A defesa da paz é doutrina inquestionável da Igreja, ao passo que o pacifismo não o é. Entenda
Hoje, voltamo-nos, ainda mais uma vez, sobre alguns temas que são necessários para o esclarecimento das pessoas de bem quanto à doutrina católica e aos pacifistas.
Começamos lembrando que a defesa da paz é doutrina inquestionável da Igreja, ao passo que o pacifismo não o é. O Cardeal Giacomo Biffi assegurou, no Retiro pregado ao Papa Bento XVI e à Cúria Romana, em 2007, que “a guerra é certamente um mal, mas devemos lembrar que tanto na vida das pessoas como na vida das nações, por vezes, há situações em que não se pode responder com conselhos ou boas palavras à violência má”. Mais: “enquanto os ideais de paz e fraternidade são valores cristãos indiscutíveis e vinculantes, o pacifismo ou a não violência não são a mesma coisa, pois acabam por se tornarem, muitas vezes, uma capitulação social à prevaricação e um abandono dos pequenos e dos fracos sem defesa, à mercê de iníquos e prepotentes” (Monsenhor J. C. Sanahuja. Poder global e religião universal. Campinas: Ecclesiae, 2012, p. 126). Há, pois, o direito natural e moral à legítima defesa e à guerra justa (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2263-2266 e n. 2309). Daí já se vê que o martírio é fruto de uma graça divina especial, e não exigência primeira da moral (cf. Evangelium Vitae n. 55).
O mártir não é, portanto, um covarde a preferir morrer para não lutar, mas, ao contrário, é alguém que luta de outro modo, ou seja, ele, com sua oferta, dá testemunho (daí o termo mártir) do Senhor por meio do chamado “Batismo de sangue” pelo qual se assemelha a Cristo. Requer-se especial graça de Deus para isso. No Apocalipse 6,9, temos a descrição do conceito de mártir nos seguintes termos: “Vi sob o altar as vidas dos que tinham sido imolados por causa da Palavra de Deus e do testemunho que dela tinham prestado”. Ver também: Ap 1,13; 17,16 e At 22,20. Embora os judeus já valorizassem muito quem escolhia morrer para não trair sua fé. Daí, os elogios a Eleazar (2Mc 5,18-31) e também aos irmãos macabeus (2Mc 7,1-42), martirizados por preferirem obedecer antes a Deus que aos homens (cf. At 5,29).
No entanto, é na fé cristã que o martírio ganhou contornos novos ao ser apresentado como o desdobramento dos sacramentos do Batismo e da Eucaristia. Ambos levam, de um modo muito especial, à participação ritual na morte e na ressurreição do Senhor Jesus (cf. Rm 6,1-11; 1Cor 11,26); participação que precisa se desenvolver ou desabrochar na vida do fiel como um holocausto agradável a Deus e culminar com a entrega da própria vida, se preciso for (cf. Fl 2,17; 3,3; 4,18; Rm 1,9; 15,16; At 13,2; 2Tm 1,3; 4,6; Hb 9,14; 12,28; 13,15;1Pd 2,5). Quem morre mártir realiza, portanto, plenamente em si, o que viveu – de modo ritual – nos sacramentos do Batismo e da Eucaristia. O martírio é o ato supremo de amor ao Pai despertado e nutrido pela participação sacramental no sacrifício de Cristo, Nosso Senhor, na Cruz do Calvário.
Isto posto, vale a pena transcrever um trecho elucidativo da recensão que Antônio Carlos Santini elaborou da revista La Civiltá Catolica (15/07/00). Aí se lê que, para existir o verdadeiro martírio na Igreja “além da passagem pela morte, o motivo deve ser o ódio à fé cristã ou às verdades e virtudes do cristianismo. Mais: a morte deve ser sofrida como testemunho de fé com um ato exterior de aceitação livre e consciente, recusando toda oportunidade oferecida para evitá-la, abandonando a fé. E a mesma morte deveria ser aceita em espírito de fé e de amor a Jesus Cristo”.
“Para S. Agostinho, ‘martyres non facit poena sed causa’. O que conta é a motivação da morte, não o sofrimento em si mesmo. Logo, não se considera mártir o cristão que foi morto por motivos políticos ou ideológicos, por razões raciais ou por outros motivos que não são, estreitamente, conexos com a reta fé, por mais nobres que possam ser. A essência do martírio está no motivo pelo qual ocorreu a morte do fiel. Como se tudo isso fosse ainda pouco, espera-se do mártir a disposição de perdoar os agressores e a capacidade de amar ao extremo. ‘Sine charitate non valet’ (S. Tomás. Suma Theol. II-II, q. 124, a2. ad. 2). O martírio não tem valor sem a caridade. Sem o amor extremado de Estêvão que perdoa seus lapidadores, a exemplo de Cristo no Calvário” (Atualização, n. 290, março/abril de 2000, p. 143. Belo Horizonte: O Lutador; cf. Bento XVI. Catequese de 11/08/2010).