Depois que Trump ameaçou impor tarifas sobre as importações do México em maio, o governo de Andrés Manuel López Obrador enviou milhares de agentes para a fronteira
As tensões na fronteira sul dos Estados Unidos devido à chegada de migrantes este ano resultaram em acordos com o México e com os países do Triângulo Norte da América Central, que, sob pressão, concordaram em colaborar para tentar interromper o fluxo de pessoas que vão para a fronteira fugindo da violência e pobreza.
No entanto, a implementação de tais acordos, incluindo o possível envio de solicitantes de asilo para a Guatemala, levanta vários questionamentos.
O número de migrantes detidos na fronteira sul dos Estados Unidos totalizou quase um milhão de pessoas no ano fiscal de 2019, terminando em setembro.
Esse número quase dobrou o do ano fiscal anterior e gerou fortes tensões entre Washington e os países do sul, que acabaram assinando acordos forçados para reduzir o fluxo.
Com a chegada de migrantes em caravanas, muitas famílias da América Central que pediam asilo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, denunciou uma “invasão”.
Em maio, o número de detidos após cruzar a fronteira com os Estados Unidos atingiu o pico de 144.000 pessoas, o que levou o governo Trump a forçar que México, Honduras, El Salvador e Guatemala assinassem acordos para receber migrantes.
Com o México, os Estados Unidos selaram os Protocolos de Proteção aos Migrantes (MPP), que determinam que os solicitantes de asilo que chegam à fronteira comum devem esperar naquele país para que o processo seja colocado em andamento.
Os pactos com os três países do Triângulo Norte da América Central determinam que aqueles que aspiram a pedir asilo nos Estados Unidos e passem por essas nações devem fazer seu pedido lá e esperar.
Depois de fechar os acordos, o governo Trump retomou a assistência financeira suspensa em março até que medidas fossem adotadas para conter a migração.
Depois que Trump ameaçou impor tarifas sobre as importações do México em maio, o governo de Andrés Manuel López Obrador enviou milhares de agentes para a fronteira.
Desde então, o número de migrantes detidos ou retirdos nos Estados Unidos caiu mais de três vezes, para 45.000 em outubro e 42.000 em novembro.
“Políticas como permanecer no México e acordos com países inseguros estabelecem um processo que é uma farsa que visa a garantir que os solicitantes de asilo nem sequer tenham a oportunidade de se inscrever”, disse à AFP Daniella Burgi-Palomino, especialista do grupo de trabalho ONGs da América Latina.
Os acordos com os países da América Central, publicados no Federal Register em 19 de novembro, estão sendo implementados.
Nessa publicação, as autoridades americanas salientaram que existem 474.327 pedidos de asilo pendentes, metade de pessoas de Honduras, El Salvador e Guatemala.
– Tremendo de frio –
O chefe interino do Departamento de Segurança Interna, Ken Cuccinelli, disse na semana passada que “quando o acordo de imigração é implementado com a Guatemala, a Casa Branca está considerando enviar candidatos a asilo de todas as populações, incluindo cidadãos mexicanos para esse país”.
A Liga de Congressistas da América Latina (CHC) condenou na terça-feira essa possibilidade.
“Isso colocará em risco as mesmas famílias que chegam à fronteira em busca de proteção”, disse o presidente desta liga, o democrata Joaquin Castro.
Ele avalia que essa iniciativa, juntamente com a política de permanência de migrantes estrangeiros no México, “impedirá virtualmente todos os solicitantes de asilo a procurar refúgio nos Estados Unidos”.
O Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP) não respondeu a uma pergunta da AFP sobre a implementação dos acordos.
O sistema de asilo dos Estados Unidos “está sendo desmantelado”, disse Burgi-Palomino.
“Há famílias que estão passando as festas tremendo de frio em campos de refugiados improvisados no lado mexicano da fronteira. Eles são sequestrados e torturados na frente de seus próprios filhos porque são forçados a esperar”, disse a especialista.
– Fracasso –
Randy Capps, especialista do Migration Policy Institute, definiu essa situação como “uma falha do sistema de asilo dos Estados Unidos”.
O especialista se perguntou por quanto tempo o governo mexicano pode conter dezenas de milhares de migrantes na fronteira, com um destacamento de milhares de agentes.
Segundo os dados da Comissão Mexicana de Assistência aos Refugiados, onde os pedidos de proteção são processados, houve 26.000 pedidos entre janeiro e novembro de 2018 e 66.000 no mesmo período deste ano.
“Se houver muitos requerentes de asilo [nos Estados Unidos] bloqueados no México e a situação se tornar muito instável, o governo mexicano poderá ser forçado a mudar de rumo”, disse Capps.
Esse cenário, no entanto, só ocorrerá diante de uma deterioração “dramática” da situação que levaria o governo mexicano a arriscar “irritar” os Estados Unidos.
(AFP)