Padre Cantalamessa: terceira pregação de Pentecostes – CHARIS
Nos Atos dos Apóstolos, depois de ter listado os nomes dos onze apóstolos, o autor continua com estas palavras: “Todos eles perseveravam unanimemente na oração, juntamente com as mulheres, entre elas Maria, a Mãe de Jesus, e os irmãos dele” (Atos 1,14).
Em primeiro lugar, devemos nos desvencilhar de uma interpretação errada. Também no Cenáculo, como no Calvário, Maria é mencionada estando junto com algumas mulheres. Poderíamos dizer, portanto, que ela está lá como uma delas, nem mais nem menos que isso. Mas aqui a qualidade de “Mãe de Jesus”, logo após a menção do seu nome, muda tudo e coloca Maria em um nível completamente diferente, superior não apenas ao das mulheres, mas também dos apóstolos.
O que significa Maria estar lá como a mãe de Jesus? Significa que o Espírito Santo que está por vir é “o Espírito de seu filho”! Entre ela e o Espírito Santo há um laço objetivo e indestrutível que é o próprio Jesus que eles geraram juntos. De Jesus, no Credo, diz-se que ele “se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria”. Maria não está, portanto, no Cenáculo simplesmente como uma das mulheres, embora no exterior não haja nada que a distinga das outras, nem ela faz qualquer coisa para se distinguir delas.
Maria, que se apresenta aos pés da cruz como Mãe da Igreja, aqui, no Cenáculo, aparece para nós como madrinha. Uma madrinha forte e segura. A madrinha, para poder desempenhar este papel, deve ser alguém que já tenha recebido o batismo. Assim foi Maria: uma batizada no Espírito Santo que agora aguarda a Igreja ser batizada no mesmo Espírito.
Maria, que nos é apresentada nos Atos como aquela que ora com perseverança na espera do Espírito Santo, é a mesma que o evangelista Lucas nos apresenta, no início de seu Evangelho, como aquela sobre quem o Espírito Santo desceu. Alguns elementos sugerem um estreito paralelo entre a vinda do Espírito Santo sobre Maria na Anunciação e a chegada do Espírito à Igreja em Pentecostes, seja pelo paralelismo desejado pelo evangelista, seja pela correspondência devida entre as duas situações.
Para Maria, o Espírito Santo é prometido como “a força do Altíssimo”, que “descerá” sobre ela (cf. Lc 1, 35); aos apóstolos ele é prometido igualmente como “poder” que “desce” sobre eles “do alto” (cf. Lc 24, 49; Atos 2,8). Após receber o Espírito Santo, Maria começa a proclamar (megalynei), numa linguagem inspirada, as grandes obras (megala) realizadas nela pelo Senhor (cf. Lc 1,46.49); do mesmo modo, os apóstolos, tendo recebido o Espírito Santo, começam a proclamar as grandes obras (megaleia) de Deus em várias línguas (cf. 2, 11). Até mesmo o Concílio Vaticano II reúne os dois eventos, quando diz que no Cenáculo “vemos Maria implorar com sua oração o dom do Espírito, que na Anunciação a havia coberto com sua sombra”.
“O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra” (Lc 1,35). Todos aqueles a quem Maria é enviada, depois desta descida do Espírito Santo, são por sua vez tocados ou movidos pelo Espírito Santo (cf. Lc 1, 41; 2, 27). É certamente a presença de Jesus que irradia o Espírito, mas Jesus está em Maria e age através dela. Ela aparece como a arca ou templo do Espírito, como a imagem da nuvem que a cobriu com sua sombra também sugere. De fato, recorda a nuvem luminosa que, no Antigo Testamento, era sinal da presença de Deus ou da sua vinda na tenda (cf. Ex 13, 22; 19, 16).
A Igreja reuniu esse dado revelado e colocou-o rapidamente no coração de seu símbolo de fé. Desde o final do segundo século, o artigo no qual Jesus “nasceu do Espírito Santo e de Maria Virgem” está presente no chamado Símbolo Apostólico. O Concílio Ecumênico de Constantinopla de 381 – aquele no qual foi definida a divindade do Espírito Santo – também introduziu o artigo no credo Niceno-Constantinopolitano, onde lemos sobre Cristo que “se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria”.
É, portanto, uma questão de fé aceita por todos os cristãos, tanto do Oriente quanto do Ocidente, por católicos e protestantes. É uma base segura e não pequena se encontrar a unidade dos cristãos em torno da Mãe de Deus. Maria parece estar ligada ao Espírito Santo por um laço objetivo, pessoal e indestrutível: a própria pessoa de Jesus que, juntos, mesmo com contribuições muito diferentes, eles geraram. Para manter Maria e o Espírito Santo separados, é necessário separar o próprio Cristo, em quem suas diversas operações se materializaram e se tornaram objetivos para sempre.
Jesus uniu Maria e o Espírito Santo mais do que um filho une pai e mãe, porque se toda criança, com sua simples existência, proclama que pai e mãe se uniram por um instante segundo a carne, esse filho que é Jesus proclama que o Espírito Santo e Maria se uniram “segundo o Espírito”, portanto, de maneira indestrutível. Também na Jerusalém celeste Jesus ressuscitado permanece aquele que foi “gerado do Espírito Santo e da Virgem Maria”. Também na Eucaristia, recebemos aquele que foi “gerado do Espírito Santo e da Virgem Maria”.
Maria a primeira carismática da Igreja
Depois de Jesus, Maria é a maior carismática da história da salvação. Não no sentido de que ele tivesse o maior número de carismas. Pelo contrário, do lado externo ela aparenta não ter carisma algum. Que milagres Maria realizou? Dos apóstolos é dito que até mesmo a sombra deles curava os doentes (cf. Atos 5,15). Nenhum milagre é conhecido de Maria enquanto viva, nenhuma ação prodigiosa e clamorosa. Ela é a maior carismática porque nela o Espírito Santo realizou a mais suprema de suas ações prodigiosas que consiste em ter suscitado em Maria não uma palavra de sabedoria, nem o dom do governo, nem uma visão ou um sonho, nem uma profecia, mas a própria vida do Messias, fonte de todos os carismas, aquele de quem recebemos “graça sobre graça” (Jo 1, 16)!
Alguns Padres antigos às vezes atribuíram a Maria o título de profeta, especialmente pensando no Magnificat, ou por causa de uma aplicação incorreta a Maria do texto de Isaías 8, 3. Mas, propriamente falando, Maria não está na categoria dos profetas. Profeta é aquele que fala em nome de Deus; Maria não falava em nome de Deus e quase sempre ficava em silêncio. Se ela é profeta, o é num novo e sublime sentido: no sentido de que ela silenciosamente “proferiu” a única Palavra de Deus, Maria deu à luz a ela!
Aquilo que o Espírito Santo operou em Maria, se não é um simples caso de inspiração profética, pode e deve ser visto como um carisma, na verdade, como o mais alto carisma jamais concedido a uma criatura humana que supera a dos hagiógrafos que foram inspirados ou movidos pelo Espírito para falar da parte de Deus (cf. 2 Ped 1, 21). De fato, o que é um carisma e qual é a sua definição? S. Paulo define: A cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito comum (1 Cor 12, 7). Ora, que manifestação do Espírito foi mais singular que a de Maria e que manifestação do Espírito foi mais “de proveito comum” do que a maternidade divina de Maria?
Lucas, ao colocar Maria em relação tão íntima com o Espírito, primeiro na encarnação e, em seguida, de maneira diferente, mas também importante no dia de Pentecostes, a apresenta a partir da concepção abrangente que ele tem da ação do Espírito, mostrando- a como a criatura pneumática por excelência, que age sob a influência de Espírito, e como local da manifestação do poder criador de Deus. Mas tudo isso não nos deve levar a imaginar que entre Maria e o Espírito Santo houvesse uma relação quase exclusivamente objetiva e operacional, que não toca a esfera mais íntima da pessoa, com suas emoções e seus sentimentos. Maria não era apenas o “lugar” onde Deus agia. Deus não trata as pessoas como lugares, mas como pessoas, isto é, como colaboradores e como interlocutores.
Lucas está bem consciente da sóbria embriaguez que o Espírito de Deus provoca com a sua ação, e o destaca na vida de Jesus que um dia “regozija” de alegria sob a ação do Espírito Santo (cf. Lc 10, 21); ele observa a mesma reação nos apóstolos que, tendo recebido o Espírito, começam a falar em línguas e parecem estar tão fora de si que alguns pensam estarem embriagados (cf. Lc 2, 13). Ele, por fim, também escreve que Maria, após ser coberta pela sombra do Espírito Santo vai “apressadamente” visitar Isabel e entoa o Magnificat, no qual expressa toda a sua exultação. S. Boaventura, um místico que conhecia estes efeitos da operação do Espírito Santo, descreve Maria neste momento:
“Nela veio o Espírito Santo como um fogo divino que inflamou sua mente e santificou sua carne, dando-lhe uma pureza perfeita […]. Oh, se tu fosses capaz de sentir, em alguma proporção, qual foi e quão grande foi aquele fogo que desceu do céu, qual o refrigério experimentado, qual o alívio infundido, que elevação foi dada à Virgem Mãe, quão enobrecida foi a humanidade, qual o tamanho da condescendência da parte da Divina Majestade! […] acho que tu também te colocarias a cantar, com uma voz suave, em uníssono com a Santíssima Virgem, aquela canção sagrada: “Minha alma glorifica o Senhor’ e saltando e em júbilo adorarias tu também com o profeta criança, a maravilhosa concepção da Virgem”9.
Mesmo Lutero, em seu comentário sobre o Magnificat, atribui o Cântico da Virgem a uma operação extraordinária do Espírito Santo. Ele escreve:
“Para compreender bem este santo cântico de louvor, deve notar-se que a bem- aventurada Virgem Maria fala da sua própria experiência, tendo sido iluminada e ensinada pelo Espírito Santo; pois ninguém pode corretamente entender a Deus ou a Palavra de Deus, a menos que seja diretamente concedido pelo Espírito Santo. Mas receber este presente do Espírito Santo significa experimentá-lo, senti-lo, toca-lo; o Espírito Santo ensina na experiência como em sua própria escola, e fora dela nada é aprendido, exceto palavras e conversas. Portanto, a Santa Virgem, tendo experimentado em si mesma que Deus opera grandes coisas, nela que é humilde, pobre e desprezada, aponta o Espírito Santo que ensina esta rica arte e sabedoria, segundo a qual Deus é aquele Senhor que tem o prazer de levantar este que é humilde e abaixar o que se eleva”.
Maria é o exemplo vivo daquela “sóbria embriaguez do Espírito”. No primeiro encontro histórico da Renovação Carismática Católica com a Igreja institucional em São Pedro em 1975, tendo terminado de ler o discurso escrito, Paulo VI citou os versos de um hino de Santo Ambrósio “bebamos com alegria a sóbria abundância do Espírito” (Laeti bibamus sobriam profusionem Spiritus), e disse que isso poderia se tornar o lema da Renovação Carismática.
Maria modelo de CHARIS
O Concílio Vaticano II tornou conhecida a expressão cara aos Padres que fala de Maria como “protótipo da Igreja”, seu modelo e sua mãe. Gostaria de enfatizar que Maria é, em um sentido muito especial, um modelo de CHARIS. A própria palavra “charis” refere-se a ela, a “cheia de graça”. Mas não apenas por isso. Maria é aquela que, tendo na Anunciação, recebido e experimentado em si mesma o poder do Espírito, em Pentecostes se coloca à disposição dos discípulos para que eles também recebam o mesmo dom e o mesmo “poder do alto”.
E é exatamente isso que o Santo Padre e a Igreja desejam que o CHARIS seja: um instrumento que, como Maria, não tem poder jurídico ou ministerial, mas que presta apenas um serviço humilde e acompanhamento. Um “lugar” onde aqueles que experimentaram a corrente da graça do novo Pentecostes se colocam a serviço dos outros na Igreja, para que eles também possam ter a mesma experiência renovadora. Um “lugar” onde aqueles que receberam de graça, de graça dão.
Estando no mês de maio dedicado à Virgem, proponho uma oração particular que nos permita estar também “com Maria no cenáculo à espera do Espírito Santo”. É um terço no qual “os mistérios” evocam as grandes presenças do Espírito Santo na história da salvação e nas dezenas de “Ave-Marias” pedimos, através da intercessão da Virgem, que experimentemos os frutos em nós. Proponho algumas possíveis enunciações dos mistérios:
1. No primeiro mistério, contemplamos o Espírito Santo na obra da criação. “No princípio Deus criou os céus e a terra. A terra estava informe e vazia e as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas “(Gn 1, 1-2). Peçamos ao Espírito Santo que no começo do mundo separou a luz das trevas, as águas da terra e transformou o caos em cosmos, para repetir este milagre no mundo de hoje, na Igreja e em nossa alma, trazendo unidade onde há discórdia, luz onde há escuridão, criando em nós “um novo coração”. (Pai Nosso, Ave Maria e Glória ao Pai, como de costume).
2. No segundo mistério, contemplamos o Espírito Santo em revelação. “Homens inspirados pelo Espírito Santo, falaram da parte de Deus (os profetas)” (2 Pedro 1, 21). Peçamos ao Espírito Santo “o entendimento da Palavra de Deus”. Inspirada por Deus, as Escrituras agora respiram Deus, o “exalam”. Peçamos ser capazes de perceber na palavra de Deus sua vontade viva a nosso respeito em todas as circunstâncias da vida. Peçamos que, como Maria, saibamos “aceitar e meditar no coração” todas as palavras de Deus.
3. No terceiro mistério, contemplamos o Espírito Santo na encarnação: “Maria perguntou ao anjo: “Como se fará isso, pois não conheço homem? Respondeu-lhe o anjo: “O Espírito Santo descerá sobre ti e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra” (Lc 1, 34-35). Também nós diante de uma prova ou de uma coisa nova que Deus nos pede nos perguntamos frequentemente: “Como se fará isso? Eu não conheço homem”, eu não tenho habilidade para isso, é superior às minhas forças… A resposta de Deus é sempre a mesma: “mas descerá sobre vós o Espírito Santo e vos dará força” (Atos 1, 8). Peçamos ao Espírito Santo que formou a humanidade de Cristo no ventre da Virgem Maria e através dela o doou ao mundo, que assim também forme Cristo em nós e nos de forças para anunciá-lo aos nossos irmãos.
4. No quarto mistério, contemplamos o Espírito Santo na vida de Jesus: “Quando todo o povo ia sendo batizado, também Jesus o foi. Estando ele a orar o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea como uma pomba”(Lc 3, 21-22). “O Espírito do Senhor está sobre mim; porque me ungiu e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres” (Lc 4, 18). No batismo, Jesus foi ungido como rei, profeta e sacerdote. Nele o Espírito Santo se recolhe como um perfume em um vaso de alabastro (Santo Inácio de Antioquia) e “se acostumou a viver entre os homens” (Santo Irineu). Na cruz, o vaso de alabastro de sua humanidade foi rompido e o perfume de seu Espírito foi derramado sobre o mundo. Por intercessão de Maria, peçamos a renovação da unção profética, real e sacerdotal que recebemos no batismo. Peçamos que nos ajudem a quebrar o vaso de vidro que é nossa humanidade e nosso “eu”, para que possamos ser “o bom perfume de Cristo” no mundo.
5. No quinto mistério, contemplamos o Espírito Santo na vida da Igreja. “Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo, que se repartiram e repousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito Santo” (Atos 2, 3-4). A promessa feita por Jesus antes de ascender ao céu é cumprida: “porque João batizou na água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo” (Atos 1, 5). A partir desse dia, tudo na Igreja vive e recebe força do Espírito Santo: os sacramentos, a Palavra, as instituições. “O Espírito Santo é para o corpo de Cristo que é a Igreja o que a alma é para o corpo humano”(Santo Agostinho). Peçamos que, por intercessão da Virgem Mãe, muitos estejam abertos hoje para receber a graça renovadora do batismo no Espírito Santo.
Ao final do terço do Espírito, façamos uma ladainha do Espírito. Lembremo-nos de um título do Espírito Santo: Espírito de santidade, Espírito de paz, Espírito de alegria, Espírito de humildade, Espírito de reconciliação, Espírito de Cristo, etc, etc. Se formos um grupo grande cada um pode proclamar um título que está dentro de seu coração, e todos juntos respondemos: “Vem sobre nós!”.
P. Raniero Cantalamessa O.F.M Cap. Asistente eclesiástico de CHARIS