separateurCreated with Sketch.

Moçambique: “situação está catastrófica”, diz missionário

Deslocados pelo terrorismo jihadista em Moçambique
whatsappfacebooktwitter-xemailnative
Fundação AIS - publicado em 15/11/20
whatsappfacebooktwitter-xemailnative

Os relatos que o Padre Edegard Júnior, missionário saletino de 60 anos de idade, tem conseguido recolher nos últimos dias são assustadoresA missão da congregação de La Salette, em Muidumbe, foi atacada no passado dia 30 de Outubro por grupos armados. Os relatos que o Padre Edegard Júnior, missionário saletino de 60 anos de idade, tem conseguido recolher nos últimos dias são assustadores. “Há muitas mortes, pessoas decapitadas, pessoas raptadas.”

O Padre Edegard, brasileiro, está em Pemba. Neste momento, explicou à Fundação AIS, “todos os missionários da região norte já estão fora da missão desde Março ou Abril”. É na cidade de Pemba, onde se encontram quase todos, que chegam as notícias. “A aldeia onde nós moramos chama-se Muambula e foi atacada no dia 30 de Outubro. Os insurgentes continuam lá, já passa de dez dias, eles dominam essa região e estão a queimar muitas casas, há muita gente assassinada…”

Violência

A destruição é imensa. A aldeia já tinha sido palco de violência por parte destes grupos terroristas em 7 de Abril. Agora, terá sido bem pior. Segundo relatos que vão chegando das pessoas em fuga, “toda a infraestrutura da missão está danificada”, afirma o sacerdote brasileiro. “A nossa casa, a casa das irmãs, a própria igreja, que já tinha sido atacada em Abril, e a nossa rádio comunitária que fica no fundo da Igreja, toda essa infraestrutura foi danificada com os ataques.”

O missionário saletino fala num “sofrimento que dura já há três anos”. Toda a zona de Cabo Delgado está praticamente afetada. O cenário, diz, é desolador. “Nas aldeias não tem mais ninguém. Todos têm medo e eles [os terroristas, que reivindicam pertencer ao Daesh, o Estado Islâmico] estão muito violentos nestes ataques. Então, as pessoas estão ou no mato ou já conseguiram chegar a alguma cidade. Há muitas mortes, pessoas decapitadas, pessoas raptadas…”

A única excepção a norte é a cidade de Mueda onde o exército moçambicano tem um aquartelamento. “Todas as outras [povoações] estão totalmente abandonadas. A ajuda humanitária não dá conta [não consegue atender todos os pedidos] de lonas, barracas, remédios, alimentação. A situação está a ficar catastrófica”, sintetiza o padre brasileiro.

Massacre

Nos últimos dias surgiu a notícia de um massacre de 50 pessoas que terão sido decapitadas. O Padre Edegard não consegue ainda confirmar essa informação.

A Irmã Blanca Nubia Zapata faz um relato semelhante de violência, morte e pessoas em fuga. Em declarações para a sede internacional da Fundação AIS na Alemanha, esta religiosa, que pertence à Congregação das Carmelitas Teresas de São José, fala em pessoas em situação desesperada que chegam todos os dias à cidade de Pemba. “Nas últimas duas semanas, chegaram aqui mais de 12 mil pessoas”, explica a religiosa. “Não aguentamos. Estão a chegar mulheres e crianças, e pessoas mais velhas que andam há dias. Alguns morreram no caminho, nas estradas e nos trilhos florestais.”

A Irmã Blanca faz questão de explicar que “não [se] pode imaginar como são as nossas ‘estradas’… é terrivelmente difícil andar por estes trilhos, e através do campo, três ou quatro dias a fio sem comida, sem água, carregando nas costas os filhos… Há mulheres que deram à luz na estrada…”

Fuga

Relatos que se sucedem sempre com o mesmo denominador: violência, terror, morte e pessoas assustadas e em fuga. O relato da irmã carmelita traduz toda a impotência da Igreja face à dimensão desta tragédia humanitária. “Estamos a fazer tudo o que podemos. Muitas vezes não podemos fazer mais do que ouvir, perguntar como se sentem e ouvi-las. Deixaram tudo para trás, na esperança de escapar com as suas vidas. Tudo o que querem fazer é fugir de lá… estão simplesmente aterrorizados.”

O Padre Kwiriwi Fonseca, um dos responsáveis da comunicação da Diocese de Pemba, diz à Fundação AIS que “esta situação é difícil de explicar”.

No princípio, quando os ataques começaram, ou mesmo no início deste ano, registava-se uma ausência de capacidade de resposta das autoridades. O próprio Bispo de Pemba o afirmou em Janeiro à Fundação AIS. Mas agora, faz questão de notar o Padre Fonseca, “existe um grande envolvimento das forças de segurança”.

Mas, mesmo assim, os ataques continuam e os grupos terroristas aparentam manter a sua capacidade operacional mesmo depois de terem sido veiculadas notícias pelo exército de que dezenas de insurgentes teriam sido eliminados. “É difícil entender”, diz o responsável de comunicação da diocese ao telefone com a AIS em Lisboa. “Estamos inquietos… onde eles acham tanta força?”

Desde que os ataques tiveram início, em Outubro de 2017 até hoje, calcula-se que terão já morrido mais de duas mil pessoas e haverá, segundo a estimativa do Padre Edegard, cerca de “400 mil deslocados internos”.

Há cerca de uma semana, o Bispo de Pemba, D. Luiz Lisboa, acompanhou uma ação da Caritas na praia de Paquitequete, um subúrbio da cidade. A praia passou a ser ancoradouro dos barcos que transportam os deslocados. Em poucos dias, chegaram mais de 10 mil pessoas.

Apelo à comunidade internacional

Muitos destes deslocados tiveram de ficar na própria praia, tiveram de passar a dormir ao relento pois não há forma de acomodar tantas pessoas em tão curto espaço de tempo. O Bispo pede ajuda e usa palavras fortes. “Esta é uma situação humanitária desesperada, para a qual pedimos, de fato, mendigamos, a ajuda e a solidariedade da comunidade internacional”, disse o bispo num vídeo da Caritas enviado para a Fundação AIS.

Perante este cenário de horror, a Fundação AIS decidiu apoiar as dioceses envolvidas no acolhimento aos deslocados com uma ajuda de emergência no valor de 100 mil euros.

É uma ajuda que, como explica Regina Lynch, chefe de Departamento de Projectos da Fundação AIS a nível internacional, “procura aliviar o sofrimento e trauma” destas populações que têm sido vítimas da violência mais brutal. Regina recorda o rasto de destruição e medo causado pelos terroristas desde Outubro de 2017 quando começaram os ataques.

E lembra a quase total indiferença com que a comunidade internacional tem lidado com esta situação. “Queimaram igrejas e destruíram conventos, e também raptaram duas irmãs religiosas. Mas quase ninguém prestou atenção a este novo foco de terror e violência jihadista em África, o qual está a afectar todos, tanto Cristãos como Muçulmanos. Esperemos que haja finalmente uma resposta a esta crise no norte de Moçambique, em nome dos mais pobres e mais abandonados.”


Macomia, Moçambique
Leia também:
Terroristas islâmicos em Moçambique decapitam mais de 50 pessoas



Leia também:
Moçambique: “imploramos ajuda”, diz bispo de Pemba

(Fundação AIS)

Newsletter
Você gostou deste artigo? Você gostaria de ler mais artigos como este?

Receba a Aleteia em sua caixa de entrada. É grátis!

Aleteia vive graças às suas doações.

Ajude-nos a continuar nossa missão de compartilhar informações cristãs e belas histórias, apoiando-nos.