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A profecia de São Malaquias sobre os papas é verdadeira?

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Luis Santamaría - publicado em 10/11/20

O santo bispo medieval irlandês escreveu a lista profética? Será que estamos mesmo diante do fim da Igreja?

1. São Malaquias existiu realmente e é reconhecido como santo pela Igreja Católica

Diante do risco de classificar todo episódio histórico pouco claro como legendário, a primeira coisa a ser afirmada é que São Malaquias de Armagh, bispo irlandês, é um personagem histórico. O resumo que o Martirologio Romano (catálogo dos santos reconhecidos pela Igreja Católica) faz no dia da sua memória litúrgica, dia 2 de novembro, é o seguinte: “No mosteiro de Clairvaux, na Borgonha, está a sepultura de São Malaquias, bispo de Down e Connor, na Irlanda, que restaurou lá a vida da Igreja; quando se dirigia a Roma, estando neste mosteiro, e em presença do abade São Bernardo, entregou seu espírito ao Senhor (1148)”.

Em um momento difícil para a Igreja na Irlanda, depois de alguns anos de violentas incursões dos bárbaros e de um grande descuido da fé e dos bons costumes, o jovem Malaquias foi ordenado sacerdote, após ter vivido com um eremita. Destacou-se por seu espírito de pobreza e pelo seu zelo evangélico, tornando-se uma referência na vida monástica da sua época; aos 30 anos, foi nomeado bispo de Down e Connor.

Mais tarde, teve de encarregar-se da sede metropolitana de Armagh, enfrentando muitas dificuldades; e quando conseguiu instaurar a paz, voltou à sua antiga diocese. Em uma viagem a Roma, ao passar por Claraval, conheceu São Bernardo e este acabou virando amigo e admirador seu, chegando a escrever sua biografia. Em outra das suas viagens, acabou falecendo, em 1148, precisamente em Claraval, nos braços do iniciador do Cister, que o honrou como santo. Foi canonizado em 1199.

2. São Malaquias foi considerado um santo, visionário e responsável por muitos milagres. Entre suas profecias, foi-lhe atribuída uma lista dos papas desde a sua época até o fim do mundo

Em sua hagiografia, aparecem vários milagres e predições, entre as quais destacam-se a da sua própria morte e algumas sobre a Igreja da sua época, bem como sobre a sua pátria. No entanto, seu nome é vinculado atualmente a uma profecia sobre o papado, que se torna atual em momentos como este, quando se dá a sucessão na sede episcopal de Roma. Trata-se de uma lista de 112 papas, compreendendo o período que vai de Celestino II (que inaugurou seu pontificado em 1130) até o fim do mundo. O mais interessante e enigmático deste vaticínio é que cada papa aparece com um breve lema em latim, o que supostamente reflete sua personalidade ou as circunstâncias históricas do seu ministério.

Assim, se levarmos em consideração os lemas que corresponderiam aos últimos papas, encontraremos “Pastor angelicus” para Pio XII, “Pastor et nauta” para João XXIII, “Flos florum” para Paulo VI, “De medietate lunae” para João Paulo I, “De labore solis” para João Paulo II e, finalmente, “Gloria olivae” para Bento XVI. O último pontífice, número 112, tem como lema “Petrus romanus”, e o texto da profecia é mais explícito que no resto do catálogo: “Na perseguição final da Santa Igreja Romana, reinará Pedro o Romano, quem alimentará seu rebanho em meio a muitas tribulações. Depois disso, a cidade das sete colinas será destruída e o temido juiz julgará seu povo. O fim”. Certamente inquietante.

3. A primeira atribuição da lista de papas a São Malaquias data de finais do século XVI, quase 450 anos depois da sua morte – e tudo indica que ela é falsa

Aqui encontramos algo semelhante ao que acontece com a célebre oração “Fazei de mim um instrumento da vossa paz”, atribuída a São Francisco de Assis – ainda que o texto tenha sido conhecido apenas no século XIX. A primeira aparição da lista de papas, supostamente escrita por São Malaquias, data do ano 1595, quase 450 anos depois da morte do prelado irlandês. Não existe nenhum texto anterior nem, certamente, um manuscrito original ou algo do gênero. Um historiador beneditino, Arnold de Wyon, foi quem publicou o texto profético em 1595, chamando-o de “Uma certa profecia” e atribuindo-o a São Malaquias.

Existem várias razões de peso, além do que já foi dito, para rejeitar a autoria. Por exemplo, o principal biógrafo do arcebispo, São Bernardo de Claraval, conta, em sua obra, os milagres e predições, mas nem sequer menciona a lista de papas. Nenhum autor anterior a 1595 o faz. Não temos dados para rastrear sua origem e, portanto, não sabemos se o monge Arnold achou o texto e o aceitou de forma acrítica ou se foi ele mesmo quem o escreveu. Estamos falando do que, na literatura, se chama “pseudoepigrafia”, isto é, a atribuição de um texto a um autor para que ganhe em autoridade e credibilidade, mas sendo falsa a autoria.

Estudo

Um elemento interno muito interessante na hora de julgar um texto é, além disso, o acerto ou não das predições. O apologista católico Jimmy Akin, de Catholic Answers, fez um estudo exaustivo dos nomes que aparecem na lista de papas e garante, com os dados em mãos, que os anteriores a 1590 alcançam um índice de acerto de 95%, enquanto os posteriores a esta data só são satisfatórios em 8% dos casos. A composição sobre esta data é, portanto, algo mais que provável. Inclusive se apontou que os acertos e erros nos lemas latinos coincidem em grande medida com uma obra escrita no século XVI pelo agostiniano Onofrio Panvinio, “Epitome Romanorum pontificium”.

4. A Igreja nunca aceitou esta profecia, e muitos autores a rejeitaram de forma taxativa

O primeiro aspecto a ser esclarecido, mais uma vez, é que a Igreja considera que as chamadas “revelações privadas” não completam a revelação divina, que foi feita definitivamente em Cristo. Tais revelações ajudam a viver um momento histórico determinado (cf. CIC 67). Ainda que algumas contem com o reconhecimento oficial da Igreja, não têm uma autoridade que exija a fé dos cristãos. Como escreveu em 2000 o então cardeal Ratzinger, quando foi divulgado o terceiro segredo de Fátima, a revelação privada “é uma ajuda que se oferece, mas não é obrigatório fazer uso dela”.

Dito isso, é preciso afirmar que a Igreja Católica nunca aceitou a lista de papas atribuída falsamente a São Malaquias. Desde o seu aparecimento, foram muitos os autores que a rejeitaram como apócrifa. O insigne escritor espanhol Benito Jerónimo Feijoo, beneditino como Wyon, escreveu, em seu “Teatro crítico universal” (1726-1739), no tocante a astrólogos e adivinhos, que seu vaticínio “é aplicável a mil acontecimentos diferentes, usando nisso a mesma arte que os oráculos praticavam em suas respostas e o mesmo recurso utilizado pelo francês Nostradamus em suas predições, bem como quem fabricou as supostas profecias de São Malaquias”. Historiadores como Papebroeck, Ménestrier, Harnock, Thurston e Vacandard criticaram severamente a profecia.

5. O que pensar, então, da profecia falsamente atribuída a São Malaquias?

Alguns podem pensar que há algo de verdadeiro, mas tudo o que parece acerto pode ser considerado apenas como coincidência. Além disso, é preciso levar em consideração que, como no caso de Nostradamus e de tantos outros visionários, emprega-se uma linguagem sibilante ou oracular, suficientemente vaga para que seu acerto se possa demonstrar a posteriori. Basta com ser um pouco hábil, misturando catástrofes e aspectos positivos, para escrever algo que possa ser aplicado a fatos futuros sem muita dificuldade.

Para entender isso, vale a pena lembrar de um exemplo bem conhecido da mitologia clássica: quando Creso, rei de Lídia, no século VI a.C., se preparava para a batalha contra Ciro, rei da Pérsia, consultou o célebre oráculo de Delfos, e recebeu como resposta que, se iniciasse o combate, um império seria destruído. Animado pelo que considerava ser um augúrio de vitória, lançou-se à batalha com outras potências aliadas e acabou derrotado, cumprindo-se assim o vaticínio, mas não como ele havia imaginado, pois foi seu império que desapareceu.

Uma pessoa de fé não pode viver à mercê destes anúncios – nada infalíveis, aliás – que pretendem conhecer o futuro de antemão. Fazer isso seria deixar de lado a confiança na providência de Deus e a responsabilidade humana na construção da história. Só Deus sabe o dia e a hora do final, e por isso a vida na terra está marcada pela virtude da esperança.




Leia também:
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Referências

Em espanhol:

http://www.religionenlibertad.com/articulo.asp?idarticulo=27879
http://www.corazones.org/santos/malaquias.htm
http://wp.aleteia.org/wp-content/uploads/sites/5/2013/02/normas_apariciones.pdf

Em inglês:

http://jimmyakin.com/2013/02/how-reliable-is-the-st-malachy-prophecy.html
http://jimmyakin.com/st-malachy-prophecy-analysis

Tags:
História da IgrejaIgrejaPapa
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