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A alta do preço do arroz e a companhia de Cristo

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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 13/09/20

A falta de um desenvolvimento humano integral, que chega a todos e em todas as dimensões de suas vidas, cria uma economia frágil

Um dos temas “quentes” da semana no Brasil foi a alta do custo de vida, puxado pelos preços dos alimentos – em particular, o aumento do preço do arroz. Como para tantas outras coisas na vida, podemos nos perguntar se a reflexão cristã tem algo a dizer sobre esse assunto. Pretender que a doutrina social católica responda a questões de nosso cotidiano, como a economia das famílias e do País, seria um fundamentalismo irracional. Para enfrentar esses problemas, precisamos de instrumentos técnicos e conceituais fornecidos pelas ciências e de nosso discernimento cotidiano (cf. Caritas in veritate, CV 31-32).  Contudo, a sabedoria amadurecida pela Igreja ao longo dos séculos, com certeza nos ajudará a olhar a questão com uma postura humana mais adequada.

Partir da realidade

Como sempre, nosso primeiro passo deve ser tentar entender a realidade tal qual ela é, sem preconceitos, estereótipos ou visões ideológicas distorcidas. O cristão deve partir da realidade e não das ideias preconcebidas. Dizer que os preços aumentaram porque os comerciantes são desonestos e só pensam em lucro seria uma dessas ideias estereotipadas, pois se fosse assim os preços nunca parariam de subir. Imaginar que existe uma “racionalidade econômica” que se sobrepõem a todo compromisso ético e toda vontade política também seria ideológico, pois negaria a liberdade humana.

O aumento de preços atual tem duas causas principais. O alto valor do dólar torna as exportações de alimentos muito rendosas para os produtores e, indiretamente, levam ao aumento do preço no mercado interno. Por outro lado, o auxílio emergencial dado pelo governo – em função da pandemia do coronavírus – fez com que a população de mais baixa renda pudesse comprar mais alimentos da cesta básica. Demanda maior e preços atrelados ao dólar levaram a um aumento do custo desses produtos para a população.

Diante dessa situação, o governo tem caminhado em duas direções bem diferentes. A Secretaria Nacional do Consumidor notificou representantes de supermercados e produtores para que explicassem esses aumentos na cesta básica, pois podem receber pesadas multas se os preços forem considerados abusivos. Já a Câmara de Comércio Exterior zerou o imposto sobre a importação de arroz até o final do ano. Uma decisão reflete uma política mais intervencionista, a outra uma política mais “pró-mercado”. As duas posições são alvo de apoios e críticas e seria ideológico optar entre uma alternativa ou outra com base apenas na doutrina da Igreja.

Um juízo ético e uma visão integral

Essa situação revela, contudo, a fragilidade estrutural tanto da sociedade quanto da economia de nosso País. Como pode acontecer de um auxílio emergencial, uma providência anormal e precária, levar a um aumento do consumo de alimentos da cesta básica por parte da população? Que dignidade é reconhecida ao trabalhador se sua remuneração é tão baixa que ele não pode, com o suor de seu rosto, nem mesmo alimentar satisfatoriamente sua família? Trata-se de uma situação injusta, condenada tanto nos primórdios da Igreja quanto pelo magistério atual (cf. Tg 5, 4; Compêndio da Doutrina Social da Igreja, CDSI 302, 328-329).

Os mercados reais não funcionam como aqueles ideais de algumas teorias econômicas e realmente tanto precisam ser respeitados em sua dinâmica interna quanto acompanhados pelo Estado para não se tornarem promotores de injustiças sociais (cf. CDSI 335, 347-354). Porém, esse aumento de preços da cesta básica mostra não só um problema dos mercados, mas uma fragilidade estrutural de nossa sociedade e de nossa economia. A falta de um desenvolvimento humano integral, que chega a todos e em todas as dimensões de suas vidas, cria uma economia frágil, excessivamente dependente do contexto internacional, com uma produção pouco eficiente e trabalhadores mal remunerados. Por isso, a resposta última que a sabedoria cristã dá para uma situação como essa é o desenvolvimento humano integral e solidário (cf. CV 4, 9).

Estar perto de Cristo

Para o cristão, esse tipo de reflexão não é apenas uma análise socioeconômica ou a busca por um posicionamento político. Tem esses significados, mas é também uma ocasião de estar mais perto de Cristo. Nada está fora do âmbito de nosso encontro com Ele, que nos acompanha em todas as coisas da vida, com seu amor, por meio da sabedoria e dos ensinamentos da Igreja, com a companhia fraterna da comunidade.  Até a alta do preço do arroz é uma ocasião para nos descobrirmos vizinhos Àquele que anunciou que “até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados” (Mt 10, 30) e a indignação do próprio Deus diante do rico que não se importava com o sofrimento do mendigo Lázaro (Lc 16, 10-31).

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