma “hermenêutica reducionista”, que subestima, por exemplo, o papel de Deus Pai a uma espécie de “botões cósmicos” e também O faz “prisioneiro” de Sua própria palavra.

Além disso, os autores sublinham que, por parte dos fiéis dessas igrejas, há “uma total falta de empatia e solidariedade” para com aqueles que sofrem, que estão doentes ou têm dificuldades.

“Não há compaixão pelas pessoas que não podem prosperar – eles observam – porque elas claramente não seguiram as ‘normas’ e, portanto, vivem no fracasso e não são amadas por Deus”.

O verdadeiro Evangelho é um  fator de mudança real

“Em resumo, aqui se fala de um deus concebido à imagem e semelhança das pessoas e de suas realidades, e não de acordo com o modelo bíblico”, continuam Spadaro e Figueroa. “Esse ‘evangelho’, que coloca a ênfase na fé como ‘mérito’ para subir na escala social, é injusto e radicalmente anti-evangélico” e também tem um “efeito perverso sobre as pessoas pobres”, advertem.

“Não só exacerba o individualismo e apaga o sentimento de solidariedade, mas empurra as pessoas a ter uma atitude milagrosa, pela qual só a fé pode buscar prosperidade, e não o compromisso social e político”, escrevem os autores. Eles advertem do risco de que os pobres fascinados por este novo evangelho permaneçam “emaranhados em um vácuo político-social que permite facilmente a outras forças que incorporem seu mundo, tornando-os inofensivos e indefesos”.

O Papa Francisco alertou várias vezes contra os perigos da “tentação da prosperidade”, lembram os autores, como por ocasião de seu encontro com os bispos da Coreia do Sul, em agosto de 2014. Ali, o Papa advertiu do risco de “uma igreja próspera e para os abastados, uma igreja de bem-estar”. De fato, um evangelho onde não há lugar para os pobres e os doentes, que tipo de evangelho é?

[1] Suas palavras I have a dream (“Eu tenho um sonho”) são famosas, pronunciadas em 28 de agosto de 1963,  diante do Lincoln Memorial, em Washington, no final de uma marcha de protesto pelos direitos civis.

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