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A vida dos adolescentes divididos entre o tráfico e a Justiça no Rio

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Shutterstock-Antonio Scorza

Agências de Notícias - publicado em 14/08/18

Vítimas da exclusão social, muitos são seduzidos por traficantes de drogas com a promessa de dinheiro fácil

A história de Antônio começa em uma tarde ensolarada de sábado na comunidade do Cantagalo, a alguns passos da Praia de Copacabana, e acaba com uma 9mm nas mãos, um disparo e um amigo de 10 anos com um tiro na cabeça.

Antônio tem 17. Sucinto e impassível, conta para a juíza que a morte de seu amigo Marlon foi “um acidente”: os dois encontraram a arma debaixo de uma caixa d’água e brincavam com ela quando, de repente, disparou. Sua mãe, presente na audiência, chora por ele.

– Você já havia usado uma pistola antes?, perguntou a juíza.

– Nunca.

Antônio tem sete irmãos e há dois anos não vai à escola, o mesmo tempo que seu pai está preso. Já foi brevemente detido por tráfico de drogas e duas semanas por roubo. Dessa vez, provavelmente, passará mais tempo atrás das grades.

“A vida é assim no morro. Tem que rezar muito para seu filho não se envolver”, diz sua mãe, Valdereiz, uma dona de casa de 45 anos, ao sair do Núcleo de Audiência de Apresentação (Naap), coordeando pela Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, que deu um incomum acesso à AFP a suas dependências por vários dias.

Na sala de espera, uma dúzia de mães, irmãs, tias e avós aguardam angustiadas a sua vez. Todas são de áreas humildes, quase todas negras. Só há dois homens com elas.

Nesta segunda-feira em questão, depõem menores de idade presos por posse de maconha, por prática de furtos em áreas turísticas e por roubo de carros a mão armada. Assim como oito adolescentes acusados de matar dois colegas de seu centro de detenção enforcando-os com lençóis.

A avó de um acusado, uma idosa de 80 anos, precisa ser socorrida ao sair da audiência, quase desmaiada.

– Mão de obra fácil –

A violência no Rio, que se intensificou após os Jogos Olímpicos de 2016, muitas vezes acaba visível nas feições de um adolescente das classes mais pobres, e não acontece apenas em filmes como “Cidade de Deus”.

A realidade é que muitos jovens crescem entre armas e drogas. Alguns pagam com a própria vida. Outros acabam nas mãos da Justiça.

De cada mil adolescentes do Rio, 1,9 está detido por algum crime, de acordo com dados oficiais de 2012.

A maioria dos menores detidos é de negros (60%), de famílias extremamente pobres (66%), geralmente desestruturadas, e 51% não vão à escola, indica um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Vítimas da exclusão social, muitos são seduzidos por traficantes de drogas com a promessa de dinheiro fácil. E se tornam especialmente úteis porque a pena máxima para adolescentes de 12 a 18 anos é de três anos de reclusão.

A maior parte dos jovens detidos no Rio em 2017 foi acusada de tráfico de drogas (40,61%), de roubo e furto (36,62%), lesão corporal (19,16%) e homicídio (3,61%), segundo o Departamento Geral de Ações Sócio Educativas (Degase), que não autorizou o acesso a seus espaços.

José está detido desde o ano passado acusado de roubar um carro a mão armada em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e esta manhã teve que voltar ao tribunal para uma audiência de reconhecimento.

“Não trabalhei porque não tive oportunidade. A gente é de favela e eles pensam que a gente é bicho”, diz o rapaz de 18 anos recém-completados e que, sob a condição de usar um nome falso, admite que começou “dando tiros” com o Comando Vermelho, principal facção criminosa da cidade, aos 14 anos, quando saiu de casa.

– Reinserção –

A titular do juizado da infância e juventude, Vanessa Cavalieri, lamenta a escassez de políticas públicas para esses jovens, mas acredita que eles podem escolher o seu caminho e que a sua função é mostrá-lo.

“Quando o menor é preso, cai toda aquela ilusão de que o crime é muito bom pela adrenalina ou pelo dinheiro fácil, de que ele nunca vai ser preso. Essa coisa de onipotência juvenil, de achar que pode fazer o que quiser e que nada vai acontecer”, afirma.

Entretanto, suas próprias cifras demonstram o contrário: metade dos adolescentes que termina em seu tribunal é reincidente.

Quando deixam os centros de detenção insalubres e saturados do Rio, geralmente ninguém lhes estende a mão.

Programas como “Jovem Aprendiz” tentam fomentar o emprego de adolescentes com benefícios fiscais para as empresas, mas os receios com os que estiveram presos são grandes.

E a Justiça sabe disso: atualmente existem 300 adolescentes infratores prontos para entrar no programa, mas apenas cerca de 20 trabalham, paradoxalmente, em suas próprias dependências, ou em empresas terceirizadas.

Emílio, de 16 anos, que foi preso por roubo, faz trabalhos administrativos em um tribunal, certo de que isso o ajudará a ser “uma nova pessoa”. “Existem muitos jovens que recebem a oportunidade e não querem, e os outros jovens que querem essa oportunidade são descredibilizados”, assegura.

(AFP)

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