Esposa e mãe católica de 5 filhos, ela passou 10 anos no corredor da morte do Paquistão, condenada ao enforcamento por uma acusação falsaAsia Bibi é a esposa e mãe católica de cinco filhos que passou dez anos presa no Paquistão, condenada ao enforcamento após ter sido falsamente acusada de blasfêmia contra o islã. Graças à enorme mobilização internacional que o seu caso despertou, impulsionada por organizações de defesa dos cristãos perseguidos no mundo, ela teve a sua sentença de morte finalmente revogada em 2018. Somente em maio de 2019 é que ela pôde finalmente deixar o país e se exiliar no Canadá, em local não revelado.
O calvário inimaginável enfrentado por ela incluiu não apenas o seu próprio drama no corredor da morte, onde vivia acorrentada e com um colar de ferro em volta do pescoço, constantemente apertado pelos guardas, mas também as ameaças permanentes contra a sua família e o até o efetivo assassinato de autoridades que tentaram questionar as arbitrárias leis antiblasfêmia do Paquistão, como o deputado cristão Clement Shahbaz Bhatti e até o governador da província do Punjab, Salman Taseer.
Asia Bibi se descreve como “prisioneira do fanatismo” na autobiografia “Enfim livre“, recém-lançada em francês pela jornalista Isabelle-Anne Tollet. A edição em inglês será lançada em setembro.
Algumas passagens do livro:
“Vocês conhecem a minha história pela mídia. Mas estão longe de entender o meu dia-a-dia na prisão e a minha nova vida. Fui prisioneira do fanatismo. As lágrimas foram as únicas companheiras na minha cela”.
“No profundo de mim, um medo surdo me leva às profundezas da escuridão. Um medo dilacerante que nunca vai me deixar. Eu me assusto com o grito de uma mulher: ‘Que Asia Bibi morra!’. E outras se juntam aos gritos dela: ‘Enforquem Asia Bibi!'”.
“Neste país desconhecido, estou pronta para um novo começo, talvez para uma nova vida. Mas a que preço? Meu coração se partiu quando tive que sair sem me despedir de meu pai ou de outros membros da família. O Paquistão é o meu país. Eu amo o meu país, mas estou no exílio para sempre”.
As leis antiblasfêmia
Dois parágrafos (B e C) da Seção 295 do Código Penal paquistanês dão pé às amplas e subjetivas interpretações que constituem a assim chamada “lei antiblasfêmia”:
- 295B: estipula prisão perpétua para quem profanar o Alcorão;
- 295C: condena à morte quem é acusado de insultar o profeta Maomé.
A lei chega a ser usada até mesmo contra os próprios muçulmanos como respaldo jurídico para desavenças que nada têm a ver com religião.
Cecil Chaudhry, diretor executivo da Comissão Nacional de Justiça e Paz (NCJP) do Paquistão, observa:
“A lei antiblasfêmia é uma ferramenta poderosa que os fundamentalistas podem usar em detrimento das minorias. Muitas vezes, essa lei é mal utilizada como meio de vingança pessoal. E quando as acusações são feitas contra os cristãos, toda a comunidade sofre as consequências”.
Foi o caso, por exemplo, em março de 2013, no distrito cristão Joseph Colony, da cidade de Lahore, quando o jovem cristão Sawan Masih foi acusado insultar Maomé. Quem recorda é o pe. Emmanuel Yousaf, presidente da NCJP, em depoimento à ACN:
“No dia 9 de março, depois das orações da sexta-feira, uma multidão de 3.000 muçulmanos incendiou todo o distrito. Foram destruídas quase 300 casas e duas igrejas”.
Os 83 instigadores do ataque incendiário foram todos libertados, mas o jovem Sawan Masih foi condenado à morte em 2014 e passou cinco anos aguardando recurso, com audiências constantemente adiadas. Numa delas, o juiz simplesmente não compareceu.
Assim como o caso de Asia Bibi, o de Sawan esteve repleto de irregularidades. As acusações contra ele foram feitas por um de seus amigos muçulmanos, Shahid Imran, após uma discussão entre eles. Só dois dias depois é que apareceram duas “testemunhas”, que, na realidade, nem sequer estavam presentes no momento em que Maomé teria sido, supostamente, insultado. O pe. Yousaf declarou à ACN:
“As acusações contra Sawan estão sendo instrumentalizadas. A verdadeira motivação por trás disso é uma tentativa de expulsar os cristãos do distrito da cidade, que se tornou muito popular porque fica perto das metalúrgicas”.
A esposa de Sawan, Sobia, está criando os três filhos sozinha.
“Eu não sei por que eles acusaram meu marido. Só sei que o homem que o denunciou era um amigo dele com quem ele tinha discutido. Sawan é inocente”.
Enquanto isso, no Ocidente, governos, meios de comunicação e principalmente as autoproclamadas “organizações de defesa dos direitos humanos” fingem que estes fatos não existem ou não são merecedores da sua seletiva “preocupação”.
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