Agradecendo o exército silencioso dos sacerdotes que não traíram nem a fé nem a confiançaO drama dos abusos, o grito assustado das vítimas de pessoas que jamais teriam imaginado, pesa como chumbo na vida de todos os sacerdotes. Há padres que são vistos com desprezo, com suspeita, por culpas que não têm, mas que permanecem como feridas abertas para todo o corpo eclesial.
Com a carta aos sacerdotes por ocasião dos cento e sessenta anos da morte do santo cura d’Ars, modelo de padre que viveu ao serviço do povo de Deus, Papa Francisco – que não deixou de enfrentar o dever da denúncia e da repreensão, quando necessário – responde agradecendo o exército silencioso dos sacerdotes que não traíram nem a fé nem a confiança. Nesta carta, assinada na Basílica de São João de Latrão, sede do Bispo de Roma, que parece evidenciar que a escreveu como pastor e Bispo de Roma, o Papa manifesta proximidade, apoio, conforto a todos os sacerdotes do mundo.
Aos padres que todos os dias, muitas vezes com dificuldades, desafiando desilusões e incompreensões, deixam as portas das igrejas abertas e celebram os sacramentos. Aos padres que vencendo a tristeza e a habitualidade, continuam a apostar n’Ele acolhendo os que precisam de uma palavra, de conforto, de acompanhamento. Aos padres que diariamente visitam seu povo, doando-se sem reservas, chorando com os que choram, alegrando-se com os que estão felizes. Aos padres que vivem na “trincheira”, que muitas vezes arriscam a própria vida para estar perto do seu povo. Aos padres que devem percorrer dias e dias de canoa para chegar a vilarejos e aldeias remotas para visitar as ovelhas isoladas do seu rebanho.
Há uma grandiosidade que se fala pouco na vida ordinária da Igreja. Uma grandiosidade capaz de fazer a história mesmo se jamais conquistará as páginas dos manuais ou as luzes da ribalta. É a grandiosidade do serviço no escondimento, de quem se doa sem protagonismos, confiando apenas na graça de Deus. É a grandiosidade da vida presenteada aos outros pelos padres “pecadores perdoados”, como o Papa define também a si mesmo, que tendo experimentado e continuando a experimentar a misericórdia, deixam a Deus a iniciativa e o seguem no serviço à sua comunidade.
Precisava de uma palavra de encorajamento, de estima de proximidade. Precisava de um agradecimento como o que o Papa escreveu na sua carta. Porque a dor causada no corpo eclesial pela infidelidade de poucos – como ocorreu com a terrível tragédia dos abusos – não corresse o risco de fazer esquecer a fidelidade de muitos, vivida apesar das fadigas e dos limites humanos. Por isso o Papa Francisco quis agradecer aos padres que ainda hoje oferecem a própria existência a Deus servindo-o com o seu povo, e renova o “sim” inicial da própria vocação recordando do chamado recebido.