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Tesouros do magistério de Francisco na Laudato si’

POPE AUDIENCE

Antoine Mekary | ALETEIA

Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 31/05/20

Um dos aspectos mais admiráveis do texto é seu insistente convite a um diálogo entre saberes e entre o conhecimento científico, a beleza, a arte e a sabedoria

Na comemoração de seu quinto aniversário (24 de maio), a encíclica Laudato si’ (LS), do Papa Francisco, mantém seu impacto e sua atualidade. Com a pandemia mundial e o Sínodo para a Amazônia, mostra-se cada vez mais relevante. Ela nos alerta para os perigos crescentes de um trato irresponsável com a natureza e nos convida a nos encantarmos e cuidarmos dela e de nossos irmãos numa postura verdadeiramente cristã. Enfatiza a interdependência entre todas as coisas (ver, por exemplo, LS 86, 164), a relação entre a degradação ambiental e o sofrimento dos mais pobres (LS 2, 162), a ecologia integral (LS 10-11, 225,230) e o convite ao compromisso socioambiental de todos os cristãos (LS 15, 64-65, 231, 246). Gostaria de salientar aqui cinco aspectos particularmente importantes da encíclica.

1. O convite à comunhão de saberes e ao diálogo entre a beleza e ciência

Um dos aspectos mais admiráveis do texto é seu insistente convite a um diálogo entre saberes e entre o conhecimento científico, a beleza, a arte e a sabedoria, vinda da filosofia, da cultura popular e da fé (LS 63, 199-201, 223). A ciência, bem praticada, analisa os processos, identifica suas relações, causas e consequências. No mundo de hoje, seria impensável e irresponsável uma relação com a natureza que negasse o conhecimento científico.

Contudo, a ciência não nos dá o discernimento necessário às decisões éticas e políticas, não permite – por si só – aquela elevação do humano que coincide com a experiência do amor e do reconhecimento da beleza. Para enfrentarmos as ameaças ao meio ambiente, ao bem estar dessa e das futuras gerações, precisamos dessa sabedoria, que contempla a beleza, reconhece o amor e, a partir daí, toma decisões amparadas no conhecimento científico e no entendimento entre as pessoas.

2. Uma postura humana de cuidado para com a Criação

O verbo que melhor exprime o resultado desse discernimento é “cuidar”, ao qual a encíclica se refere continuamente (ver, por exemplo, LS 10-11, 19, 64, 67, 70, 78-79, 116, 124, 139, 201, 231). Francisco, comentando os primeiros capítulos do Genesis, lembra que Deus a criação para que o ser humano a administrasse, mas não com o exercício de dominação irresponsável, mas como cuidado amoroso e atento (LS 66-67).

A importância do cuidado é gigantesca, reflete-se em toda a nossa experiência existencial, em nossas relações com qualquer coisa que existe. Aquele que procura cuidar adquire um comportamento cheio de carinho e ternura, aprende a se alegrar com as pequenas coisas, a fazer o bem com prazer e sem moralismo, a enfrentar os sofrimentos e desafios da vida com desprendimento. Aquele que ama e cuida aprende a ser feliz com muito mais facilidade do que aquele que domina e explora.

3. Entre o amor e a dominação

Por isso, podemos entender a Laudato si’ a partir da dialética entre poder (dominação) e amor. Ao longo de todo texto, as relações de cuidado, iluminadas pelo amor, são indicadas como o caminho para conservar a natureza, construir o bem comum, descobrir a beleza, viver bem consigo mesmo e com Deus. Em contraposição, onde o poder se exerce como dominação, acontece a degradação ambiental, a exploração de uns pelos outros, a injustiça social, o individualismo, a solidão, o sofrimento humano e o distanciamento de Deus.

O núcleo do juízo de Francisco sobre nossa condição socioambiental aparece nessa passagem: “A tecnociência, bem orientada, pode produzir coisas realmente valiosas para melhorar a qualidade de vida do ser humano […] nos dão um poder tremendo. Ou melhor: dão, àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o poder económico para o desfrutar, um domínio impressionante sobre o conjunto do género humano e do mundo inteiro. Nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma, e nada garante que o utilizará bem […] A verdade é que ‘o homem moderno não foi educado para o reto uso do poder’ […] A sua liberdade adoece, quando se entrega às forças cegas do inconsciente, das necessidades imediatas, do egoísmo, da violência brutal […] carece de uma ética sólida, uma cultura e uma espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro dum lúcido domínio de si” (LS 103-105).

4. Iluminados pela ternura de Deus

Mas de onde pode, então, nascer uma postura de cuidado que saiba usar bem o poder da ciência e da técnica? Não de um esforço humano voluntarista, mas da constatação do amor de Deus, como diz o Papa: “Na tradição judaico-cristã, dizer «criação» é mais do que dizer natureza, porque tem a ver com um projeto do amor de Deus […] A natureza entende-se habitualmente como um sistema que se analisa, compreende e gere, mas a criação só se pode conceber como um dom que vem das mãos abertas do Pai de todos, como uma realidade iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal […] A criação pertence à ordem do amor […] cada criatura é objeto da ternura do Pai que lhe atribui um lugar no mundo. Até a vida efêmera do ser mais insignificante é objeto do seu amor e, naqueles poucos segundos de existência, Ele envolve-o com o seu carinho.” (LS 76-77).

Somente alguém que se sabe profundamente amado por Deus poderia perceber e nos comunicar essa ternura indizível do Todo Poderoso. O Papa Francisco respondeu à pergunta “quem é Jorge Mario Bergoglio?” dizendo: “Sou um pecador para quem o Senhor olhou”. A consciência de um homem que conhece os seus limites, mas sabe que foi olhado, amado, de um modo que o supera e o envolve totalmente… Essa é a origem de Laudato si’.

5. A luta necessária, que não tira a beleza da esperança

Essa postura humana é capaz de viver na consciência da necessidade de agir enquanto contempla a beleza da esperança cristã. Como diz Francisco, no término da encíclica: “No fim, encontrar-nos-emos face a face com a beleza infinita de Deus (cf.1 Cor13, 12) e poderemos ler, com jubilosa admiração, o mistério do universo, o qual terá parte conosco na plenitude sem fim […] A vida eterna será uma maravilha compartilhada, onde cada criatura, esplendorosamente transformada, ocupará o seu lugar e terá algo para oferecer aos pobres definitivamente libertados […] Caminhemos cantando; que as nossas lutas e a nossa preocupação por este planeta não nos tirem a alegria da esperança” (LS 243-244).

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