Em meio à pandemia de coronavírus, uma voz poderosa em uma catedral vazia ajudou a iluminar a Páscoa de muitos cristãos Para mim, todos os anos o Domingo de Páscoa é especial. “Apenas” a celebração da ressurreição de Cristo justificaria esse meu apreço pela data.
Porém, foi num Domingo de Páscoa de vinte e poucos anos atrás que eu passei meu último dia com meu pai antes de ele partir para junto de Deus (ele morreu na terça, após a Páscoa).
Mas a data, felizmente, não me traz lembranças pesarosas. Pelo contrário: todo ano, além de celebrar o renascimento, fico feliz por lembrar do Sr. Sanchinho vivo, trabalhando, alegre como ele sempre foi. Talvez esse sentimento de felicidade seja obra do milagre da ressurreição, da certeza da eternidade.
Neste ano, entretanto, a celebração da Páscoa foi bem diferente por causa da pandemia do coronavírus e do distanciamento social por que estamos passando. Antes do almoço, minha esposa e eu conversávamos sobre as dificuldades que a quarentena nos impusera. A mais difícil, talvez, tenha sido passar o Domingo da Ressurreição longe dos nossos familiares que moram longe. Por causa das recomendações de distanciamento, estamos evitando visitá-los.
O almoço teve um quê de solidão, que, logo depois, foi transformada em esperança e lágrimas de alegria e agradecimento. E foi o tenor italiano Andrea Bocelli que nos proporcionou este estado de graça em meio à angústia que a pandemia tem-nos feito provar.
O concerto de Páscoa de Bocelli aconteceu no Duomo de Milão e foi transmitido ao vivo pela internet. Entre as incontáveis “lives” de artistas que estão congestionando a internet nestes últimos dias, pra mim, esta foi a melhor. A mensagem transmitida em 28 minutos de pura arte e religiosidade valeram a pena.
Logo na abertura da apresentação histórica chamada de “Music for Hope”(Música pela Esperança), o tenor mostrou a que veio. Enquanto imagens da vazia cidade de Milão (que fica na Lombardia, uma das regiões mais afetadas pelo coronavírus na Itália) ganhavam a tela, a voz inconfundível do cantor avisava: “Acredito na força de orarmos juntos, acredito na Páscoa Cristã, um símbolo universal de renascimento que todos – sejam eles crentes ou não – realmente precisam agora”.
Acostumado com grandes plateias, Bocelli cantou sozinho, mas para um enorme público virtual. Acostumado a ser acompanhado por um batalhão de grandes músicos, desta vez contou apenas com o talento de Emanuele Vianelli, que tocou o órgão da Catedral de Milão, um dos maiores instrumentos de tubo do mundo.
No repertório obras sacras, como “Panis Angelicus”, “Sancta Maria” e “Domine Deus”. Um dos momentos mais emocionantes do concerto foi a execução da “Ave Maria”. A poderosa voz do tenor católico preencheu estrondosamente a catedral gótica, que, sem plateia, proporcionou uma acústica arrepiante.
No fim da apresentação, Bocelli surpreendeu e cantou do lado de fora do Duomo, na praça absolutamente vazia. Diante da construção monumental, a pequena imagem do cantor foi a representação perfeita do isolamento. Mas a grandeza, a coerência e o poder de sua voz não foram menores do que a gigantesca e imponente fachada da catedral.
Ao triste anoitecer europeu, a interpretação de “Amazing Grace” e as cenas de outras capitais silenciadas pelo coronavírus fizeram essa voz única reverberar esperança e preencher os corações de todo o mundo. Um verdadeiro e emocionante presente nesta Páscoa da quarentena!
Assista: