Morto em março, cantor de R&B retratava a condição humanaCom a escalada de eventos – e, portanto, de notícias – referentes à disseminação do novo coronavírus pelo mundo, acabamos nem falando de uma grande perda que a música pop sofreu no último mês, o cantor e compositor norte-americano Bill Withers, que faleceu de complicações cardíacas no dia 30, aos 81 anos.
Junto com Al Green e Marvin Gaye, Withers foi uma das grandes vozes da música negra dos Estados Unidos nos anos 70. Enquanto a maioria de nós espera encontrar imortalidade após a morte, Withers se tornou um imortal da música aqui mesmo, na Terra.
Autor e intérprete de hits como Ain’t No Sunshine (1971) – aquela: “Ain’t no sunshine when she’s gone…”, Grandma’s Hands (1972), homenagem do músico a sua avó, Lovely Day (1977), entre tantas outras, ele ajudou a definir o gênero R&B.
Suas canções, repletas de groove e refrãos inesquecíveis, costumavam capturar a emoção da condição humana, com letras que tratavam de amor, de solidão e redenção. J-P Mauro, colaborador da Aleteia nos Estados Unidos, descreve Lean on Me, hino de Bill Withers presente no álbum Still Bill (1972), como: “a canção não-religiosa mais cristã do século 20”. Como mostra o seguinte trecho da faixa:
“Se apoie em mim quando não estiver forte
E serei seu amigo
Te ajudarei a seguir em frente
Pois não vai demorar muito
Até eu precisar
De alguém em quem me apoiar”
Como aponta J-P Mauro, “a canção está repleta de temas cristãos de comunidade e amor incondicional; de apoio em momentos obscuros e confiança no outro, em vez de só em si mesmo”. Em entrevista à revista Goldmine, Withers explicou que a canção é tão poderosa pois expressa um amor espiritual e não apenas romântico: “Amor romântico é a coisa mais inconstante do mundo. O tipo consistente de amor é aquele que te faz limpar muco e saliva do rosto de alguém com morte cerebral. No amor romântico você só quer tocar alguém por essa pessoa ser bonita e por sentir apelo físico. O amor mais substancial é quando você quer tocar a pessoa e cuidar dela quando está no seu pior”.
Withers ainda apontou que a canção tem apelo a pessoas de todas as idades, raças, credos e condições sociais: “Lembro de visitar um presídio e coincidentemente passar pelo ensaio do coro da prisão, e eles estavam cantando justamente essa canção. Eles não sabiam que eu estava lá. Lembro que as crianças me colocaram em uma peça da sexta série quando meu filho se formou no ensino fundamental. Eu tinha de cantar Lean on Me com as crianças. Elas me colocaram lá. [risos] Me deparei com a canção de presídios a igrejas a eventos infantis”.
Humildemente, o cantor ainda expôs a sensação de que a canção fosse “algo que já estava lá muito antes de eu chegar”. Ele disse que se você perguntasse para alguém quando foi escrita, diriam que tinha mais de 100 anos. Embora ele obviamente não tenha aberto mão dos créditos pela canção, seu relato sugere que ele tenha sido guiado a compô-la.
Apesar de incrivelmente influente e universalmente relevante, Withers teve uma carreira relativamente curta na música, com 15 anos de duração, entre 1970 e 1985. Talvez tenha deixado de “receber” tamanha inspiração, tenha partido para outros interesses, ou simplesmente entendeu que seu recado já estava dado. E que poderia atravessar gerações.
Pois, em tempos difíceis, como o atual, ainda podemos sempre nos apoiar no legado de Bill Withers. Bendito seja.