Aleteia logoAleteia logoAleteia
Terça-feira 19 Março |
Aleteia logo
Estilo de vida
separateurCreated with Sketch.

Por que dependemos da aprovação paterna até tarde na vida?

shutterstock_1103164055.jpg

Design_Shot | Shutterstock

Octavio Messias - publicado em 12/08/21

Pais tendem a ser nosso referencial mais enraizado 

Existe uma história recorrente na obra do escritor norte-americano Paul Auster sobre um esquiador que se perde nos Alpes Franceses e acaba engolido por uma avalanche. Seu corpo não é encontrado. Cerca de 20 ou 25 anos depois, seu filho, que era um garoto quando o pai morreu e também se tornou esquiador, parte em uma expedição na mesma região. Sozinho na montanha, a quilômetros e quilômetros de distância de outra vida humana, ele se depara com o corpo do pai, em perfeito estado pois foi encapsulado em um bloco gelo. O que mais marca o narrador é o fato de o filho estar mais velho do que seu pai chegou a ficar.

Pela minha interpretação, a narrativa simboliza como o jovem tem de continuar sua caminhada pelo gelo e pelas montanhas sozinho, dando passos na vida que seu pai jamais deu, pois nunca chegou tão longe. Tendo superado o pai – ou seja, vivido mais – o filho esquiador se sente desassistido, angustiado ao ter de encontrar o próprio caminho sem as marcas trilhadas pelo ski de seu pai. 

Relação pai e filho

Ao meu ver, essa história faz uma analogia da profunda relação referencial que um pai pode exercer sobre seu filho. Inclusive acredito que influencie em muitas das nossas dificuldades em rever valores e superar paradigmas. Muitas vezes, ao repensar certas atitudes, lá no fundo, percebo algum resquício da formação dada pelo meu pai. E superar determinados ensinamentos equivale a criar os próprios trilhos sobre a neve intocada.

Isso talvez ajude a explicar porque precisamos sempre da aprovação dos nossos pais. Para seguirmos em frente, precisamos da comprovação constante de que estamos no caminho certo. O que explica por que continuo a enviar para o meu pai, há mais de 15 anos, todos os textos que publico em revistas, jornais e livros. Aproximando-me dos 40 anos, ainda preciso do reconhecimento dele. E que ele aprove o uso que estou fazendo do seu sobrenome.

Presença do pai

Mais do que isso, percebo o quanto do meu pai está presente em quem eu sou, na minha visão de mundo. “Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos, nós ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”, já escreveu Belchior na letra de Como Nossos Pais, imortalizada por Elis Regina em 1976.

Existe um título referencial na obra do psicanalista Jen Laplanche, Hölderlin e a Questão do Pai (1961), na qual o intelectual francês analisa a vida e a obra de Friedrich Hölderlin (1770–1843), poeta lírico de espírito contestador e filósofo que ajudou a atualizar o pensamento da Antiguidade Clássica, sob a ótica da influência da figura paterna sobre sua vida e sua obra. Laplanche aponta os momentos de ruptura de Hölderlin com o pai como fundamentais para o encontro de sua voz e de sua vocação, assim como de suas conclusões baseadas em reinterpretações de pensamentos estabelecidos.

Aprendizado

Ou seja, o poeta alemão só aprendeu a “esquiar com as próprias pernas” a partir do momento em que abriu mão da zona de conforto que representavam seus valores parentais. E, ao meu ver, é algo que todos deveríamos assimilar. Entender o apoio e as diretrizes dos pais como um empurrão inicial. Cabe a nós aprender com eles e tentar ressignificá-los conforme nos equilibramos em direção ao cume da montanha, que nunca permanece a mesma.

Nossos pais trilharam um caminho antes. O que não significa que não possamos dar continuidade da nossa própria maneira.

Tags:
FamíliapaisPaternidade
Top 10
Ver mais
Boletim
Receba Aleteia todo dia