A retumbante foto de Joe O’Donnell que até hoje comove o Papa FranciscoEm 2017, o Papa Francisco pediu que uma foto fosse impressa num cartão, descrita por uma legenda certeira:
“O fruto da guerra”.
A imagem em questão foi captada em setembro de 1945 pelo jornalista norte-americano Joseph Roger O’Donnell, conhecido pelo apelido Joe O’Donnell, que trabalhava para a Agência de Informação dos Estados Unidos.
Seu registro fotográfico entrou para a história, eternizando o arrepiante momento em que um menino de 10 anos de idade, em Nagasaki, carrega nas costas, com o olhar fixo e mordendo o lábio até sangrar, o cadáver do seu irmãozinho, morto pela segunda bomba atômica lançada sobre o Japão.
Fazia poucos meses que O’Donnell tinha se alistado na Marinha norte-americana, aos 23 anos, a fim de lutar contra os japoneses na fase final da Segunda Guerra Mundial. No entanto, recebeu ordens para estudar fotografia e, em setembro, cerca de um mês após as explosões atômicas, foi enviado para fotografar as duas cidades devastadas: Hiroshima, bombardeada em 6 de agosto (140.000 mortos), e Nagasaki, atingida em 9 de agosto (70.000 mortos).
O rosto sereno do inocente morto
Foi na segunda cidade destruída que O’Donnell eternizou aquela imagem sem precedentes.
A foto mostra dois meninos. Um, de cabeça inclinada, rosto sereno, quase relaxado, que parece dormir sobre as costas de seu irmão. E o irmão, que permanece imóvel, como se não quisesse perturbar o sono inocente do pequeno. Mas o pequeno está morto. E o “maior”, de apenas 10 anos, está esperando para que ele seja cremado.
O relato de Joe
Esta foto monumental ratifica o clichê da imagem que diz mais que mil palavras. É uma cena de silêncio ensurdecedor que proclama, como apenas as grandes fotografias conseguem proclamar, a tragédia da guerra estampada nos olhos apagados de um menino órfão de 10 anos de idade.
A imagem abalou profundamente o próprio fotógrafo, conforme ele mesmo contou em entrevista à TV japonesa:
“Eu vi aquele menino que caminhava… Devia ter uns 10 anos. Notei que ele carregava uma criança nas costas. Naqueles tempos, era uma cena bastante comum no Japão. Nós cruzávamos muitas vezes com crianças que brincavam com seus irmãozinhos e irmãzinhas carregando-os nas costas. Mas aquele menino tinha alguma coisa de diferente”.
Um olhar para todo o sempre
A força da imagem está nos olhos fixos daquela criança: estoico; sem emoção. Ele permanece imóvel, durante cerca de 10 minutos, com o pequeno cadáver sobre suas costas.
Depois, homens de máscaras brancas se aproximam: com extrema delicadeza, eles soltam os laços que atam a criança às costas do irmão. Eles o pegam, pelas mãos e pelos pés, e o pousam sobre as chamas.
As chamas e o silêncio
O menino assiste à cena. Não pisca. Um único movimento, quase imperceptível, vem dos lábios – que sangram. Ele está mordendo o lábio inferior. Mas não derrama uma lágrima.
As chamas vão esmorecendo, como um sol poente. O menino se vira. E se vai, em silêncio, como em silêncio tinha chegado.
Nunca mais. Nunca mais.
O exército imperial do Japão lutou a Segunda Guerra Mundial com extrema brutalidade, o que impede qualquer tentativa séria de considerá-lo propriamente uma “vítima”. De fato, os Estados Unidos entraram com força na guerra quando foram atacados pelos japoneses em Pearl Harbor. O próprio contexto da opção pela bomba atômica deve ser levado em conta e analisado lado a lado com as alternativas existentes na época, todas com sanguinário saldo de perdas humanas inocentes. Embora toda guerra deva ser firmemente condenada como um mal a ser evitado com o máximo empenho, também é fato que toda análise de guerra deve ser feita com a máxima imparcialidade e objetiva contextualização.
Esta ressalva, porém, não elimina o fato igualmente real de que toda guerra, própria ou dos outros, deixa feridas que o tempo não sana. É preciso heroísmo para aplicar-lhes bálsamos – dos quais o pedido de perdão é um dos fundamentais.
Por ocasião do 50º aniversário do ataque norte-americano, em sua entrevista de 1995 para a emissora japonesa NHK, Joe O’Donnell se desculpou perante o povo do Japão, especialmente às famílias das vítimas dos bombardeios:
“Eu quero lhes manifestar nesta noite a minha dor e amargura pela dor e pelo sofrimento provocados pelos cruéis e inúteis bombardeios atômicos das suas cidades. Nunca mais Pearl Harbor! Nunca mais Hiroshima! Nunca mais Nagasaki!”.
Leia também:
Fotografia, a “escrita de luz”: 5 imagens que devem refulgir na escuridão