O tempo da Quaresma conserva seu caráter penitencialApós o Concílio Vaticano II, o Papa Paulo VI emitiu a constituição apostólica Paenitemini (17/02/1966) para confirmar e, ao mesmo tempo, reformar a disciplina da Igreja sobre a penitência.
Desde o início, o Papa afirma que “a verdadeira penitência não pode prescindir, em momento algum, de uma ascese também física: todo o nosso ser, corpo e alma, deve participar ativamente deste ato religioso com o qual a criatura reconhece a santidade e majestade de Deus” (Paenitemini, primeira parte).
Ele recorda que “a necessidade de mortificação do corpo aparece claramente, se considerarmos a fragilidade da nossa natureza, na qual, depois do pecado de Adão, a carne e o espírito têm desejos contrários” (ibid.).
Trata-se de uma mortificação que não pretende negar nada do que Deus criou, mas sim “visa à libertação do homem, que é frequentemente encontrado, devido à concupiscência, quase acorrentado pela parte sensível de seu ser; através do jejum corporal, o homem recupera o vigor, e a ferida infligida à dignidade da nossa natureza é curada pelo remédio de uma penitência salutar” (ibid.).
Na parte final da constituição, são estabelecidas as regras sobre os dias e períodos de penitência.
Segundo o texto, por lei divina, todos os fiéis são obrigados a fazer penitência. E o tempo da Quaresma conserva seu caráter penitencial. Os dias de penitência, que devem ser observados por toda a Igreja, são todas as sextas-feiras do ano e a Quarta-Feira de Cinzas.
Sobre a gravidade da obrigação, o número II § 2º afirma: “A sua observância substancial obriga gravemente.”
A conferência dos bispos italianos, de acordo com o poder conferido pelo decreto conciliar Christus Dominus (nº 38), datado de 4 de outubro de 1994, emitiu algumas disposições normativas. São elas:
“A – A lei do jejum ‘obriga a fazer uma única refeição durante o dia, mas não proíbe de consumir um pouco de comida de manhã e à noite, de acordo com a quantidade e qualidade aprovadas pelo costume local’ (Paenitemini, III, IV 2/647).
B – A lei da abstinência proíbe o consumo de carne, bem como de alimentos e bebidas que, segundo um julgamento prudente, devem ser considerados como particularmente procurados e caros.
C – O jejum e abstinência, no sentido agora especificado, devem ser observados na Quarta-Feira de Cinzas (e na primeira sexta-feira da Quaresma para o rito ambrosiano) e na Sexta-Feira da Paixão e Morte de nosso Senhor Jesus Cristo; e são recomendados no Sábado Santo até a Vigília Pascal.
D – A abstinência deve ser observada em toda e cada sexta-feira da Quaresma, a não ser que coincida com uma solenidade no dia (como em 19 e 25 de março). Em todas as outras sextas-feiras do ano, a menos que caiam em uma solenidade, deve-se observar a abstinência no sentido aqui exposto ou realizar alguma obra de penitência, oração ou caridade.
E – A lei do jejum se aplica aos maiores de idade, até aos 60 anos; a lei da abstinência, àqueles que tenham atingido 14 anos de idade.
F – A observância da obrigação da lei do jejum e da abstinência pode não ser realizada por uma razão justa, por exemplo, a saúde. Além disso, o pároco pode conceder a isenção da obrigação de observar o dia de penitência, ou trocá-lo por uma obra de caridade.”
Alguém poderia perguntar: por que abstinência de carne e não de peixe? A resposta tradicional aderiu ao fato de o peixe ser menos caro na época; era o alimento dos pobres.
São Tomás diz que, “ao instituir o jejum, a Igreja seguiu as disposições mais comuns. De modo geral, a carne é mais apreciada que o peixe, embora para alguns ocorra o oposto” (Suma Teológica, II-II, 147, 8, ad 2).
Mas hoje, o peixe, especialmente certos tipos de peixe, não é menos caro do que a carne. Por esta razão, a legislação eclesiástica acrescenta à carne também os alimentos particularmente procurados e caros.
Alguns também poderiam perguntar por que a disciplina da igreja exclui crianças e adolescentes de jejum.
São Tomás responde: “É evidente a razão para a dispensa de jejum no caso de crianças: tanto pela sua fraqueza natural, devido à qual elas precisam comer frequentemente, como porque precisam de uma grande quantidade de comida para o crescimento. Assim, enquanto estão em fase de crescimento, não são obrigadas ao jejum eclesiástico. No entanto, é bom que, inclusive neste período, sejam ensinadas gradualmente a jejuar de acordo com a idade” (Suma Teológica, II-II, 147, 4, ad 2).
Deve notar-se, contudo, que, na época de São Tomás, toda a Quaresma era um tempo de jejum, e não apenas na Quarta-Feira de Cinzas e Sexta-Feira Santa. Por esta razão, sempre conservando a disciplina da Igreja, continua sendo útil educar os jovens, para que aprendam a “completar na própria carne o que falta à Paixão de Cristo, em seu corpo, que é a Igreja” (Cl 1, 24).