Um deles é o desprezo das pequenas coisas; outro é agir sem pureza de intenção, sem ordem nem métodoMonsenhor Ascânio Brandão comenta, em texto relevante para todo aquele que pretenda progredir no caminho da santidade, os seguintes 8 sinais da tibieza, isto é, da “mornidão” ou mediocridade espiritual:
1. Omissão fácil das práticas de piedade: a alma fervorosa tem a sua vida de piedade toda dirigida por um regulamento particular fácil de ser observado e bem criterioso. Não omite facilmente qualquer prática de piedade. É de uma fidelidade extrema, sobretudo à meditação. Se graves ocupações ou verdadeira necessidade a impedem, procura, logo que seja possível, suprir a falta. A alma tíbia sob qualquer pretexto omite os exercícios de piedade, passa dias sem meditação, e até mesmo sem práticas de piedade de qualquer espécie. Ora, isto é exatamente o contrário do fervor. “Não digo que isto prove tudo, diz o Pe. Faber, mas prova muito. Seja como for, sempre que existir tibieza, existirá este sintoma”.
2. Fazer os exercícios de piedade com negligência: na tibieza também há oração, missas, confissões, comunhões, terços, etc., mas a rotina vai inutilizando tudo. A rotina e a má vontade. Confissões e comunhões mal preparadas, orações com inúmeras distrações voluntárias. E o pior ainda a falta de generosidade e de todo esforço para se corrigir.
3. Outro sinal de tibieza é a alma sentir-se aborrecida com o pensamento de que tudo vai mal na sua vida espiritual. Não se sente inteiramente à vontade com Deus. Não sabe exatamente onde está o mal, mas tem certeza de que tudo não está em ordem. É um mal-estar, um aborrecimento interior. E, sem paz, o tíbio se agita inutilmente e vai deixando arraigar-se no coração o hábito do pecado venial. Este sinal anda sempre com os dois primeiros. Desde que faltou generosidade numa alma para ser fiel aos seus deveres de piedade, estas omissões e negligências acabam deixando-a num estado lamentável de aborrecimento das coisas santas e até de Nosso Senhor.
4. O quarto sinal é agir sem pureza de intenção, sem ordem nem método. A pureza de intenção consiste em fazermos com um fim honesto e sobrenatural todas as ações de nossa vida: práticas de piedade, deveres de estado, trabalhos de cada dia ou qualquer coisa por mínima que seja. É aquele olhar interior sempre fixo em Deus e desviado das criaturas. Tudo fazer para a glória de Deus, e ver em tudo a vontade de Deus e a ela se submeter com espírito de fé e resignação. Eis a mais pura intenção que se pode imaginar, o mais elevado princípio e o mais perfeito ideal de uma alma fervorosa. Os santos não tinham outro motivo nem visavam outro fim na terra. Santa Madalena de Pazzi sentia-se arrebatada em êxtase, ouvindo esta palavra: — A vontade de Deus! Santo Inácio legou à Companhia de Jesus, como rica herança, o seu lema: A. M. D. G. — Ad majorem Dei gloriam — Tudo para a maior glória de Deus! A pureza de intenção é a alquimia celeste que transforma em ouro de méritos para o céu todas as nossas boas obras. Sem ela, perdemos cada dia riquezas incomensuráveis. A alma tíbia faz tudo por amor próprio e capricho, seguindo em tudo a natureza. É a leviandade, a preocupação da vontade própria, os cálculos muito humanos, a vaidade quando faz o bem, o desejo de agradar às criaturas e de aparecer. Anda à cata de bajulações e aborrece o sacrifício oculto, a abnegação e outras virtudes que não brilham aos olhos das criaturas e constituem o segredo do Rei! E Deus recompensa as nossas ações, diz Santa Madalena de Pazzi, a peso de pureza de intenção. Ó, como a tibieza rouba e despoja a pobre alma, quando lhe arrebata a pureza de intenção!
5. Contentar-se com a mediocridade e negligência em formar hábitos de virtude. Se a mediocridade já é desastrada na ciência, na literatura e na arte, o é em proporção verdadeiramente calamitosa quando se trata da prática da virtude. O medíocre não gosta da palavra: Santidade. Não compreende o heroísmo das almas generosas, a abnegação, o sacrifício. Para ele, a virtude heroica é o exagero! A santidade é um misticismo! E que entende por misticismo? Algo de loucura e de anormal. Contenta-se com o meio termo. E assim não se esforça por adquirir hábitos de uma virtude sólida.
6. O desprezo das pequenas coisas: os santos fugiam das menores imperfeições, e se purificavam cada dia das pequeninas faltas. O tíbio, não. Ri-se do que ele chama escrúpulo das almas fervorosas: — a fidelidade nas pequenas coisas. E não nos esqueçamos destas grandes verdades: primeira — os santos se tornaram santos pela repetição contínua duma multidão de ações insignificantes, pelo cuidado infatigável das pequeninas coisas. E segunda: — só fizeram eles grandes coisas quando chegaram à santidade. Os pequeninos sacrifícios ocultos, as pequeninas cruzes, as pequeninas virtudes, as pequeninas mortificações, tudo isto a cada dia, a cada minuto, aceito com generosidade, como santifica uma alma! E’ o caminho batido de S. Teresinha, a pequenina via da Infância espiritual. Que fonte riquíssima de graças! A tibieza, porém, seca esta fonte, esteriliza a vida espiritual, sonha com êxtases e comete cada dia o pecado quase sem remorso. E os pecados veniais, sob o disfarce de pequeninas faltas inevitáveis à fraqueza humana, vão se multiplicando assustadoramente na alma e alimentando a tibieza até ao pecado mortal e, sabe Deus, até ao endurecimento do coração! É muito grave desprezar habitualmente as pequeninas coisas. São Gregório chega a dizer que se deve ter mais receio das pequenas faltas que das grandes. Porque estas provocam logo o arrependimento e causam horror; aquelas não assustam, e vão preparando surdamente a ruína espiritual. E, o que é pior, sem remorso da consciência, e até sob a capa da virtude.
7. É pensar mais no bem já feito do que no bem que ainda resta a fazer. É uma presunção que leva a descansar e afrouxar no caminho do sacrifício e da virtude, porque julga ter feito alguma coisa no passado para a salvação. Nada de esforço e generosidade. Nosso Senhor dizia no seu Evangelho que, depois de termos feito muito, deveríamos dizer: — somos servos inúteis. E prosseguir na luta, porque o ideal da perfeição é o Infinito: “Sede perfeitos como vosso Pai Celeste é perfeito”. A tibieza, como já dissemos, contenta- se com a mediocridade. Julga ter feito muito a alma tíbia, porque no passado foi bem fervorosa e trabalhou pela sua santificação, lutou, praticou boas obras de zelo e de caridade, sacrificou-se na luta do bem. Agora, quer repouso. Descansa, não luta mais, deixa-se ficar na indolência e faz de seu coração o campo do preguiçoso. São Paulo pensava justamente o contrário: “Irmãos meus, não considero que alcancei o prêmio, mas uma coisa eu faço: esquecendo o que está atrás de mim, esforçando-me por alcançar o que está na minha frente, prossigo até ao alvo, para alcançar o prêmio para o qual me chamou do Alto por Cristo Jesus. Sejamos nós, quantos queremos ser perfeitos, do mesmo espírito” (Fl 3, 13). O tíbio não se compara aos mais santos e fervorosos, mas sempre se julga melhor do que tantos outros piores do que ele. E é assim que adormece tranquilamente. Não quer progredir na virtude. São Gregório compara a vida cristã a uma barca em que se navega contra a corrente. Quem sobe, há de remar sempre, ou é arrastado pela correnteza. Santo Agostinho, no seu estilo incisivo e claro, assim fala: — “se dizes: basta, estás perdido!” Sim, no dia em que se cruzam os braços na luta pela santificação da alma, tudo está perdido! Adeus, santificação, e talvez: Adeus, salvação eterna! São Bernardo pergunta: — Não quereis adiantar? Dizeis: — quero ficar e viver onde cheguei? Quereis o impossível! O demônio, diz Santa Teresa, conserva muitas almas no pecado ou na tibieza, fazendo-as crer que é orgulho aspirar à santidade. Que perigosa ilusão! Lembrem-se os tíbios, sobretudo se já receberam graças de Nosso Senhor, como por exemplo sacerdotes, religiosos e almas consagradas a Deus, oh! lembrem-se de que é terrível abusar da graça e muitas almas chamadas à santidade, diz o Pe. Desurmont, baseado em Santo Afonso, ou se salvam como santos ou arriscam a sua eterna salvação. Escreveu o Santo Doutor: Se alguém na vida religiosa (e poderíamos acrescentar: na vida de piedade) quer se salvar, mas não como santo, corre o risco de se perder.
Todos estes sinais de tibieza andam em geral com este último e infalível:
8. Pecado venial voluntário e habitual. Os outros sinais podem ser atenuados ou alguns falham, mas este é infalível. Onde existe o hábito do pecado venial, existe a tibieza com todo o cortejo de males e desgraças que ela acarreta à vida espiritual.
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