Aleteia logoAleteia logoAleteia
Terça-feira 23 Abril |
Aleteia logo
Atualidade
separateurCreated with Sketch.

Caritas prepara-se para o que pode ser o pior de uma pandemia

BRAZIL

NELSON ALMEIDA | AFP

Silvia Costantini - publicado em 27/08/20

A organização internacional de caridade da Igreja Católica está mobilizada para ajudar os necessitados diante do aumento das taxas de fome e outras questões urgentes

A emergência global por causa da pandemia do coronavírus vitimiza não apenas aqueles que contraem a doença, mas também os afetados pela crise econômica.

Isso é verdade especialmente nos países mais pobres, onde as consequências do vírus são realmente inimagináveis ​​para milhões de pessoas.

Nós conversamos com Aloysius John, secretário-geral da Caritas Internationalis, a organização que coordena as Caritas nacionais e regionais em todo o mundo.

As repercussões secundárias da pandemia podem ser ainda mais complicadas e mortais do que o impacto do vírus em si, especialmente para as comunidades mais vulneráveis ​​nos países mais pobres. Como a Caritas está enfrentando esta emergência?

Aloysius John: O primeiro semestre de 2020 foi um pesadelo para nosso mundo globalizado. A COVID 19, declarada pandemia, tornou o mundo inteiro vítima do vírus. Centenas de milhares de pessoas morreram em todo o mundo, e o mundo globalizado passou a atuar solidariamente contra a pandemia. Pegos de surpresa, políticos e cientistas passaram a propor – ou, em alguns casos, impor – certo número de comportamentos sociais: confinamento da população, fechamento de fronteiras, medidas sanitárias importantes e distanciamento social tornaram-se a norma. Os cidadãos tornaram-se conscientes da existência do outro, e do outro como sendo uma ameaça, porque ele poderia transmitir o vírus.

As pessoas deixaram seus métodos normais de trabalho para adotar novas formas de trabalhar, adquirindo novos hábitos de trabalho. O trabalho inteligente, o teletrabalho, o trabalho em casa etc. começaram a se tornar a nova modalidade em um contexto onde tudo era incerto, exceto uma coisa: um futuro desconhecido e para onde o vírus nos conduziria.

“O pior ainda não chegou; serão as consequências da pandemia”, disse o Papa Francisco quando o encontramos em março. “Devemos nos preparar para o futuro. Isso tem de ser feito hoje e deve preocupar a todos nós”, ele insistiu.

Temos certeza de que o impacto da Covid-19 e o que essa pandemia vai produzir será o desafio mais importante. O Programa Mundial de Alimentos já anunciou que haverá um problema de insegurança alimentar para mais de 300 milhões de pessoas afetadas pela fome no futuro próximo. O crescimento dos países em desenvolvimento será seriamente afetado como consequência da recessão econômica no hemisfério norte.

Aloysius-John-Caritas-Internationalis-e1598020210106.jpeg

Devemos nos preparar para o futuro. Isso tem que ser feito hoje e deve preocupar a todos nós. As atividades agrícolas estão paralisadas devido à dificuldade de trabalho durante o período de confinamento. Os mais pobres serão os mais afetados, e isso leva ao empobrecimento dos mais vulneráveis. O acesso a serviços básicos, como assistência médica e cuidados básicos de saúde para os mais vulneráveis também serão uma grande preocupação. A Covid-19 deve ser um novo começo, onde os mais pobres recebem cuidados, onde suas necessidades básicas são atendidas com prioridade, para que eles vivam com dignidade.

Quais foram as ações da Caritas Internationalis para responder à emergência da COVID-19?

A Caritas Internationalis, junto com o Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, empreendeu um certo número de atividades para responder à Covid-19.

Em primeiro lugar, o Fundo de Resposta da Covid foi criado para apoiar projetos para as comunidades mais vulneráveis ​​nos países mais pobres. Isto foi em resposta ao apelo do Papa Francisco para testemunhar através de gestos concretos a solidariedade da Igreja Católica.

Até hoje, cerca de 30 projetos foram financiados. Por meio desses fundos, a Caritas local implementou diversos tipos de atividades de conscientização e distribuição de alimentos, bem como cuidados de saúde, através de kits de higiene, itens sanitários etc.

Outra área em que a Cáritas está se concentrando hoje é a promoção de ações de defesa de direitos que abordem a crise econômica pós-Covid-19 de um ponto de vista de justiça social.

Hoje é hora de ser ágil e agir com convicção, pedindo o cancelamento ou a redução da dívida internacional e usando esses recursos para o desenvolvimento comunitário local. As organizações religiosas, especialmente os escritórios da Caritas, estão bem posicionados e podem ser protagonistas eficazes na promoção do microdesenvolvimento local por meio desses fundos. A Caritas empreenderá atividades de defesa de direitos neste campo, motivando os tomadores de decisão a se engajarem neste sentido.

Se olharmos para as últimas três décadas, há três momentos importantes que influenciaram as atividades humanitárias.

Em 1992, o ciclone de Chittagong e as ondas gigantes em Bangladesh trouxeram a noção de preparação para desastres e, com o passar do tempo, tornaram-se parte do campo de resposta humanitária.

O superciclone e o terremoto de Gujarat mais tarde deram um passo adiante, integrando a preparação para desastres, colocando ênfase nas fases de socorro, reabilitação e desenvolvimento local. Este foi um passo importante para olhar as atividades de desenvolvimento de uma perspectiva diferente. O terceiro momento foi a experiência do Tsunami e este foi um grande passo adiante nos sistemas de ajuda.

Trabalhando com a Caritas, o senhor foi diretor de operações no pós-tsunami na Ásia, enfrentando a devastação dessa tragédia de 2004. Estamos enfrentando agora uma espécie de tsunami mundial. Conforme mencionado, o Programa Mundial de Alimentos projeta em todo o mundo que o número de pessoas à beira da fome dobrará como resultado da Covid-19 e poderá atingir 230 milhões de pessoas. Quais são as lições que o senhor aprendeu com o tsunami que o ajudarão a enfrentar a situação atual?

Aloysius John: A experiência do tsunami foi importante porque foi uma síntese de tudo o que foi feito desde o início dos anos 90, levando a uma reflexão sobre a redução do risco de desastres. Responsabilização para com os beneficiários, a importância de fortalecer os protagonistas locais e, em uma frase, uma resposta aos desastres centrada nas pessoas, um resposta integral, porque leva em consideração o meio ambiente. A experiência do tsunami promoveu a ideia de implementar a ação certa para as necessidades relevantes das pessoas.

Agora, a Covid-19 está nos exigindo um passo adiante. Esta emergência traz à tona a necessidade de fortalecer os atores locais no hemisfério sul e também de construir uma relação de confiança.

Agora há consciência de que a resposta a desastres ou os projetos de desenvolvimento não podem ser fruto da imaginação do hemisfério norte e, em segundo lugar, a Covid-19 também destacou que a resposta a desastres deve ser empreendida em um espírito de corresponsabilidade. Deve ser dada prioridade aos atores locais que devem ser fortalecidos para pensar, desenvolver e implementar tecnicamente seus próprios projetos, envolvendo as comunidades locais.

O futuro da lógica humanitária será diferente, com mais espaço e lugar para o Sul Global desempenhar seu legítimo papel.

Isso também fará com que os atores humanitários tradicionais do Norte definam seu papel no novo paradigma de parceria.

A resposta à Covid-19 precisará de mais meios e vontade política para lidar com a pandemia, mas infelizmente os meios disponíveis estão longe de ser suficientes e é necessário continuar o pedido de unir as mãos com a Caritas e outras organizações para apoiar os mais vulneráveis.

Como o senhor decidiu dedicar sua vida ao serviço dos mais necessitados por meio da Caritas?

Aloysius John: Tudo remonta ao final dos anos 70. Em 1977, Vijayawada (Andhra Pradesh, Índia) foi afetada por uma tempestade seguida por maremotos, e o número de mortos foi bastante alto. Alguns de meus amigos mais velhos foram ajudar os mais pobres. O padre Ceyrac, um jesuíta francês que eu conhecia bem, estava na linha de frente organizando o apoio às vítimas. Sua motivação para a ação foi: “como pode uma pessoa encontrar felicidade e realização quando seu irmão está sofrendo e passando tribulação?” Suas palavras-chave para empreender ações humanitárias eram “compaixão, serviço, capacitação”.

Um dia, em 1978, estávamos discutindo a resposta de Vijayawada e ele explicou o seguinte: “o desejo de servir vem da compaixão e do serviço com compaixão, fortalecendo aquele a quem é servido. Uma vez que a pessoa está capacitada, vemos que ela recuperou a dignidade”. Isso ainda me orienta em minha missão na Caritas.

Em 1980, entrei para um centro caritas em Chennai para ajudar os mais pobres dos pobres, os leprosos e seus filhos. O slogan deste centro era “ninguém tem o direito de ser feliz sozinho”. Essas reflexões me ajudaram a chegar aos mais pobres e servi-los. Foi o encontro com os pobres, o encontro com aqueles que ficam à margem da sociedade que alimentou os meus valores e deu sentido à minha fé. Posso dizer que o encontro com os pobres leva à conversão e à transformação de nós mesmos e de nossas atitudes.

O serviço aos irmãos mais pobres tornou-se parte integrante da minha fé e ainda hoje anima e condiciona a minha atitude profissional.

Qual foi o momento mais comovente de sua vida ao servir na Caritas?

Aloysius John: O momento mais comovente em meu serviço na Caritas é quando vejo as comunidades que foram ajudadas se tornarem autônomas e capacitadas. Aí se sente um sentimento de realização, porque a comunidade encontrou a sua dignidade humana e pode viver plenamente a sua vocação de ser humano. A experiência mais comovente foi o desenvolvimento das tribos Chakma, em Chittagong Hill Tract, Bangladesh. Apoiei esse projeto com a Caritas Bangladesh de 1989 a 1995. Encontrei essas comunidades muitas vezes e pude ver seu crescimento e desenvolvimento concretos.

Como a Caritas faz a diferença no mundo hoje?

Aloysius John: A Caritas está além de uma organização de desenvolvimento ou de uma ONG. É o serviço da Igreja com uma visão clara. O Papa Bento XVI escreveu: a diaconia ou a obra da Caridade é parte integrante das três missões da Igreja Católica. A liturgia, a proclamação do Evangelho e a obra da Caridade estão inter-relacionadas e se pressupõem. A obra da Caridade é a missão confiada à Caritas.

A finalidade desta missão confiada pela Igreja é servir, acompanhar, defender e expressar a solidariedade e o amor por meio de ações concretas em projetos ou outras atividades. Isso é exatamente o que estamos fazendo como resposta à pandemia da Covid-19.


POPE FRANCIS

Leia também:
O que a Igreja Católica faz para ajudar mães estupradas e seus bebês?


ST. BARTHOLOMEWS HOSPITAL

Leia também:
Como a Igreja Católica fundou os hospitais mais antigos do mundo, uma tradição que continua até hoje

Tags:
CaridadeCovidPandemiaPobrezasolidariedade
Top 10
Ver mais
Boletim
Receba Aleteia todo dia