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Papa aos consagrados: não esqueçam seus mártires

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AFP/ Vincenzo Pinto

Vatican News - publicado em 23/09/18

Antes de ler o discurso preparado, Francisco falou de improviso, inspirado na conversa que teve com os bispos

“Gostaria de dizer um sentimento que tenho. Olhando para vocês, vejo muitos mártires atrás de vocês. Mártires anônimos, no sentido de que nem sabemos onde eles foram enterrados”..

A Catedral de S. Pedro e S. Paulo em Kaunas, na Lituânia, foi o local do encontro do Papa com a vida consagrada. Com eles, Francisco compartilhou “alguns traços característicos da esperança à qual sacerdotes, seminaristas, consagrados e consagradas”, são chamados a viver. A Catedral de Kaunas foi a primeira grande construção gótica da Lituânia e remonta ao ano de 1413, segundo algumas fontes escritas.

O Pontífice foi recebido com efusivos aplausos pelos presentes, em meio à cânticos religiosos. Mas antes de pronunciar-se, dirigiu-se a uma capela lateral onde depositou flores aos pés de uma imagem de Nossa Senhora, detendo-se então em oração diante do Tabernáculo. No local estavam presentes algumas religiosas de clausura. Francisco dirigiu a elas algumas palavras em italiano, sendo traduzido em lituano por um sacerdote.

Antes de ler o discurso preparado, Francisco falou de improviso, inspirado na conversa que teve com os bispos com quem almoçou na sede da Cúria em Kaunas, antes do encontro na Catedral. E recordou o tempo das perseguições e os tantos mártires.

Também alguém de vocês: eu cumprimentei alguém [de vocês], [que] soube o que era a prisão. Vem-me à mente uma palavra para começar: não esqueçam, recordem-se. Vocês são filhos dos mártires. Essa é sua força. E o espírito do mundo não venha para lhes dizer outra coisa diferente daquela que seus antepassados ​​viveram”.

Recordem dos mártires de vocês, insistiu. Tomem o seu exemplo, não tenham medo. Falando com os bispos, seus bispos hoje, disseram: “Como podemos apresentar a causa da beatificação para muitos dos quais não temos documentos, mas sabemos que eles são mártires?” É um consolo, é bonito ouvir isso: a preocupação por aqueles que nos deram testemunho. São os Santos“.

Ao retomar o discurso escrito, o Papa recordou que Paulo repetiu três vezes a palavra “gemer” – geme-se pela escravidão da corrupção, pelo anseio à plenitude – dizendo aos presentes, “que seria bem perguntar se aquele gemido está presente em nós ou se, pelo contrário, já nada grita na nossa carne, nada anela pelo Deus vivo”:

“O gemido da corça sequiosa por falta de água deveria ser o nosso na busca da profundidade, da verdade, da beleza de Deus. Talvez a «sociedade do bem-estar» nos tenha deixado demasiadamente saciados, cheios de serviços e de bens, e encontramo-nos «pesados» de tudo e cheios de nada; talvez nos tenha deixado aturdidos ou dissipados, mas não cheios. Somos nós, homens e mulheres de especial consagração, aqueles que não podem jamais permitir-se a perda daquele gemido, daquela inquietude do coração que só no Senhor encontra repouso”.

“Nenhuma informação imediata – enfatizou o Papa –  nenhuma comunicação virtual instantânea pode privar-nos dos tempos concretos, prolongados, para conquistar – é precisamente disto que se trata: de um esforço constante – um diálogo diário com o Senhor através da oração e da adoração”.  Trata-se de cultivar o nosso desejo de Deus, como escrevia São João da Cruz.

Mas “este gemido – continuou – deriva também da contemplação do mundo dos homens, sendo um apelo à plenitude face às necessidades insatisfeitas dos nossos irmãos mais pobres, perante a falta de sentido da vida dos mais novos, a solidão dos idosos, os abusos contra o meio ambiente. É um gemido que procura organizar-se para influenciar os acontecimentos duma nação, duma cidade; não como pressão ou exercício de poder, mas como serviço”.

“O grito do nosso povo deve-nos importunar como a Moisés, a quem Deus revelou o sofrimento do seu povo no encontro junto da sarça ardente”, disse o Pontífice, recordando que “escutar a voz de Deus na oração faz-nos ver, ouvir, conhecer o sofrimento dos outros para os podermos libertar. Mas de igual modo devemos sentir-nos importunados quando o nosso povo deixou de gemer, deixou de procurar a água que mata a sede. É hora também para discernir o que está a anestesiar a voz do nosso povo”:

“O clamor que nos faz procurar a Deus na oração e na adoração é o mesmo que nos faz escutar o lamento dos nossos irmãos. Eles «esperam» em nós e, a partir dum discernimento atento, precisamos de nos organizar, programar e ser ousados e criativos no nosso apostolado. Que a nossa presença não seja deixada à improvisação, mas dê resposta às necessidades do povo de Deus e seja, assim fermento na massa”.

A segunda característica de que fala o Apóstolo, é a “constância”, “constância no sofrimento, constância em perseverar no bem. Isto significa estar centrados em Deus, permanecendo firmemente enraizados n’Ele, ser fiéis ao seu amor”.

O Papa recordou então o testemunho dos mais idosos nesta “constância no sofrimento”:

“A violência usada contra vós por ter defendido a liberdade civil e religiosa, a violência da difamação, o cárcere e a deportação não puderam vencer a vossa fé em Jesus Cristo, Senhor da história. Por isso, tendes tanto a dizer-nos e ensinar-nos, e muito também a propor, sem precisar de julgar a aparente fraqueza dos mais jovens”.

E aos mais jovens recomendou que quando se depararem com  “as pequenas frustrações” que tiram o ânimo, levando a um fechamento em si mesmos,  levando “a comportamentos e evasões que não são coerentes” com a consagração, procurem suas raízes e busquem olhar “o caminho percorrido pelos idosos”:

“São precisamente as tribulações que delineiam os traços distintivos da esperança cristã, porque, quando é apenas uma esperança humana, podemos sentir-nos frustrados e esmagados com o fracasso; mas não acontece o mesmo com a esperança cristã: esta sai mais límpida, mais experimentada do crisol das tribulações”.

Mesmo que os tempos sejam outros e a vida vivida em outras estruturas, o Papa afirma que “estes conselhos são melhor assimilados quando as pessoas que viveram aquelas duras experiências não se fecham, mas compartilham-nas aproveitando os momentos comuns”.

O identificar-se com Cristo, participar comunitariamente no seu destino, é a terceira característica ressaltada por Paulo, para quem “a salvação esperada não se limita a um aspecto negativo – libertação duma tribulação interna ou externa, temporal ou escatológica –, mas a ênfase está colocada em algo altamente positivo: a participação na vida gloriosa de Cristo, a participação no seu Reino glorioso, a redenção do corpo”.

Trata-se, portanto, de vislumbrar o mistério do projeto único e irrepetível que Deus tem para cada um. Pois não há ninguém que nos conheça e nos tenha conhecido tão profundamente como Deus; por isso Ele nos destinou para algo que parece impossível, aposta sem possibilidade de erro que reproduzamos a imagem de seu Filho. Ele colocou as suas expectativas em nós, e nós esperamos n’Ele. Um «nós» que integra, mas também supera e excede o «eu».

Devemos interrogar-nos novamente, diz Francisco: “Que nos pede o Senhor? Quais são as periferias que mais precisam da nossa presença, para lhes levar a luz do Evangelho?”:

“No barco da Igreja, estamos todos, sempre procurando clamar a Deus, ser constantes no meio das tribulações e ter Cristo Jesus como objeto da nossa esperança. E este barco reconhece no centro da sua missão o anúncio da glória esperada que é a presença de Deus no meio do seu povo, em Cristo ressuscitado, e que um dia, ansiosamente esperado por toda criação, se manifestará nos filhos de Deus. Este é o desafio que nos impele: o mandato de evangelizar. É a razão da nossa esperança e alegria”.

(Vatican News)

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