Se todos nós sonhamos com um casamento para sempre, por que o amor acaba?Em sua Carta aos Romanos, São Paulo diz: “Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita o bem, porque o querer o bem está em mim, mas não sou capaz de efetuá-lo. Não faço o bem que quereria, mas o mal que não quero” (7, 18-19). Por que existe esta luta tão amarga e aparentemente infrutífera entre o querer fazer e o fazer?
A experiência humana nos leva a descobrir nossa miséria e o enorme abismo que existe entre as boas intenções e o exercício do bem. Entendemos que “conhecer” o bem não é suficiente para “fazer” o bem, e que diferenciar entre o bom e o mau não nos torna especialistas nem vitoriosos na vida virtuosa pela qual ansiamos de coração.
O que leva a esta profunda ruptura interior, que não nos permite ser como tentamos ser de tão boa fé? Para responder a esta pergunta, é importante ter posturas de caráter religioso (não me refiro a um catálogo de proibições ou mandatos morais, desses que abundam desde a Antiguidade, mas ao sentido de “relação” que temos com o Transcendente).
É que, para falar de ruptura interior, é preciso reconhecer a existência de uma força de origem sobrenatural, que nos impulsiona justamente a fazer aquilo que racionalmente detestamos, mas que, no âmbito da vontade, nos parece prazeroso, agradável.
Consciência moral
Desde crianças, vai se formando em nós uma consciência da moralidade dos atos; aprendemos a diferenciar, pouco a pouco, o que é certo do que é errado. Mas, ainda assim, e com toda essa bagagem intelectual, percebemos que levamos vários tombos e erramos constantemente ao tomar decisões – que correspondem mais aos nossos caprichos que à certeza do bem.
Não podemos negar que o ser humano, desde sempre, viveu uma situação de explosão interior, pela qual arrasta a si mesmo e todos os outros a uma hecatombe espiritual, que o faz sentir-se miserável e hipócrita consigo mesmo.
Nosso coração parece dividido: pensamos uma coisa, queremos outra e fazemos outra; conseguir integrar tudo isso é a grande tarefa realizada pela graça de Deus. Sem esta graça, nossas ações tenderão a carregar um selo de incoerência, pois, se não há coesão entre nossos atos, cada um deles tomará um rumo diferente, muitas vezes oposto, ou pelo menos paralelo, mas nunca se encontrarão.
No campo das relações afetivas, podemos perceber isso facilmente, especialmente quando nos apaixonamos: a razão quer fidelidade, mas a pele clama por novas e voláteis experiências. Queremos ser fiéis, mas essa fidelidade não surge como um passe de mágica; muito pelo contrário: diante da primeira tentação, tendemos a cair estrepitosamente, jogando fora todos os magníficos anseios do nosso coração.
Falso argumento
Os apaixonados querem ser fiéis; o êxtase afetivo no qual se encontram lhes grita que estão dispostos a ir até a morte com a outra pessoa; parece-lhes inconcebível que alguém possa acabar com semelhante idílio, ao qual se entregaram. Mas o tempo, a decantação dos afetos e a perda da paixão os leva muitas vezes à infidelidade, argumentando que o amor acabou.
Tenho certeza de que todos aqueles que chegam ao casamento têm o desejo de ser fiéis; não consigo imaginar que possa existir uma hipocrisia tão grande, a ponto de uma pessoa se casar para ser infiel. O desejo de fidelidade é inerente ao amor. Quando se ama, não se quer nem se aceita a infidelidade. Mas, ainda assim, existe uma força enorme que nos leva a cair e fazer justamente aquilo que não queremos fazer, mesmo sabendo que isso trará consequências funestas à nossa vida.
O que os esposos podem fazer para conseguir viver coerentemente seu casamento, de maneira que consigam integrar seu querer e seu agir?
6 passos
Primeiro: entender que o matrimônio sacramental é muito mais que o casamento civil ou a união livre e, portanto, é importante contar com a graça de Deus, por meio dos sacramentos. Não podemos nos apresentar diante de Deus para que Ele abençoe o relacionamento, mas depois dar-lhe as costas na hora de vivê-lo.
Segundo: aprender que o amor não é um “estar feito”, mas um “fazer-se” constante, ou seja, não há nada escrito nem existe um “e viveram felizes para sempre”, mas tudo está por ser escrito, a quatro mãos.
Terceiro: não se assustar pelas crises nem pela aparente “perda da paixão”; é aqui que o casal dá o passo do amor, ao manter a vontade firme na pessoa a quem se escolheu para compartilhar a vida. A primeira etapa do amor é precisamente a paixão, que não é outra coisa senão um impacto nos sentidos. Mas não podemos nos deter na paixão, porque nada nela é duradouro. É preciso dar o passo do amor profundo, que toca diretamente a dimensão espiritual humana, muito além dos aspectos psicológicos ou fisiológicos.
Quarto: enfrentar serenamente a crise, não evitá-la, achando que “não está acontecendo nada”; é preciso dar nome aos bois, e tudo em sua justa proporção. Não nos inquietemos se o desejo diminuir, se a mulher estiver de TPM ou se o marido parecer dar mais importância ao futebol, à cerveja e aos amigos. É preciso dialogar; nem sempre será possível melhorar tudo, mas pelo menos não exigiremos do outro que adivinhe o que pensamos ou sentimos.
Quinto: compreensão, ou seja, reconhecer que o homem não pensa como a mulher, que cada um tem sua maneira de entender o mundo e, portanto, a forma de amar de cada um pode ser diferente.
Sexto: aceitar que precisamos da graça de Deus. “Sem mim, nada podeis fazer” (João 15, 5). Finalmente, o apóstolo Paulo lança uma pergunta, em forma de grito e pedido de auxílio: “Encontro, pois, em mim esta lei: quando quero fazer o bem, o que se me depara é o mal. Homem infeliz que sou! Quem me livrará deste corpo que me acarreta a morte? Graças sejam dadas a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor!” (Romanos 7, 14-25).
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