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O Papa Francisco é um herege?

POPE FRANCIS GENERAL AUDIENCE

Antoine Mekary | ALETEIA | I.MEDIA

Vanderlei de Lima - publicado em 04/06/19

Nunca um Pontífice falhou (ou caiu em heresia) no múnus que demanda a infalibilidade papal

Parte da mídia publicou, há poucos dias, matérias referentes a fiéis católicos (alguns clérigos e leigos versados em Teologia) que acusam o Papa Francisco do grave delito moral e canônico de heresia e, por isso, pedem aos Bispos que o julguem. O assunto merece dois breves comentários neste artigo.

Antes do mais, importa dizer que “heresia éa negação pertinaz, depois de recebido o Batismo, de alguma verdade que se deve crer com fé divina e católica, ou ainda a dúvida pertinaz acerca da mesma” […] (Catecismo da Igreja Católica n. 2089 citando o Código de Direito Canônico, cânon 751). Detalhemos essa definição.

Entende-se por fé divina aquela fundada em Deus revelador e católica quando repousada no Magistério infalível da Igreja. Ora, reconhecemos os pronunciamentos infalíveis da Igreja, porque neles o Santo Padre usa expressões claras da infalibilidade como “Declaramos”, “Definimos”, “Decretamos” etc. São quatro as condições necessárias para que haja tal pronunciamento: 1) que o Papa fale como Doutor e Pastor universal; 2) que use da plenitude de sua autoridade apostólica; 3) que manifeste a vontade de definir e 4) que trate de fé ou moral. Aos documentos não infalíveis (portanto reformáveis, talvez, um dia), mas frutos do Magistério autêntico (tratando de fé e moral), se deve a fé religiosa, ou seja, crê-se neles pela autoridade da Igreja que fala.

Sobre a heresia comenta, a propósito do citado cânon 751, o Pe. Dr. Jesus Hortal, SJ, renomado canonista, o seguinte: “No conceito de heresia, é fundamental o elemento de pertinácia, ou seja, a consciência clara e continuada da culpabilidade na negação ou dúvida de uma verdade de fé” (Código de Direito Canônico. São Paulo: Loyola, 1983). Daí a questão crucial: quem poderia, hoje, demonstrar, com provas teológicas irrefutáveis, que o Santo Padre nega ou duvida, claramente, de modo contumaz, das principais verdades às quais se deve dar fé divina e católica?

O pedido para que o Sumo Pontífice seja julgado pelos Bispos não parece fazer reviver o conciliarismo do século XIV? Ele sugere, à moda de certos governos civis, que o “Parlamento” (Concílio) julgue o “presidente” (Papa). Tal sentença foi proposta nas sessões de 23/03 e 06/04 de 1415, no Concílio de Constança, que tivera início sem aprovação do Papa, nos seguintes termos: “Este Sínodo declara ter sido legitimamente congregado pelo Espírito Santo e constituir Concílio Ecumênico representativo da Igreja Católica; recebe imediatamente de Cristo o seu poder. Todos, qualquer que seja o seu estado ou dignidade, até mesmo o Papa, lhe devem obediência no que se refere à fé, à extirpação do cisma e à reforma da Igreja (cabeça visível dos membros)”.

Ora, contra essa medida houve protesto entre os próprios conciliares presentes, dado que desde o início do Cristianismo é de fé e disciplina que a Sé romana por ninguém é julgada, ou seja, Prima Sedes a nemine iudicatur (A Sé primeira por ninguém é julgada) ou, em linguagem mais livre, Prima sedes non iudicatur (não se julga a Sé primeira). Realmente, o Papa Gelásio I, recolhendo o pensamento dos fiéis de seu tempo, declarou, em 493, e repetiu, em 495, que a Sé de Pedro tinha direito de julgamento sobre todas as outras sedes episcopais, mas ela mesma não está sujeita a nenhum julgamento humano.

Ainda, em 501, o Synodus Palmaris, de Roma, reafirmou este princípio que está no Código de Direito Canônico atual (cf. cânon 333, § 3). Ciente dessa tradição, a tese conciliarista, atrás proposta, foi rejeitada na sessão de 13 de março de 1418 (cf. E. Bettencourt. História da Igreja. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2012, p. 240-241).

Afastemos, portanto, a possibilidade de um julgamento do Papa pelos Bispos reunidos em Concílio ou uma decisão do Colégio sem a cabeça, que é o próprio Papa. Ademais, enquanto pessoa particular – como os demais humanos – um Papa pode errar (como, de fato, já errou ao longo da história), mas nunca um Pontífice falhou (ou caiu em heresia) no múnus que demanda a infalibilidade papal (cf. Vanderlei de Lima. Papas acusados de erros doutrinários na história. Aleteia, 19/09/2017, online). Tem a Igreja – e por ela o Sumo Pontífice – garantida a especial assistência divina (cf. Mt 16,18-19).

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