“Essa experiência do povo de Cabo Delgado vai ficar sempre marcada na minha vida. A África nunca vai sair de mim”Bispo brasileiro sob ataque jihadista: este é um dos mais dramáticos aspectos da “experiência de cruz” vivida pelo brasileiro dom Luiz Fernando Lisboa como bispo de Pemba, em Moçambique. Após 20 anos como missionário no país do sudeste africano, dos quais mais de 7 como bispo, ele agora retorna ao Brasil para assumir a sua nova missão: no começo deste mês, o Papa Francisco o nomeou arcebispo de Cachoeiro de Itapemirim, ES, e ele tomará posse desta diocese capixaba no próximo dia 20 de março.
2 mil mortos e 600 mil deslocados
O que dom Luiz Fernando traz de Moçambique, na memória e no coração, é uma complexa experiência de luz e cruz, amor e dor. Sua experiência pastoral foi especialmente desafiadora nos últimos três anos, já que, desde 2017, a província de Cabo Delgado, onde fica a diocese de Pemba, é cenário de brutais e sangrentos massacres perpetrados pelo bando jihadista autoproclamado como Estado Islâmico.
Os fanáticos invadiram a região, forçaram o deslocamento de vilarejos inteiros e executaram centenas de pessoas. Até agora, são pelo menos 2 mil mortos e mais de 600 mil deslocados.
Bispo brasileiro sob ataque jihadista
Moçambique foi o primeiro país de língua portuguesa a sofrer uma invasão do Estado Islâmico. Os ataques se intensificaram em 2020. A Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre recolheu tocantes depoimentos de dom Luiz Fernando sobre a situação trágica na região e sobre a sua vivência pessoal do drama do povo de Cabo Delgado:
“Foi uma experiência muito forte, uma experiência de cruz, uma experiência de dor. Dessa guerra eu pude tirar muitas lições. A principal delas é a grandeza desse povo, que é pobre, mas que é muito solidário. Eu vi muitas histórias, ouvi muitas histórias, vi muitas situações e percebi quanto é que, mesmo na pobreza, nós podemos ajudar, nós podemos repartir, partilhar. Nesse tempo de guerra, cada família que não era deslocada acolheu uma ou duas ou até três famílias deslocadas, dentro da sua casa, no seu quintal, repartindo o pouco que tinha com aqueles que não tinham nada e estavam ainda no desespero, na estrada, sem ter norte. Penso que essa experiência do povo de Cabo Delgado vai ficar sempre marcada na minha vida”.
O bispo brasileiro se transformou numa voz potente do povo moçambicano, alertando o mundo sobre a situação dramática do país africano que ele pretende continuar ajudando mesmo à distância, agora que assumirá a diocese de Cachoeiro de Itapemirim:
“Eu estarei sempre disposto. Sempre aberto a ajudar, a colaborar com a diocese e com esse povo”.
“Sempre prontos a desmontar a nossa tenda”
A respeito da nova missão em solo brasileiro, ele comenta:
“A missão é de Deus, não é nossa. Nós somos apenas instrumentos de Deus. Na Igreja, uma das características do missionário e sobretudo do religioso, porque eu sou também da vida religiosa, é a itinerância. Nós nunca nos fixamos num lugar. Nós somos transferidos para onde a Igreja precisa, para onde Deus nos manda, e nós temos que estar sempre prontos a desmontar a nossa tenda e montá-la em outro lugar. Neste momento, o Papa Francisco entendeu que seria melhor que eu fosse trabalhar em outro lugar e eu acolhi e agradeço todo o apoio que ele deu, todo o empenho que ele teve em nos ajudar e toda a preocupação que ele teve e ainda tem para com Cabo Delgado, porque, além de rezar, ele quer continuar a ajudar aquele povo”.
Solidariedade e ajudas da Igreja
O bispo também destaca a importância das ajudas recebidas do exterior, em particular da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre:
“Recebemos carros para os missionários, ajuda para a formação de padres e seminaristas, para retiros, ajuda de subsistência para irmãs, projetos, agora no tempo da guerra, para a alimentação da população deslocada, projetos para a compra de material agrícola para o pessoal deslocado… Há alguns projetos em pleno desenvolvimento. Vários pequenos projetos têm possibilitado ao nosso pessoal missionário trabalhar e levar o socorro às vítimas dessa guerra”.
“Muito mais recebi do que dei”
Sobre o tempo vivido em Moçambique, dom Luiz Fernando compartilha:
“Quando nós mudamos de local, de lugar, temos de reaprender, recomeçar, temos de respeitar as pessoas, a cultura, as línguas, o modo de ser e de estar e isso tudo nos enriquece. Tenho a certeza de que muito mais eu recebi do que dei. A África nunca vai sair de mim”.
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