Para tentar restaurar a ordem pública, o governo do presidente Sebastián Piñera anunciou que a partir de segunda-feira, 2.500 novos efetivos vão às ruas
A Polícia chilena se encontra diante do duplo desafio de conter os crescentes níveis de violência social e responder às denúncias de violações dos direitos humanos com um contingente que começa a dar sinais de precarização, apesar de seu prestígio passado.
Em mais de 40 dias de manifestações, saques e incêndios, que fizeram 23 mortos e milhares de feridos, os Carabineiros do Chile enfrentam denúncias de atropelos dos direitos humanos no controle dos protestos e na detenção dos manifestantes, somadas a questionamentos sobre sua ineficácia na hora de evitar ataques a lojas ou proteger a propriedade privada.
Em uma tentativa de controlar a situação de desordem, Piñera apresentou um projeto para que os militares resguardem infraestrutura crítica e disse ter pedido ajuda técnica às polícias de Inglaterra, França e Espanha.
A Polícia francesa negou nesta quarta-feira que tenha acordado assessoramento sobre a manutenção da ordem. O ministério espanhol do Interior acusou ter recebido a solicitação, mas esclareceu que “não há uma decisão tomada”.
Um relatório da organização Human Rights Watch, divulgado nesta terça, denunciou o uso excessivo da força nas ruas e abusos contra detidos, com espancamentos brutais e violência sexual, em linha com um relatório anterior da Anistia Internacional.
Critica-se especialmente o uso de escopetas como arma de repressão, que deixaram quase 300 pessoas com lesões oculares severas por pequenas esferas usadas como munição. O caso mais dramático é o do estudante Gustavo Gatica, que perdeu a visão nos dois olhos aos 21 anos, após participar de uma manifestação na Praça Itália, em 8 de novembro.
“Acreditamos que os abusos não são casos isolados, não são coincidências, não são acidentes. Estes casos obedecem a condutas que foram se repetindo”, afirmou José Miguel Vivanco, do HRW.
– Alta violência –
Com 60.000 homens, os Carabineiros de Chile são uma polícia militarizada. Em 2011, a força passou do ministério da Defesa para o do Interior e Segurança, após uma reforma que tentou lhe dar um caráter mais social.
Até quatro anos atrás, era uma das instituições mais respeitadas do país, mas um escândalo de corrupção que envolveu a alta hierarquia com apropriação indevida de quase 35 milhões de dólares, fez baixar os níveis de apoio cidadão, que passou de 61% antes da convulsão social a 38%, segundo pesquisa do instituto Cadem de 16 de novembro.
Nunca antes esta polícia tinha enfrentado tais níveis de violência social, sendo alvo de insultos e ataques de civis durante longas jornadas.
Até antes de 18 de outubro, os enfrentamentos envolviam de 200 a 300 pessoas, “mas hoje, estamos falando de 3.000 pessoas violentas, que estão se enfrentando em um nível de violência que nós não tínhamos vivido, com coquetéis molotov, armas de fogo e usam estilingues com bolas de aço”, informou à AFP o coronel e porta-voz dos Carabineiros, Julio Santelices.
Nos protestos, 2.210 policiais ficaram feridos e foram atacados 188 quartéis e 971 veículos policiais.
Já passaram mais de 40 dias desde que “os carabineiros estão trabalhando 15 horas diárias sem nenhum descanso até hoje. Não paramos”, acrescentou Santelices.
– Autonomia policial –
A falta de treinamento policial e a carência de um controle civil aparecem como as principais falhas da instituição.
A HRW descreve que os policiais só contam com duas semanas para treinar o uso da escopeta antidistúrbios e que o total do treinamento das forças especiais é de dois meses. Só a metade das delegacias do país tem câmeras para gravar os procedimentos e as imagens são guardadas por poucos dias.
“O pecado da Polícia é amplo. O que existe no Chile por muitos anos é uma polícia que ganhou autonomia de forma profunda, onde o mundo da política abandonou a capacidade de controle sobre o exercício efetivo das tarefas policiais e da administração”, explica à AFP Lucía Dammert, especialista em segurança da Universidade de Santiago.
Dammert considera que o uso da violência não é nova na Polícia chilena e poderia explicar também o ódio que lhe expressam nas ruas.
“A má resposta policial tem a ver com uma situação que não era esperada, com níveis de violência para os quais eles não estavam preparados, mas também por um exercício da violência que se tolerou por muito tempo no Chile e que agora ficou exposta diante do olhar da cidadania em geral pela quantidade de tempo que levou nosso processo”, acrescenta a especialista.
Para tentar restaurar a ordem pública, o governo do presidente Sebastián Piñera anunciou que a partir de segunda-feira, 2.500 novos efetivos vão às ruas após acelerar a graduação de novos funcionários.
(AFP)