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Coronavírus revelou “um certo analfabetismo espiritual”, diz bispo

DOM MARIO GRECH

Matthew Mirabelli | AFP

I. Media - publicado em 20/10/20

“É curioso que muitas pessoas tenham reclamado de não poder receber a comunhão e celebrar funerais na igreja, mas não tantos se preocuparam em como se reconciliar com Deus e com o próximo”, disse Dom Mario Grech

“Analfabetismo espiritual”, “clericalismo”, “fé imatura”: dom Mario Grech, o novo Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos, faz um olhar muito crítico sobre a atitude de muitos católicos durante a crise do coronavírus, em uma longa entrevista a Civiltà Cattolica (14 de outubro de 2020). Para ele, a Igreja deve aprender as lições do confinamento, mudando seus “modelos pastorais” e reabilitando a “Igreja doméstica”.

O ex-presidente da Conferência Episcopal de Malta (de 2013 a 2016) foi nomeado em outubro de 2019 como Pró-Secretário Geral do Sínodo dos Bispos, e depois Secretário em setembro passado. Nesta qualidade, recebeu do Papa Francisco a tarefa de preparar o Sínodo sobre a sinodalidade que se realizará em 2022.

Igreja, sínodo é coronavírus

“Durante a pandemia, surgiu um certo clericalismo, inclusive nas redes sociais. Testemunhamos um grau de exibicionismo e pietismo que tem mais a ver com magia do que uma expressão de fé madura”, disse o bispo Grech na entrevista.

“Alguns até disseram que a vida da Igreja foi interrompida! E isso é realmente incrível. Na situação que impedia a celebração dos sacramentos, não percebíamos que havia outras formas de vivenciar Deus”, lamenta. Ele acrescenta que “o fato de muitos padres e leigos terem entrado em crise porque de repente nos encontramos na situação de não podermos celebrar a Eucaristia em público é em si muito significativo”.

Indo mais longe, ele acha “curioso que muitas pessoas tenham reclamado de não poder receber a comunhão e celebrar funerais na igreja, mas nem tantas se preocuparam em como se reconciliar com Deus e com o próximo, como ouvir e celebrar a Palavra de Deus e como viver uma vida de serviço.”

“A Eucaristia não é a única possibilidade que o cristão tem de experimentar o mistério e encontrar o Senhor Jesus”.

Contexto eucarístico

Embora recordando que a Eucaristia é “a fonte e o ápice da vida cristã”, Dom Grech sublinha, no entanto, que não é a única possibilidade que os cristãos têm de encontrar Jesus. Ele cita Paulo VI, que ensinou que na Eucaristia, a presença de Cristo é real, não por exclusão, como se as outras não fossem reais.

Para Grech, portanto, “é preocupante que alguém se sinta perdido fora do contexto eucarístico ou de culto, pois mostra uma ignorância de outras formas de se envolver com o mistério”, “um certo analfabetismo espiritual”, e também “prova da inadequação da prática pastoral atual.”

Em seguida, ele expressa sua convicção de que é “muito provável que, no passado recente, nossa atividade pastoral tenha procurado conduzir aos sacramentos e não conduzir – por meio dos sacramentos – à vida cristã”.

Oportunidade de melhorar

Seguindo os passos do Papa Francisco, o novo Secretário Geral do Sínodo dos Bispos acredita que a pandemia do coronavírus deve ser reconhecida como uma oportunidade para a Igreja que oferece uma possibilidade de renovação. “Será suicídio se, depois da pandemia, voltarmos aos mesmos modelos pastorais que temos praticado até agora”, disse ele.

Na verdade, a crise levou à descoberta de “uma nova eclesiologia, talvez até uma nova teologia, e um novo ministério”, disse ele. Em primeiro lugar, esta experiência confirmou que o serviço aos doentes e aos pobres é uma forma eficaz de os cristãos viverem a sua fé, “refletindo uma Igreja presente no mundo de hoje, e não mais uma ‘Igreja da sacristia’, retirada das ruas, ou um conteúdo para projetar a sacristia para a rua.”

Em segundo lugar, este período de confinamento permitiu que as famílias compreendessem sua vocação e “desenvolvessem seu próprio potencial”. Nesse sentido, afirma que a crise deve levar a “reabilitar a Igreja doméstica e dar-lhe mais espaço”. Viver a Igreja “nas nossas famílias” constitui, para o bispo maltês, “a premissa válida da nova evangelização”. Ele enfatiza que “se a Igreja doméstica falhar, a Igreja não pode existir. Se não houver Igreja doméstica, a Igreja não tem futuro!”

A Igreja doméstica, vítima do clericalismo histórico?

O ex-bispo de Gozo (Malta) acredita que esta noção de Igreja doméstica, embora enfatizada pelo Concílio Vaticano II, foi, sem dúvida, vítima de um perverso clericalismo. Nesse sentido, ele traça essa “virada negativa” na concepção da Igreja doméstica desde o século IV, “quando ocorria a sacralização dos padres e bispos, em detrimento do sacerdócio comum do batismo”.

Segundo ele, “quanto mais avançava a institucionalização da Igreja, mais a natureza e o carisma da família como Igreja doméstica reduziu-se.”

No final, enquanto “muitos ainda não estão convencidos” do carisma evangelizador da família e de sua “criatividade missionária”, Dom Grech está convencido do contrário. Enfim, os esposos são “capazes de encontrar uma nova linguagem teológico-catequética para o anúncio do Evangelho da família”. E ele cita o Papa Francisco: Deus confiou à família não a responsabilidade pela intimidade como um fim em si mesma, mas o emocionante projeto de tornar o mundo “doméstico”.




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