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A grandeza do ser humano e os programas de TV

Big Brother

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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 31/01/21

Para quem não acompanha TV, chegam a ser escandalosas as histórias de desrespeito e coisificação da pessoa que acontecem nesses programas

Tanto o início de mais uma temporada do reality show Big Brother Brasil quanto a notícia de que Fausto Silva deixará de apresentar seu programa dominical no fim desse ano recolocaram, nas mídias, uma série de questões e referências aos feitos e malfeitos desses shows televisivos. Para quem não acompanha TV, chegam a ser escandalosas as histórias de desrespeito e coisificação da pessoa que acontecem nesses programas. O curioso é que os envolvidos não costumam se sentir particularmente ofendidos ou humilhados. Tudo faz parte de um jogo, onde o participante se exibe, ganha notoriedade, e o espectador dá vazão a seu voyeurismo.

Exibicionismo e voyerismo na busca pelo sucesso

Em nossa sociedade do espetáculo, as pessoas estão divididas entre os bem sucedidos, que precisam se exibir para demonstrar seus êxitos, e a imensa maioria de anônimos, aos quais não é reconhecido nem o direito de uma identidade específica, pois devem se adequar às regras do jogo dominante, que algumas vezes tem caráter repressivo; noutras, liberal. Se exibir, se sujeitar à coisificação e ao voyeurismo alheio, faz parte da luta por um lugar ao sol. Mais ainda, ser um objeto de desejo, exibir-se e ter sua vida desnudada para multidões já é, paradoxalmente, um sinal de sucesso. A coisificação não é vista como instrumentalização desumanizante, mas como êxito e liberação.

É interessante notar que, algumas décadas atrás, tanto os progressistas antissistema quanto os conservadores moralistas se escandalizavam e denunciavam essa realidade. Até hoje os extremistas de ambos os lados se digladiam em lutas político-ideológicas, enquanto a força do mercado, que a tudo transforma em mercadoria – “coisa” a ser desejada, possuída e descartada após o uso – forma a autoconsciência das novas gerações nesses âmbitos.

O caráter formativo da diversão

O entretenimento e a ficção sempre foram espaços formativos, onde a pessoa é educada ou deseducada ao pleno desenvolvimento de sua humanidade. Parábolas, fábulas, mitos, canções, contos e romances não apenas preenchem nosso imaginário e nos fazem sonhar, também nos dizem muito sobre quem somos, a que aspiramos, como devemos viver, o que vale e o que não vale a pena no mundo. Esportes moldam o caráter, como comumente se diz, transmitindo valores como dedicação, companheirismo e patriotismo – ou, em nosso tempos, infelizmente, mostram que ser um bom jogador rende mais dinheiro do que ajudar milhares de pessoas, que os mais bem sucedidos podem fazer o que bem entendem, pois o sucesso a tudo desculpa…

No mundo tradicional, famílias, educadores, artistas e líderes comunitários compartilhavam dos mesmos valores e da mesma visão de mundo. Assim, ainda que conflitos culturais sempre ocorressem, o problema era menos percebido do que em nossos tempos. Agora, os jovens estão expostos a visões de mundo muito diferentes nos vários âmbitos de suas vidas. Mas não deixa de ser impressionante a força com a qual os canais de entretenimento veiculam valores em nossa sociedade, se opondo à família, à escola e a maioria dos demais âmbitos formativos.

O maior problema é que o sucesso, muitas vezes medido pela simples visibilidade ou pela aparência de êxito, se tornou um critério de credibilidade. Os pais, mães e educadores exortam seus filhos e filhas a se esforçarem para serem bem sucedidos, ganharem dinheiro, aproveitarem bem a vida. É natural que aquele artista famoso, aquele atleta campeão ou mesmo aquele “influencer”, que aparentemente ficou famoso e rico a partir do nada, apareçam como modelos de sabedoria e de conduta – mesmo quando são os menos sábios e os menos virtuosos entre todos.

A grandeza do ser humano versus a futilidade do espetáculo

Reclamar ou proibir os jovens de ver certos programas pouco adianta. Poderão não assistir o programa em casa, mas ficarão sabendo de seu conteúdo nas rodas de conversa com os amigos, nas mídias sociais, nos comentários ouvidos na rua. E a curiosidade, aliada à proibição, poderão ser ainda mais danosos.

O grande antidoto contra a ideologia e a coisificação da pessoa disseminadas nesses programas é a espessura da nossa humanidade. É a grandeza da condição humana – com suas dores e suas alegrias, suas misérias e seus valores, suas infidelidades e seus amores – que mostra o vazio, a banalidade e a futilidade desses simulacros de diversão e realização, abundantes em nossas televisões e redes sociais. Essa grandeza é plena de beleza, mesmo quando conspurcada pelas tragédias do mundo. É essa beleza que transparece nas grandes obras de arte, nas histórias que valem mesmo a pena ser contadas e que, por mais singelas que sejam, permanecem guardadas na memória da humanidade ao longo dos séculos.

Se, como no episódio de Esaú e Jacó (Gn 25, 29-34), o direito à primogenitura (a grandeza de nossa humanidade, dom de Deus), é trocado por um prato de ervilhas (o conforto e o prazer fácil da sociedade de consumo), como os jovens poderão perceber o vazio que se esconde nesses veículos de entretenimento?

Acercar-se dessa grandeza não é tão difícil como parece, pois trata-se de uma graça, mais do que de um esforço particular. Basta ter os olhar voltado para aquelas pessoas que nos testemunham a riqueza de nossa humanidade. A própria contemplação de uma humanidade plena nos faz desejosos de experimentá-lo e nos ajuda a trilhar um caminho cada vez mais belo, no qual nós também nos tornamos testemunhas para nosso irmãos.


PUERTO MONTT

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