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A Igreja ante as revelações particulares

FAITH
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Vanderlei de Lima - publicado em 09/08/20
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Embora não se imponham à fé católica, muitas visões ocorridas ao longo da história podem ser indícios da piedade dos videntesA Revelação pública oficial da Igreja terminou com o fim da geração dos Apóstolos. Depois, ocorrem apenas as chamadas “revelações particulares” ou “privadas” que não merecem fé divina, mas apenas humana. Detalhemos isso.

O Concílio Vaticano I assim declara: “Deve-se, pois, crer com fé divina e católica tudo o que está contido na Palavra divina escrita ou transmitida pela Tradição, bem como tudo o que a Igreja, quer em declaração solene, quer pelo Magistério ordinário e universal, nos propõe a crer como revelado por Deus” (Constituição Dogmática Sobre A Fé Católica, s. III, 24-4-1870, c. 1792).

Vê-se aí que o Magistério da Igreja é exercido de dois modos: o ordinário (= ensinamento cotidiano dos Bispos espalhados pelo mundo unidos ao Bispo de Roma, o Papa) e o extraordinário (= exercido bem mais raramente pelos Concílios Ecumênicos ou Gerais sob a supervisão do Papa ou pelo próprio Santo Padre quando, na função de confirmar seus irmãos na fé (cf. Lc 22,31s), proclama um dogma ou uma definição ex cathedra (definitiva) em temas de fé e moral). Já os demais pronunciamentos do Romano Pontífice merecem religiosa submissão da vontade e da inteligência (cf. Concílio Vaticano II. Lumen Gentium, 25).

Aqui, perguntamos: e como ficam as revelações particulares? – “Elas não pertencem ao depósito da fé” (Catecismo da Igreja Católica n. 67); por isso, o fiel é livre para nelas crer ou não. Afinal, “a Igreja não pode impor à crença dos fiéis nem o presumido fato de uma aparição, nem o teor da respectiva mensagem” (Dom Estêvão Bettencourt, OSB. Teologia fundamental. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2013, p. 145). Mais: se o fiel quiser crer, será apenas com fé humana, não divina. Sim, assegura o renomado teólogo dominicano Antonio Royo Marín que “estão excluídas como objeto material da fé divina e católica as revelações privadas que algumas pessoas em particular podem receber (por exemplo, Santa Teresa), de forma que somente elas estão obrigadas a crer com fé divina, caso tenham, em virtude da luz profética [a iluminar apenas o receptor da mensagem – Nota nossa], certeza da origem divina das mesmas” (A fé da Igreja: em que deve crer o cristão de hoje. 2ª ed. Campinas: Ecclesiae, 2018, p. 62). Por parte dos demais fiéis, a expressão fé só humana é o assentimento que se dá à revelação feita por uma pessoa digna de crédito (eu acredito porque foi X que falou, se fosse Y não acreditaria). Distingue-se da fé divina que está no plano sobrenatural. É um dom de Deus, e merece assentimento, pois é Ele mesmo quem nos fala por meio de sua Palavra transmitida, interpretada e chancelada pela Igreja (cf. idem, p. 45-60).

Daí ser oportuno lembrar que, quando não se opõe à fé católica, mas está em conformidade com ela, a Igreja – sem se comprometer diretamente com as narrativas dos videntes – permite que o conteúdo edificante das visões seja divulgado. Lê-se na Encíclica Pascendi Domini Gregis, VI, “Essas aparições ou revelações não foram aprovadas nem condenadas pela Santa Sé, foram apenas aceitas como merecedores de piedosa crença, com fé puramente humana, em vista da tradição de que gozam, também confirmadas por testemunhas e documentos idôneos”.

A título de conclusão, devemos deixar claro – por meio de dois estudiosos jesuítas – que, embora não se imponham à fé católica, muitas visões ocorridas ao longo da história, “podem ser indícios da piedade dos videntes, e podem ser muito úteis na edificação e na firmeza da fé do povo, podem ser providenciais, podem até ser e virem acompanhadas de milagres de Deus” (Pe. Oscar G. Quevedo, SJ. Palavra de Iahweh. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2003, p. 125). Mais: “Seria fruto de uma inteligência fechada para a verdade não colher as jóias destas minas de valores humanos” (Pe. Afonso Rodrigues, SJ. Psicologia da Graça. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 1995, p. 115). Embora jamais possam se impor à fé católica, não devem ser, sem mais, rejeitadas como se nelas nada de útil se pudesse transmitir, de modo privado, ao Povo de Deus.

Portanto, examinemos tudo e fiquemos com o que é bom (cf. 1Ts 5,21).