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Expressões do Papa

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Antoine Mekary | ALETEIA

Dom Fernando Arêas Rifan - publicado em 05/11/20

Os meios de comunicação, com que intenção só Deus sabe, ignorando os graus de autoridade de palavras pontifícias, insinuam que toda palavra do Papa é magisterial, induzindo o povo a pensar desse modo. Mas não é assim

Certas afirmações contidas no documentário “Francesco” do cineasta Evgeny Afineevsky suscitaram interpretações controversas. Por isso, para uma adequada compreensão das palavras do Papa, a Secretaria de Estado do Vaticano emitiu o seguinte comunicado: 

“Há mais de um ano, durante uma entrevista, o Papa Francisco respondeu a duas perguntas diferentes e em dois momentos diferentes, as quais foram editadas e publicadas no mencionado documentário como uma só resposta sem a devida contextualização, o que gerou confusão. O Santo Padre tinha feito em primeiro lugar uma referência pastoral a respeito da necessidade de que, no seio da família, o filho ou a filha com orientação homossexual jamais sejam discriminados. A eles se referem as palavras: ‘as pessoas homossexuais têm direito a estar na família; são filhos de Deus, têm direito a uma família. Não se pode expulsar ninguém da família nem tornar-lhe a vida impossível por isso’”.

“O seguinte parágrafo da Exortação apostólica pós-sinodal sobre o amor na família Amoris Laetitia (2016) pode iluminar tais expressões: ‘Com os Padres sinodais, examinei a situação das famílias que vivem a experiência de ter no seu seio pessoas com tendência homossexual, experiência não fácil nem para os pais nem para os filhos. Por isso desejo, antes de mais nada, reafirmar que cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito, procurando evitar ‘qualquer sinal de discriminação injusta’ e particularmente toda a forma de agressão e violência. Às famílias, por sua vez, deve-se assegurar um respeitoso acompanhamento, para que quantos manifestam a tendência homossexual possam dispor dos auxílios necessários para compreender e realizar plenamente a vontade de Deus na sua vida’ (N. 250)”.

Sem dúvida, o Papa quis expressar aqui a atitude do Pastor que acolhe todas as pessoas como amadas por Deus, quaisquer que sejam a sua história e comportamento. Como uma Mãe, a Igreja exprime a sua preocupação pastoral por todos e recusa julgar as pessoas, proibindo-se de reduzir um homem ou uma mulher a seus atos.

“Uma pergunta sucessiva da entrevista era, entretanto, sobre uma lei local na Argentina, proposta há dez anos, sobre os ‘matrimônios igualitários de casais do mesmo sexo’ e à oposição do então Arcebispo de Buenos Aires a respeito. A este propósito o Papa Francisco afirmou que ‘é uma incongruência falar de matrimônio homossexual’, acrescentando que, nesse mesmo contexto, tinha falado do direito destas pessoas a ter certa cobertura legal: ‘o que temos que fazer é uma lei de convivência civil; têm direito a estar cobertos legalmente. Eu defendi isso’. O Santo Padre havia se expressado da seguinte forma durante uma entrevista de 2014: “O matrimônio é entre um homem e uma mulher. Os Estados laicos querem justificar as uniões civis para regular diversas situações de convivência, movidos pela exigência de regular aspectos econômicos entre as pessoas, como por exemplo assegurar a assistência sanitária. Trata-se de pactos de convivência de diferente natureza, dos quais não saberia dar um elenco das distintas formas. É necessário ver os diversos casos e avaliá-los em sua variedade”. Portanto, é evidente que o Papa Francisco se referia a certas disposições dos Estados e, de nenhuma maneira, à doutrina da Igreja, numerosas vezes reafirmada no curso dos anos”.

Completando e explanando essa nota da Santa Sé, constatamos que a palavra pronunciada pelo Papa Francisco sobre o reconhecimento legal de uma “convivência civil” para pessoas do mesmo sexo, tem causado, infelizmente, problemas e diferentes interpretações entre muitos fiéis católicos, padres e leigos. 

Somos católicos, filhos da Igreja, colocados sob a autoridade do Papa com o qual estamos em plena comunhão, o qual amamos e respeitamos como Vigário de Cristo na terra e sucessor de São Pedro, colocado por Jesus como o Pastor supremo da sua Igreja neste mundo. 

Mas a doutrina da Igreja ensina que há vários graus de autoridade no seu ensino, que resultam em diferentes formas de adesão por parte dos fiéis. Há os ensinamentos do Papa, em matéria de fé e de moral, quando fala de maneira solene, ex cathedra, como Pastor e supremo doutor de todos os fiéis, gozando então da infalibilidade. Tem também infalibilidade o Magistério do Colégio Episcopal em união com o Papa, quando, em matéria de fé ou de moral, propõem alguma verdade de modo definitivo: é o Magistério ordinário e universal. Há ainda o ensinamento do Papa ou do Colégio Episcopal, chamado Magistério (simplesmente) autêntico, quando não propõem um ensinamento como sentença definitiva. Aos dois primeiros tipos de ensinamento, respondemos com atos de Fé inabalável. Aos ensinamentos reformáveis do Magistério autêntico do Papa ou Colégio Episcopal, devemos a adesão e o respeito religioso. 

Os meios de comunicação, com que intenção só Deus sabe, ignorando os graus de autoridade de palavras pontifícias, insinuam que toda palavra do Papa é magisterial, induzindo o povo a pensar desse modo. Mas não é assim. 

As presentes expressões do Papa não constituem um exercício do Magistério, nem infalível nem (simplesmente) autêntico no sentido teológico, mas de uma simples entrevista, ou montagem de várias respostas, na qual o Papa teria apresentado a sua opinião. O Papa Francisco não pretendeu dar a essas expressões o peso da sua autoridade de Sucessor de Pedro, a quem Cristo confiou precisamente a missão de confirmar os seus irmãos na fé. São apenas a expressão de uma opinião particular respeitável.

Por essas suas palavras, estritamente falando, na melhor interpretação, o Papa não legitimou o “casamento homossexual”, nem deu um estatuto às famílias homo parentais. 

Compreendidas na mesma linha das declarações magisteriais papais e da Congregação para a Doutrina da Fé, são a confirmação da doutrina católica já explicitada várias vezes. 

Mas, conforme quiseram alguns, se compreendidas no sentido de uma aprovação de um matrimônio civil para homossexuais, estariam em contradição com o Magistério da Igreja, inclusive dele mesmo, o Papa Francisco. Nesse caso, prevalecem as declarações magisteriais. 

Embora permanecendo fiel à Sé Apostólica e preservando a priori uma atitude de benevolência filial em relação ao ensinamento do Papa, uma vez que o Magistério não está formalmente comprometido nessas expressões, é, portanto, legítimo expressar respeitosamente o desacordo, na medida em que se queira atribuir à expressão “convivência civil” o significado de reconhecimento de atos homossexuais ou aprovação de um “casamento civil” dos homossexuais. 

O QUE NOS ENSINA SOBRE ISSO O MAGISTÉRIO ORDINÁRIO E UNIVERSAL DA IGREJA

“A homossexualidade designa as relações entre homens ou mulheres, que experimentam uma atração sexual exclusiva ou predominante para pessoas do mesmo sexo. Tem-se revestido de formas muito variadas, através dos séculos e das culturas. A sua gênese psíquica continua em grande parte por explicar. Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves, a Tradição sempre declarou que ‘os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados’ (Congregação da Doutrina da Fé, Decl. Persona humana, 8: AAS 68 (1976) 95). São contrários à lei natural, fecham o ato sexual ao dom da vida, não procedem duma verdadeira complementaridade afetiva sexual, não podem, em caso algum, ser aprovados” (Catecismo da Igreja Católica -1992 – n. 2357).

O Catecismo se abstém de julgar as pessoas e nos convida, pelo contrário, a recebê-las com respeito e benevolência: “Um número considerável de homens e de mulheres apresenta tendências homossexuais profundamente radicadas. Esta propensão, objetivamente desordenada, constitui, para a maior parte deles, uma provação. Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á, em relação a eles, qualquer sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar na sua vida a vontade de Deus e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar devido à sua condição” (n. 2358).

É nesse sentido que o Papa Francisco se exprimiu no avião que o trouxe de volta do Rio de Janeiro, em julho de 2013: “Se uma pessoa é gay e busca o Senhor, demonstra boa vontade, quem sou Eu para julgá-la? O catecismo da Igreja Católica explica isso de uma maneira muito bonita”. 

A identidade de um homem ou de uma mulher não resulta da sua orientação sexual, mas da sua dignidade de “imagem de Deus”, e neste sentido sempre amada por Deus e extremamente respeitável. Se a Igreja não julga as pessoas, não obstante, julga a qualidade moral das ações, sem jamais encerrar a pessoa em suas ações, confiante na capacidade de progresso de toda pessoa humana, em virtude da sua liberdade fundamental que nunca lhe pode ser negada, sem reduzi-la completamente às tendências que realmente não escolheu. 

“A Igreja ensina que o respeito para com as pessoas homossexuais não pode levar, de modo nenhum, à aprovação do comportamento homossexual ou ao reconhecimento legal das uniões homossexuais. O bem comum exige que as leis reconheçam, favoreçam e protejam a união matrimonial como base da família, célula primária da sociedade. Reconhecer legalmente as uniões homossexuais ou equipará-las ao matrimónio, significaria, não só aprovar um comportamento errado, com a consequência de convertê-lo num modelo para a sociedade atual, mas também ofuscar valores fundamentais que fazem parte do património comum da humanidade. A Igreja não pode abdicar de defender tais valores, para o bem dos homens e de toda a sociedade” (Nota da Congregação para a Doutrina da Fé – ano 2003 – Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais –  Assinada pelo Cardeal Ratzinger e aprovada pelo Papa Sã João Paulo II).

Fiel ao ensinamento da Igreja, o Papa Francisco, aqui sim em declaração magisterial, escreve na sua exortação apostólica AMORIS LAETITIA (2015): “A Igreja conforma o seu comportamento ao do Senhor Jesus que, num amor sem fronteiras, Se ofereceu por todas as pessoas sem exceção. Com os Padres sinodais, examinei a situação das famílias que vivem a experiência de ter no seu seio pessoas com tendência homossexual, experiência não fácil nem para os pais nem para os filhos. Por isso desejo, antes de mais nada, reafirmar que cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito, procurando evitar ‘qualquer sinal de discriminação injusta’ e particularmente toda a forma de agressão e violência. Às famílias, por sua vez, deve-se assegurar um respeitoso acompanhamento, para que quantos manifestam a tendência homossexual possam dispor dos auxílios necessários para compreender e realizar plenamente a vontade de Deus na sua vida (n. 250). No decurso dos debates sobre a dignidade e a missão da família, os Padres sinodais anotaram, quanto aos projetos de equiparação ao matrimônio das uniões entre pessoas homossexuais, que não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família. É ‘inaceitável que as Igrejas locais sofram pressões nesta matéria e que os organismos internacionais condicionem a ajuda financeira aos países pobres à introdução de leis que instituam o ‘matrimônio’ entre pessoas do mesmo sexo’ (n. 251)”.


Papa Francisco

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