Valorize esses destemidos heróis – homens e mulheres – que se entregam até as últimas consequências para que a sua vida seja mais segura e tranquilaO governador de São Paulo João Dória anunciou, no último dia 30/10, que os policiais e demais profissionais da área de segurança do Estado terão um reajuste de 5% em seu salário-base. O anúncio causou descontentamentos e alguns nos questionam: seria moralmente lícita e justa uma mobilização pacífica pela categoria? – Aos interessados oferecemos breves, mas sérias reflexões sobre o tema em foco.
Do ponto de vista legal, registramos o seguinte: ao funcionário público em geral a Constituição Federal (CF) de 1988 garante, no art. 37, VII, o direito à greve. Na falta de uma lei específica sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal (STF) – Plenário. MI 708, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgado em 25/10/2007 –, tutelou-lhes esse direito, exceto aos policiais militares, dada a especificidade de sua função. Sim, o art. 142, 3º, IV c/c art. 42, § 1º da CF proíbe a greve de PMs e de militares das Forças Armadas. Daí a questão: e os policiais civis, que têm, inclusive, sindicato próprio (vedado aos PMs), podem fazer greve? Também não, isso devido a uma decisão do STF (cf. STF. Plenário. ARE 654432/GO, Rel. Orig. Min. Edson Fachin, red. P/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 5/4/2017). As duas Polícias precisam, portanto, tratar com o Estado – por meio dos sindicatos, no caso dos policiais civis, ou das associações, no caso dos policiais militares – via Poder Judiciário sempre que se julgarem lesadas em seus direitos (cf. Art. 165 do Código de Processo Civil. STF. Plenário. ARE 654432/GO, Rel. Orig. Min. Edson Fachin, red. P/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 5/4/2017).
Na prática, porém, em vários Estados brasileiros, as Polícias já paralisaram (ainda que não por iniciativa interna) suas atividades tendo, às vezes, as famílias na “linha de frente” dessas paralizações. À diferença, entretanto, de outras categorias que ficam em casa, os PMs se apresentam no quartel sob pena de serem considerados desertores. Tem-se, no caso, a chamada “Greve branca”. O brasileiro, povo do jeitinho, não deixaria de criar uma saída para que os policiais reivindicassem, de modo vistoso, seus direitos!
Do ponto de vista da Moral Católica, devemos afirmar que a greve – entendida como interrupção premeditada e sistemática do trabalho em vista de reivindicar direitos – é um fenômeno do século XIX e foi, a princípio, vista com desconfiança ou mesmo rejeitada por documentos oficiais da Igreja devido à sua raiz comunista, portanto apta a despertar luta de classes (cf. Leão XIII. Rerum novarum, 1891, n. 22 e 24, e Pio XI Quadragesimo anno, 1931, n. 94). Todavia, o direito à greve pacífica é reconhecido pela Igreja quando os efeitos bons forem capazes de “compensar os danos provocados pelo movimento. Em tais circunstâncias, a greve será legítima” (Dom Estêvão Bettencourt, OSB. Curso de Doutrina Social da Igreja. Rio de Janeiro, 1992, p. 189; ainda: Concílio Vaticano II. Gaudium et Spes, 1965, n. 68; Paulo VI. Octogesima adveniens, 1971, n. 14; João Paulo II. Laborem exercens, 1981, n. 20; Catecismo da Igreja Católica n. 2435 e Compêndio da Doutrina Social da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2011, n. 304).
Isso tudo não desperta em você, prezado(a) leitor(a) de bom-senso, a indagação sobre a licitude moral (que está acima da lei positiva humana) e até mesmo a necessidade de uma “Greve branca” a favor das duas polícias paulistas? Afinal, quantos assassinatos de policiais já computamos apenas nos últimos cinco anos? Qual é o número de policiais suicidas? O salário (e seus reajustes) suprem as despesas dos valorosos policiais ou precisam eles complementar sua renda fora da Polícia? Os equipamentos de trabalho (armas, coletes balísticos, viaturas etc.) lhes são suficientes ou quase defasados frente a criminosos cada vez mais ousados? Há efetivo suficiente? Seus direitos humanos são defendidos? Os veteranos recebem o merecido reconhecimento? Etc.
Nossos policiais civis e militares (também os guardas civis municipais, que não são objeto deste artigo, mas hão de ser, por justiça, lembrados) merecem valorização digna e apoio efetivo. Eles, no auge do amor cristão – ainda que inconscientemente –, dão a própria vida, se necessário for, para salvar a do próximo (cf. Jo 15,13).
Valorize, pois, esses destemidos heróis – homens e mulheres – que se entregam até as últimas consequências para que a sua vida seja mais segura e tranquila!