Recentemente, uma senhora se aproximou de mim depois de uma Missa em que eu falei sobre os escândalos de abuso sexual na Igreja. Ela pegou minha mão, olhou nos meus olhos e disse: “Não se preocupe, padre, nenhum mau sacerdote vai me afastar do meu Jesus”. “Amém”, pensei. Mas ela não terminou. Depois de sua declaração, ela parecia mais perplexa. Ainda segurando a minha mão, ela me perguntou: “O que eu posso fazer agora?”.
É uma pergunta simples, mas que ecoou ao longo de toda a história da salvação. E um olhar mais atento sobre esta questão pode nos ajudar a encontrar uma resposta concreta para os nossos tempos…
Depois que os babilônios destruíram Jerusalém e o Templo de Salomão – conhecido por ser a morada de Deus na terra – o “povo escolhido” foi levado ao cativeiro. Ninguém poderia ter imaginado tal realidade. O Templo foi arrasado, a Cidade Sagrada de Jerusalém devastada e as promessas de Deus ignoradas. Mas como poderia o próprio Templo de Deus ser destruído? Como poderia a cidade de Davi ser demolida?
Não tendo certeza do que fazer – e em desespero – os israelitas se voltaram ao profeta Ezequiel e disseram: “Nossas ofensas e pecados nos sobrecarregam e estamos perdendo por causa deles. Como, então, podemos viver?” (Ezequiel 33:10).
Isso lhe parece familiar?
No nosso tempo, sofremos uma situação semelhante. Como pode a própria Igreja de Jesus Cristo ser atormentada por escândalos sexuais? Como os pastores do povo de Deus podem ser tão negligentes? Como essas coisas podem acontecer na Igreja, que é o sacramento e a presença de Deus na terra?

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E qual foi a resposta de Ezequiel ao povo de Deus? Ele disse que o Senhor chama seu povo para conversão espiritual, transparência e integridade moral. Ao descrever a solução de Deus, Ezequiel recorre à imagem de um pastor. Na visão do profeta, certos atributos desse pastor ganham destaque: pobreza de espírito, tristeza sobre o mal, mansidão, busca pela santidade, misericórdia, pureza de coração, busca de paz e disposição para sofrer por justiça.
Essas qualidades podem ser descritas como um modelo. Cada uma delas, e de maneira diferente, é sustentada ao longo da narrativa bíblica.
Mas a receita, em sua forma mais precisa, foi dada à família humana pelo Senhor Jesus nas “Beatitudes” do Sermão da Montanha (Mt 5-7). Nos ensinamentos oferecidos por Ele, os fiéis podem encontrar o caminho seguro para a felicidade, a santidade e, sim, para a verdadeira reforma da Igreja. Em meio aos escândalos, desapontamentos e indignação de nossa época, se estivermos dispostos a confiar – apesar das trevas – no Deus vivo de nossos antepassados, e nos apegarmos ao caminho da santidade que ele ensina e modela para nós, o mal será exposto e o bem triunfará.
É por isso que a primeira bem-aventurança fala da pobreza de espírito. É somente ao nos aproximarmos de Deus com um verdadeiro reconhecimento de nossa profunda necessidade por Ele que podemos, autenticamente, trabalhar (e sofrer) pela justiça. É essa pobreza de espírito que nos leva à tristeza diante do mal (a segunda bem-aventurança) e à certeza de que temos um lugar em sua obra (a terceira bem-aventurança).
Esses três movimentos despertam um desejo em nossas almas. Com isso, começamos a ter fome e sede de santidade (a quarta beatitude).
Depois de uma verdadeira sede de justiça nascida dentro de nós, podemos, agora, ser misericordiosos com nosso próximo, puros de coração e pacificadores (as quinta, sexta e sétima bem-aventuranças).
A fluidez das bem-aventuranças mostra toda uma lógica interior e prova que elas são um resumo, um modelo de estilo de vida. Tudo isso culmina na oitava bem-aventurança, que é a disposição para sofrer a perseguição. Não é de se surpreender que apenas a primeira e a oitava beatitudes tratem especificamente do reino de Deus. A primeira bem-aventurança é a porta de entrada, enquanto a oitava é o compromisso de compartilhar a vida que recebemos.
E este modo de vida se estende a todos os fiéis. É a resposta para senhora da minha paróquia; é minha resposta!
As bem-aventuranças são a resposta a todos aqueles que nunca permitirão que os maus sacerdotes nos afastem do nosso Jesus. São também a resposta para aqueles que querem desesperadamente ver a Igreja consistente e convincente em sua adoração a Deus, no anúncio do Evangelho e a serviço de todos…

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