Quarentena pode ser uma oportunidade para exercitar a criatividadeNa missa desta segunda-feira, na Casa Santa Marta, no Vaticano, o Papa Francisco dedicou suas preces aos artistas:
“Rezemos hoje pelos artistas, que têm esta capacidade de criatividade muito grande e pelo caminho da beleza nos indicam o caminho a seguir. Que o Senhor nos dê a todos a graça da criatividade neste momento.”
O que levaria o Santo Padre a elevar a arte, um bem considerado secundário em meio a uma crise pandêmica? Em minha opinião, o Papa quer que enxerguemos adiante. O Papa quer que não nos deixemos ofuscar pelas sombras. O Papa quer que enxerguemos o belo.
Na Antiguidade Clássica, o belo na era visto como uma competência estética, qualificada pela virtude moral, assim como pela virtude intelectual. Em sua concepção moral, ao acalmar as paixões, a beleza residiria no justo equilíbrio, na moderação entre o vício e a virtude, elevando o belo à sua condição mais elevada, a espiritual, e favorecendo seu objetivo ético, que seria a boa convivência, o que favoreceria a prática de boas ações na pólis. Pela virtude intelectual, o belo estaria relacionado ao mais alto conhecimento técnico da prática artística, o que permitiria ao artista se apropriar da beleza, capturando, assim, a sua essência.
Platão caracterizava a arte como imitação, ou seja, como uma forma de extrair, retratar, de imprimir o mundo como o percebemos.
Aristóteles, por sua vez, enxergava o princípio mimético da realidade na criação, entendia a obra artística como um prolongamento da tendência à imitação, tão natural em todos os humanos (faço o adendo: assim como em qualquer espécie de mamífero, se você observar). Mas não apenas isso.
Para ele, uma simples cópia da realidade, um mero registro de verossimilhança, não faria sentido, não daria conta de definir a arte em toda sua grandeza e complexidade. Para ele, a arte tinha o poder de melhorar a realidade, de recriar o mundo por uma ótica elevada, de reconstituir a realidade sem tantas imperfeições. E sua grande contribuição seria nos dar uma medida de comparação, nos permitir ver o mundo a partir de outros pontos de vista, que talvez o aproximariam do mundo como ele deveria ser.
Pelo princípio da imitação, todos os homens poderiam ver o mundo pela ótica do artista, e assim voltar para o seu lugar comum transformados, com uma nova perspectiva, um outro ponto de vista pelo qual enxergar.
Para Aristóteles, o belo na arte não estava nas formas do objeto retratado, mas sim na maneira em que o homem, a natureza ou suas ações eram representados. Como no Mito da Caverna, de Platão, em que a aproximação da realidade nos faria ver uma árvore com todas suas ranhuras no tronco e imperfeições, enquanto no mundo das ideias essa imagem corresponderia a um ideal de perfeição.
A arte reside no mundo das ideias. E como estamos em um crucial da civilização, em que nosso modo de viver precisa ser repensado, em que precisamos justamente, de novas ideias, o Papa reforça a importância de nos voltarmos para a arte. Sejam artes plásticas, música, cinema, teatro, dança ou literatura.
Pois quem sabe, na criatividade e no belo, encontremos novas ideias, novas visões de mundo que nos permitam reconstruir uma realidade melhor. Preste atenção na beleza.