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Moçambique: ataque jihadista revela instabilidade crescente

LUIZ FERNANDO LISBOA

ACN

Fundação AIS - publicado em 01/04/20

“É uma vergonha o que está a acontecer”, desabafa bispo de Pemba após ataque de grupo armado a Mocímboa
Forças de segurança e militares fugiram perante o avanço dos “insurgentes” que hastearam bandeiras negras iguais às dos grupos jihadistas. D. Luiz Fernando Lisboa comentou o ataque à Fundação AIS e descreve o sentimento de medo nas populações.

Foi um ataque de envergadura, inédito até pela forma como ocorreu. Segunda-feira, durante várias horas, um grupo armado – a imprensa moçambicana fala em “insurgentes” – atacou e ocupou a vila de Mocímboa da Praia, que é a capital distrital e tem cerca de vinte mil habitantes.

Praticamente sem oposição das forças de segurança, os atacantes queimaram edifícios públicos, libertaram os detidos na prisão local e chegaram a patrulhar as ruas. Sinal desta manifestação de força, “os insurgentes” hastearam a bandeira negra que identifica os grupos jihadistas.

Para D. Luiz Fernando Lisboa o que aconteceu foi “uma vergonha para Moçambique”. Em declarações ao telefone para a Fundação AIS em Lisboa, o Bispo de Pemba sublinha a forma quase impune como o ataque ocorreu.

“Não houve uma reação forte das forças de segurança, das forças de defesa. Muitos fugiram porque os atacantes eram em número maior, e então eles levaram roupa, armamento, comida, carros e roupas dos militares. Alguns [dos atacantes] estavam vestidos com [uniformes] militares. O dito reforço das forças de defesa chegou só depois de eles se terem retirado. Quer dizer: não chegou nenhum reforço. Eles não foram confrontados.”

A forma como ocorreu este ataque à vila de Mocímboa da Praia veio sublinhar a ausência de capacidade de afirmação das autoridades. “Eles entraram e saíram na hora que quiseram”, explica o Bispo. “Isto foi uma vergonha. É uma verdadeira vergonha para Moçambique o que está a acontecer e que a nossa população esteja a ser humilhada dessa forma.”

Este ataque poderá ter marcado um ponto de viragem na instabilidade crescente que se está a viver na região norte de Moçambique desde Outubro de 2017. Até agora, os ataques ocorreram sobretudo em zonas rurais ou pouco habitadas. Desta vez, “os insurgentes”, para usar a terminologia da imprensa moçambicana, ousaram fazer uma verdadeira manifestação de força na capital de distrito.

Se havia já um sentimento de medo nas populações, agora a situação é bem pior. “E eles deixaram o recado que iam voltar”, lembra o prelado. “Agora, as populações estão com medo. Se eles atacaram Mocímboa, que é a vila maior que existe naquela região, [as populações] de Palma, de Mueda, de Macomia, estão todas com medo. O pessoal está todo amedrontado. Já estavam antes, agora piorou.”

Os relatos entretanto surgidos na imprensa descrevem cenas de “caos e pânico” durante o tempo em que a vila esteve tomada pelos atacantes que exibiram bandeiras negras, as que identificam os grupos jihadistas, e chegaram mesmo a hastear uma no principal edifício público na vila. “Não sei onde foi hasteada, mas o que tem sido reportado é isso: que eles tiraram a bandeira de Moçambique e colocaram uma bandeira deles. Mas eu não sei que bandeira é essa. Eu não vi, e então não posso fazer afirmações gratuitas. Mas que eles hastearam uma bandeira, isso eles fizeram”, descrever o Bispo de Pemba na conversa telefónica com a Fundação AIS.

O grupo terrorista Daesh (o autoproclamado Estado Islâmico) tem reivindicado nos últimos tempos diversos ataques na província de Cabo Delgado. No início de Março, através da Internet, o Daesh assumiu mesmo a morte de soldados do exército moçambicano nesta região, na sequência de confrontos com forças governamentais. Eventualmente ter-se-á tratado do ataque ocorrido dias antes, a 19 de Fevereiro, na aldeia de Chiculua, no distrito de Palma, em que terão morrido pelo menos quatro soldados, sido queimadas diversas casas e saqueados alguns estabelecimentos comerciais.

Situação complexa

A Igreja Católica está a acompanhar com natural preocupação o evoluir desta realidade. Também para D. Diamantino Antunes, Bispo de Tete, as notícias que chegam do norte de Moçambique são inquietantes. “Em Cabo Delgado a situação de facto não está fácil”, diz este prelado, acrescentando que os ataques, por parte de grupos “de que não se conhece a origem nem a motivação”, estão a criar “uma situação de pânico entre as populações”.

Em entrevista no final do passado mês de Fevereiro à Fundação AIS, D. Diamantino Antunes descreve esta situação como muito complexa. “Desde que começaram os primeiros ataques, já se contabilizaram cerca de cinco centenas de mortos e uma onda muito grande de pessoas que são obrigadas, por falta de segurança, a fugir e a refugiar-se, deslocar-se, para as zonas urbanas.”

As pessoas “precisam de comida”

O ataque desta semana veio agravar este sentimento de insegurança. No entanto, a Igreja católica vai continuar junto das populações, apesar do risco evidente de novos incidentes armados. D. Luiz Fernando Lisboa assegura à Fundação AIS que os missionários presentes na região de Cabo Delgado “não querem sair”. “A casa dos missionários acaba por ser um porto seguro que as pessoas buscam à procura de conselho, de algum tipo de ajuda. Eles conhecem o trabalho dos missionários. Os missionários ajudam os mais pobres. Então, os missionários têm essa segurança de que não vão ser atacados”, diz o Bispo, acrescentando que nestes momentos é importante a presença da Igreja. “Não podemos pensar só na nossa pele. Temos de pensar no sofrimento do povo em geral. Os missionários estão lá para estarem junto do povo.”

A onda de violência em Cabo Delgado está a deixar já marcas profundas também na vida das populações. Calcula-se que já terão morrido mais de 500 pessoas desde Outubro de 2017 quando os ataques tiveram início. Uma das consequências imediatas desta violência tem sido o abandono das terras. O medo leva as pessoas a abandonar o trabalho agrícola, o que tem provocado já situações de crise alimentar, de fome. O Bispo de Pemba diz mesmo que as pessoas “precisam de comida”. Isso é urgente. E também habitação. E D. Luiz Lisboa faz um apelo.“Temos muita gente deslocada, muita gente que perdeu a sua casa por causa do ciclone, e também nos ataques e que ainda não têm casa. Estão a viver [em casa de alguém numa situação de] favor. Então, a ajuda que nós temos é muito pouca diante de tanta necessidade. Quanto mais ajuda vier…”

(Departamento de Informação da Fundação AIS)

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