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Encontro ou conflito? A relação entre Bento XVI e Francisco na mídia atual

THE TWO POPES

Netflix

Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 02/02/20

Não existem indicações concretas de uma contraposição entre Bento XVI e Francisco

A dupla Bento XVI e Francisco ocupou boa parte das manchetes em janeiro por dois casos bem diferentes: o sucesso do filme Dois papas, de Fernando Meirelles, e a confusão envolvendo o livro Das profundezas do coração (em tradução livre), do cardeal Robert Sarah. Muito já se escreveu sobre isso e aqui só vamos fazer uma recapitulação rápida, para desenvolvermos o tema no título do artigo.

O filme da Netflix é uma obra de ficção. O diretor Fernando Meirelles e o roteirista Anthony McCarten se declaram de formação católica, mas o primeiro se considera um “mal católico” e o segundo declara ter se afastado da religião. Apesar de um esforço intencional de buscarem fazer uma obra fiel ao espírito dos dois papas e equilibrada, quem conhece bem a Igreja perceberá várias inconsistências no filme. Contudo, para o público distante da vida eclesial, trata-se de uma das produções recentes mais favoráveis ao Catolicismo. Levou muita gente a ter uma visão mais positiva não só da Igreja, mas também do Papa Bento XVI, que contrasta no filme com um Francisco progressista e simpático.

Já o livro do cardeal Sarah trata de um tema extremamente polêmico, o celibato sacerdotal, e a celeuma em torno dele foi ainda maior por uma inegável falha procedimental. O prelado africano realmente recebeu manuscritos do papa emérito sobre o tema do celibato, com liberdade para usá-los. Contudo, publicar um livro exige que se assine um contrato entre autores e editora, com regras precisas de publicação e conteúdo. Se esse cuidado tivesse sido tomado, nesse caso, ficou claro que Bento XVI não teria autorizado a inclusão de seu nome como autor, por motivos que podemos imaginar, mas não foram explicitados.

Com relação a esse tema, não existem indicações concretas de uma contraposição entre Bento XVI e Francisco. Ambos demonstram apreço pelo celibato, que foi continuamente reafirmado pelos documentos oficiais da Igreja, como norma disciplinar, fundamental para a vocação sacerdotal (ver, por exemplo, Pastores Dabo Vobis, PDV 29, 44, 50), mas não um dogma de fé. Ainda em janeiro de 2019, Francisco disse que considera o celibato “uma dádiva para a Igreja”, e não desejaria mudá-lo.

Nessa perspectiva, o Documento Final do Sínodo para a Amazônia (Nº 111), propõe que a autoridade competente estude “estabelecer critérios e disposições […] para ordenar sacerdotes a homens idôneos e reconhecidos pela comunidade, que tenham um diaconato permanente fecundo e recebam uma formação adequada para o presbiterato, podendo ter uma família legitimamente constituída e estável”. É uma proposta no mínimo arrojada, mas que inegavelmente não propõe o fim do celibato e menos ainda a liberação dos padres ordenados para se casarem.

Voltemos ao título desse artigo. O mês de janeiro viu a relação entre Bento XVI e Francisco apresentada como um diálogo, que pode ser tenso, mas conduz a um inegável encontro, em Dois papas, ou como um confronto que poderia levar ao cisma, em boa parte das análises divulgadas pela mídia por ocasião da publicação do livro de Sarah. O desenrolar deste segundo episódio mostrou que pode haver gente interessada em promover um cisma, mas essa certamente não é a postura do Papa Emérito.

O curioso é que dois católicos distantes da Igreja perceberam a força da comunhão. Mais ainda, perceberam que a unidade dos homens de fé, mesmo na diversidade de posições, era um sinal de esperança para o mundo – e a maioria dos que viram o filme da Netflix, com maior ou menos clareza também perceberam isso. Já muitos dos que estão mais dentro da Igreja, analistas, teólogos e algumas lideranças eclesiais, foram os que mais facilmente se deixaram envolver pela ideia de confronto.

Um clima de conflito tem o poder de gerar um conflito real. Por isso, para os poucos que apostam na divisão, criar uma mentalidade de combate, heresia e traição – seja de qual lado for – já é uma pequena vitória. A mídia, acostumada a reportar os confrontos do mundo laico, com audiências aumentadas por escândalos, sempre tenderá a repercutir mais ideias de confronto do que ideias de comunhão. Cabe aos católicos dar o testemunho de fé na ação do Espírito e confiança naqueles que Ele escolheu para guiar a Igreja e mantê-la unida na Verdade e no Amor, “para que o mundo creia”, como pedia Jesus (Jo 17, 21).

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