A Colômbia é o país mais desigual entre os 36 sócios da OCDE, tem desemprego de 10,1% e a informalidade do mercado de trabalho castiga quase 50% dos trabalhadores
Colombianos de todas as classes participam em massa nesta quarta-feira (27) de protestos que exigem uma mudança de rumo ao governo do presidente Iván Duque, que enfrenta o sétimo dia de manifestações incomuns na quarta economia latino-americana, que registrou duas greves gerais nesse período.
A adesão morna ao início do dia em Bogotá, o epicentro do protesto que eclodiu na última quinta-feira, precisamente com uma greve, deu lugar à grandes passeatas realizadas à tarde lideradas por jovens.
Sob vigilância policial, o transporte público e o comércio foram reduzidos, especialmente no centro da capital. Em Cali e Medellín também houve concentrações, mas em menor adesão em relação a quinta-feira passada.
Em todos os lugares, os manifestantes ergueram faixas contra o governo ao som de panelas enquanto alguns usavam a bandeira como capa ou se vestiam de palhaços para denunciar o que consideram uma piada do Estado.
“Conquistamos uma força do povo que há muito não era vista na Colômbia. Tinha medo do desgaste do movimento após o primeiro dia, mas agora percebo que isso não aconteceu. As pessoas continuam indo às ruas e continuaremos saindo”, disse à AFP Manuela Salazar, 22 anos, estudante de psicologia.
Embora tenham sido pacíficos e alegres, os protestos deixam quatro mortos e cerca de 500 feridos entre civis, policiais e militares. Além disso 184 pessoas foram detidas e 60 venezuelanos foram expulsos por “vandalismo”, segundo um relatório da polícia.
– Uma democracia de “privilégios” –
Em meio à agitação social que atravessa o continente sem uma causa comum, na Colômbia as ruas se voltaram contra Duque e seu governo impopular.
Quase sete em cada dez colombianos o rejeitam, de acordo com uma pesquisa da Invamer no início deste mês. O presidente não apenas enfrenta o descrédito de suas políticas, como o descontentamento latente há décadas e que foi silenciado pelo conflito com as FARC, grupo guerrilheiro que se tornou partido após a assinatura da paz há três anos.
“Eles transformaram a Colômbia em uma democracia onde favorecem uma minoria de empresários e burocratas, enquanto a grande maioria deve manter esses privilégios”, disse o sindicato dos professores, Fecode, um dos mais ativos em mobilização.
Desde quinta-feira passada, uma multidão se mobiliza diariamente no maior desafio popular que um governo enfrenta desde os anos 1970. O presidente Duque lançou um “diálogo social” no domingo para ouvir as demandas das ruas.
No entanto, ele iniciou conversas com políticos e não com os porta-vozes do protesto, o que levou sua iniciativa ao fiasco.
“Este governo está aberto a avançar, mas isso deve ser feito com toda a sociedade”, disse Duque em uma entrevista à W Radio, insistindo que muitas das reivindicações são resultantes de uma campanha de desinformação ou de “falsas premissas”.
O presidente debateu nesta quarta-feira sobre educação com estudantes, parlamentares e especialistas. Os promotores da greve permanecem à margem da insistência de Duque em ampliar o diálogo para setores que não estão se mobilizando.
– Múltiplas demandas –
O Comitê Nacional de Greve, que reúne sindicatos, indígenas, estudantes e professores, apresentou uma plataforma de 13 pedidos que incluem desde a retirada de uma reforma tributária em tramitação no Congresso, até o cumprimento do acordo de paz.
Mas talvez o ponto mais polêmico seja o desmantelamento da força policial (Esmad), depois da agressão sofrida no sábado por Dilan Cruz, um estudante de 18 anos que morreu dois dias depois de ter sofrido ferimentos na cabeça causados por um policial com uma escopeta, de acordo com uma investigação preliminar.
O presidente reconheceu que nessas situações “resultados fatais” podem ocorrer, mas defendeu os agentes de choque que, segundo ele, impediram “coisas piores” diante da ação de “vândalos”.
Duque já deus os primeiros sinais de flexibilização. Na véspera anunciou ajustes a seu projeto de arrecadação de impostos a fim de dar um alívio à camada 20% mais pobre do país, por meio da desvalorização de 19% do IVA e benefícios às empresas que contratarem jovens entre 18 e 28 anos.
“A presidente não está atendendo os pedidos do povo”, disse Claudia Tobar, acrescentando que teve que começara a trabalhar para para a universidade porque o estado negou a ela um crédito educativo.
A Colômbia é o país mais desigual entre os 36 sócios da OCDE, tem desemprego de 10,1% e a informalidade do mercado de trabalho castiga quase 50% dos trabalhadores.
Também os colombianos fizeram sentir sua repulsa ao crescimento da violência financiada pelo narcotráfico em vários pontos, e o assassinato seletivo de ativistas dos direitos humanos e líderes sociais.
(AFP)