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Quarentena é oportunidade para exercitar dotes artísticos 

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Octavio Messias - publicado em 15/07/20
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Tocar música, desenhar, pintar, escrever… Aproveite esse tempo para se revelar “O senhor sabe o que é o silêncio, é? É a gente mesmo, demais”, escreveu Guimarães Rosa, na voz do narrador Riobaldo, em Grande Sertão: Veredas (1956). Embora eu tenha lido essa obra-prima da literatura brasileira 15 anos atrás, tal fala voltou a mim de maneira impactante durante a quarentena, quando mais me encontro em silêncio. 

E o que brota em meio a esse silêncio senão eu mesmo, com tempo e espaço para vir à tona? Acredito que isso aconteça com a maioria das pessoas e por isso, para grande parte delas, o silêncio seja incômodo, pois tem a potência de trazer à tona aquilo que estava adormecido, aquilo que muitas vezes não queremos ou não nos damos ao trabalho de enxergar.

Com o silêncio, me vi de volta ao momento em que eu estava antes de todo o “barulho” da vida começar: a adolescência. Eu não ficava tanto tempo fechado em um cômodo comigo mesmo por tanto tempo desde os meus 16 ou 17 anos e, de alguma forma, venho me sentindo mais em contato comigo mesmo, mais próximo dos meus “silêncios”, como naquela época. 

E o que eu costumava fazer com aquele silêncio todo? Acabava com ele de maneira desleal por meio de uma guitarra conectada a um potente amplificador, que eu tocava por horas e horas a fio. E agora, talvez sem saber muito bem o que fazer com o meu silêncio atual, resolvi retomar o hábito da juventude e voltei a praticar guitarra depois de 11 anos sem tocar no instrumento. 

A experiência tem sido terapêutica e até mesmo catártica, uma hora do meu dia em que exerço a criatividade sem refletir sobre a vida, sobre a pandemia, sobre o que o silêncio tem a me dizer. Cheguei até a me sentir culpado, como um adolescente que, de má-fé, ignora questões mais sérias e profundas que um dia terá de lidar.    

Conforme fui me familiarizando com o instrumento novamente, relembrando acordes, escalas e progressões, vim reencontrando alguma fluência musical, o que tem se tornado uma forma de expressão artística. O meu silêncio, percebo agora, não foi silenciado, mas amplificado. Sou eu mesmo, demais, agora ligado no amplificador. 

O que o meu silêncio tinha a me dizer, na verdade, era que eu me reencontrasse comigo mesmo, seja em silêncio contemplativo, seja por meio de uma guitarra barulhenta em alto volume. Algo que não seria possível, em meio às atribuições do dia a dia, não fosse a quarentena. 

O que me leva a imaginar que todos tenhamos ímpetos e volições adormecidos e que agora, com a pandemia, se tornam evidentes. Talvez a sua válvula de escape, a sua maneira de manifestar o silêncio, não seja através de um instrumento musical, mas por meio da pintura, do desenho, da escrita, da fotografia. Basta escutar o que o seu silêncio tem a te dizer.