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Estudos reconhecem: aborto espontâneo é traumático. Por que a sociedade não?

SAD,WOMAN,MISCARRIAGE

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Anna O'Neil - publicado em 21/10/18

As pessoas têm boas intenções, mas suas palavras de "conforto" não reconhecem que é, sim, uma experiência traumática

Quando você sofre um aborto espontâneo, todo o mundo quer que você se sinta melhor. Aliás, muita gente quer que você se sinta melhor a qualquer preço, inclusive ao preço de negar o que de fato aconteceu. As pessoas tentam consolar você, mas o consolo delas soa repleto de complacência:

Já me disseram:

“Foi melhor assim. Ia ser um bebê doente. E você vai ficar grávida de novo antes do que imagina”.

Uma amiga minha foi “consolada” com esta pérola:

“De qualquer jeito, você já tem muitos filhos”.

E outra teve de ouvir isto:

“Com a sua saúde, foi para melhor”.

Há também quem ouça:

“Era a vontade de Deus. Provavelmente havia algo de errado com o bebê”.

As pessoas têm boas intenções, mas essas palavras soam como se elas não reconhecessem que um aborto espontâneo é, sim, uma experiência traumática – e que um trauma não desaparece porque alguém lhe diz que ele não é real, não é legítimo.

Estudos apontam seriedade dos efeitos psicológicos do aborto espontâneo

De fato, diversos estudos científicos vêm destacando que o aborto espontâneo tem efeitos sérios e duradouros na saúde mental da mulher. Um desses estudos apontou que 25% das mulheres participantes tiveram transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) um mês depois – e 7% delas ainda o mantinham quatro meses depois.

Quando eu li esse estudo, o meu primeiro pensamento foi:

“Ah, então é isso”.

Sim, porque já se passaram 18 meses desde o meu aborto espontâneo e eu ainda tenho flashbacks ocasionais, lembranças vívidas que me fazem perceber que uma parte da minha mente ainda habita naquele dia – e talvez habite lá para sempre.

Outro estudo relata que um grande número de mulheres que sofreram aborto espontâneo ou gravidez ectópica atendem aos critérios diagnósticos de um provável TEPT. Muitas sofrem de ansiedade moderada a severa e, em número menor, várias enfrentam depressão. O quadro psicológico, em particular os sintomas do TEPT, persistem durante ao menos três meses após a perda do bebê.

Segundo um estudo publicado no Irish Journal of Psychology, 44% das mulheres que sofreram aborto no primeiro trimestre apresentaram “sofrimento psicológico em níveis clínicos” até meses depois, o que inclui depressão, ataques de pânico, lembranças recorrentes, pesadelos e ansiedade.

Mesmo assim, muitas e muitas mulheres continuam a ouvir que o que elas passaram “não foi tão ruim” – e que talvez tenha sido “até bom”! Que elas precisam superar isso… Que não é um caso de luto… E são tantas as “mensagens” que as mulheres ouvem de novo e de novo e de novo, como esta:

“Se você ainda está triste depois de três dias, uma semana, um mês, um ano, é porque você está sendo autoindulgente; você está sendo fraca; você ‘só’ tem que virar a página”…

Não é fácil virar a página de um evento traumático.

Não é algo que se consiga apenas pela mera força de vontade. As consequências traumáticas de um aborto espontâneo, ainda que precoce, não são sentidas apenas por uma pequena parcela de mulheres exageradas: são uma constante empiricamente comprovada e estatisticamente significativa.

Esse último estudo, o do Irish Journal of Psychology, destacou algo que é óbvio para qualquer mulher que tenha sofrido um aborto espontâneo:

“Aspectos da atenção médica, como (…) a capacidade de conversar sobre o aborto durante o acompanhamento, estavam significativamente relacionados com os níveis de sofrimento psicológico”.

Ou seja, as mulheres não apresentavam sintomas psicológicos tão graves quando eram levadas a sério; quando os médicos não menosprezavam o seu trauma; quando não as deixavam sozinhas para lidar com um quadro grave.

O meu próprio médico nunca me contou que é comum o aborto espontâneo afetar o seu bem-estar mental. Quando os ataques de pânico e a dissociação chegaram, eu nem sabia no começo que eles estavam relacionados. Foi um alívio indescritível quando finalmente ouvi de mulheres mais velhas, mulheres em quem eu confio:

“Sim, o aborto espontâneo é comum, mas também é legitimamente traumático”.

Comecei então a pensar que talvez não fosse eu que era fraca, mas que talvez, apenas talvez, o que tinha acontecido era realmente intenso.

Se este é o seu caso, se você ainda sente o trauma do aborto espontâneo do seu bebê, se todos dizem que você precisa virar a página, lembre-se de que o mundo não tem o direito de lhe pedir isso. O que você acabou de viver é real e é pesado. Por favor, dê ao seu bem-estar mental a atenção que você merece: entenda que você não é fraca; entenda que você está sofrendo porque viveu uma dor que muitas pessoas nem sequer imaginam. Um aborto espontâneo, por mais natural e comum que seja, pode ser, sim, uma experiência traumática – e está na hora de a sociedade reconhecer esta verdade.




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