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Médica perde pai para covid: “Tomei a mais difícil decisão da vida: te entubar”

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Shutterstock / sfam_photo

Reportagem local - publicado em 14/01/21

"Uma paciente olhou nos meus olhos e disse: 'Você salvou a minha vida'. Fico feliz. Mas não consegui salvar o meu pai"

Médica perde pai para covid-19: “Tomei a mais difícil decisão da vida: te entubar”. Um texto arrepiante da doutora Claudia Moschen Antunes, do Paraná, viralizou nas redes sociais por causa do poderoso depoimento pessoal que ela compartilha: o de ter cuidado de seu pai na UTI do hospital em que trabalha. Ela é intensivista em UTI há 15 anos, mas não há tempo de experiência que prepare quem quer que seja para viver momentos de perda como este.

Eis o relato de Claudia, que, no Facebook, está acompanhado por uma foto de seu pai:

“Sim, esse é meu pai. Vítima da covid-19, com quadro grave, entubado na UTI. Foi difícil pegar o resultado do seu exame, foi difícil tratar você… Você dizia que estava ótimo. Foi no décimo dia que sua oxigenação caiu… Internou imediatamente, recebeu todo suporte rápido e, mesmo assim, 56 horas depois, eu tomo a mais difícil decisão da vida: te entubar! Quando você chegou ao hospital, eu brinquei: ‘Você quis vir conhecer nossa unidade de tratamento da covid por dentro (risos)’. Quem imaginaria… Foi difícil ver você piorando; foi difícil dizer que não podia voltar pra casa, pois não estava bom; foi difícil ver você com tanta falta de ar e tosse que te sufocava. Tive medo sozinha… No meio da madrugada éramos eu e você! Perguntei apenas uma vez: ‘Por quê?’ Nunca saberei… Mas sei que tudo tem um motivo e um sentido. Deus sabe o porquê, mesmo quando não estamos preparados para isso. Mas vocês me ensinaram a ter coragem…”

Médica perde pai para covid

Claudia prossegue:

“Foi difícil juntar seus pertences do quarto e levar para minha casa. Pensei: ‘Como somos finitos’… Alguns minutos e seu celular, sua carteira, seus óculos, seus livros, tudo já não era mais seu! Todos os dias, quando chego na UTI, eu sorrio e digo: ‘Bom dia, pai. Força!’. Uma lágrima vai nascer, mas não posso chorar, pois molha a máscara e tenho outros pacientes pra ver. Então, respiro fundo e continuo; afinal, muitos dependem do meu cuidado. Sento para prescrever os pacientes com você ao meu lado. Será que me ouve? Talvez… Cada alarme que toca vindo de você faz meu coração parar. Cada telefone do hospital agora pode ser pra mim: a filha do seu Vitor Soares Antunes. A mortalidade de uma boa UTI é menor que 20%, então existe mais esperança do que sofrimento nesse ambiente. Lá dentro trabalham anjos anônimos que fazem o mundo valer a pena. Divido seus cuidados com uma equipe fantástica que cuida de cada paciente como se fosse seu. Médicos irmãos que me ajudam diariamente e me confortam! Cuidei por meses para não transmitir esse vírus aos meus familiares; me isolei para proteger a todos enquanto cuidava daqueles que adoeciam, mas você foi contaminado por outras pessoas. Pessoas que acham um exagero o distanciamento social, que usam a máscara na boca ou que reclamam que estão cansados de ficar em casa. Pessoas que não conhecem a compaixão e o respeito, que não sabem o que é viver em comunidade onde todos protegem a todos. Você não se cuidou, pai, e não foi cuidado. Hoje, você sofre cheio de drenos, cateteres e acessos… E todos ao seu redor também. Eu sigo aqui, como filha à noite, rezando para você melhorar e, como médica durante o dia, fazendo você melhorar. Pai, tenho certeza de que, onde estiver, diria para todo mundo: ‘Se cuidem, não façam como eu, não vivam como se fôssemos imortais, pois a qualquer momento alguém pode chegar pra levar seus pertences para casa!’. O mundo não vai acabar se você não viajar, mas poderá acabar se você não se cuidar. O vírus não tem preferência por idade… Ele escolhe algum e escolheu você, pai!”

“Não tenha medo, tenha respeito”

Claudia também declarou em entrevista ao site da revista Crescer:

“Para mim, foi muito difícil voltar à UTI onde meu pai esteve internado, ver o leito dele ocupado por outro paciente, lembrar do respirador que ele usou, do tratamento que ele fez, do esforço de todos da equipe, das lágrimas escondidas atrás das máscaras, das palavras de apoio e carinho… ‘Ele vai ficar bem’, ‘Ele vai melhorar’. A dor é imensa. Nesse período, revisei todo o tratamento dele várias vezes, tudo certo no momento certo. E por que ele se foi? Não tinha doenças, era saudável, forte e feliz, nunca havia sido internado… Porque a covid escolhe alguns pacientes aleatoriamente. Por isso, nunca subestime o seu poder. Sempre disse a todos: ‘Não tenha medo, tenha respeito’. Não podemos prever como o nosso corpo vai reagir frente a esse vírus, independentemente da idade, doenças prévias ou condições imunológicas. Hoje, uma paciente olhou bem fundo nos meus olhos e disse: ‘Você salvou a minha vida’. Fico feliz. Porém, continuo a pensar: ‘Mas não consegui salvar o meu pai'”.

Muitos ainda não tomam as medidas preventivas

Na mesma entrevista, Claudia lamentou que uma parte da população ainda não esteja levando o vírus a sério:

“As pessoas que não viveram a doença na família não têm ideia da gravidade e das consequências. Infelizmente, grande parte da população não faz as medidas preventivas, que é a única forma eficaz de combate até o momento”.

Além do pai, ela perdeu um colega intensivista que era “um dos melhores amigos”.

O pai de Claudia faleceu em 2 de janeiro, aos 75 anos, após 30 dias de internação.


enchente

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