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A sabedoria cristã e os reveses da luta anticorrupção

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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 14/03/21
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Quando imaginamos que um ser humano, seja ele presidente, juiz, ou mesmo líder religioso, é o salvador que resolverá todos os problemas, terminamos não só nos frustrando, mas nos colocando numa posição inadequada para participar da solução dos problemasA situação atual da famosa Operação Lava-jato, com o desmonte de sua força-tarefa e a anulação da condenação de Lula por Edson Fachin, criou uma impressão generalizada de que a luta anticorrupção no Brasil não anda bem. O trabalho, particularmente da força-tarefa de Curitiba, recebeu elogios no mundo inteiro e, com certeza, como tudo que é humano, terá seus méritos (elogiados no passado) e seus deméritos (expostos no presente).

O maior problema é que estamos diante de duas possibilidades antagônicas e desconcertantes para a luta anticorrupção. A primeira é a de que Moro e companhia, mesmo que tivessem se excedido em algumas coisas, realmente fizeram justiça naquela época – então vemos agora a vitória dos corruptos, que são inocentados e veem aqueles que os combatiam em dificuldades. A segunda possibilidade é a de que juízes e procuradores, mesmo que tivessem acertado em alguns casos, instrumentalizaram politicamente o Poder Judiciário, e então a luta anticorrupção do passado era uma farsa com intenções eleitoreiras. Nenhuma das duas possibilidades é agradável para os que desejam ver um Brasil mais justo e livre de corrupção.

Já o profeta Jeremias advertia: “Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne a sua força, e afasta o seu coração do Senhor!” (Jr 17, 5). “Maldito” aqui não é uma imprecação, mas apenas a constatação que esse homem “se dará mal”, não terá realização prometida aos benditos de Deus. Infelizmente, toda vez que confiamos demasiadamente nas forças e capacidades humanas, acabamos por nos frustrar. Não é que devamos deixar tudo nas mãos de Deus, com uma atitude passiva, mas temos que agir sempre conscientes dos limites humanos, prontos para reconhecer erros e corrigir rotas. Na clássica formulação de Santo Inácio de Loyola: “Aja como se tudo dependesse de você, sabendo bem que, na realidade, tudo depende de Deus”.

 

Não permitir nem a corrupção, nem o uso político da lei

Quando imaginamos que um ser humano, seja ele presidente, juiz, ou mesmo líder religioso, é o salvador que resolverá todos os problemas, terminamos não só nos frustrando, mas nos colocando numa posição inadequada para participar da solução dos problemas. Tendemos a diminuir nosso empenho no trabalho que nos cabe, pois será o personagem carismático que resolverá os problemas e dará as diretrizes. Além disso, perdemos a criticidade necessária até mesmo para colaborar com esses líderes, pois aceitamos seus erros como acertos, com consequências tristes no final do processo.

O Papa Francisco vai bem mais longe nessa reflexão sobre o combate à corrupção. Várias vezes se pronunciou sobre isso. Numa dessas ocasiões, usa palavras que podem corresponder ao estado de ânimo da maioria de nós: “A corrupção tornou-se natural, a ponto de chegar a constituir um estado pessoal e social ligado ao costume, uma prática habitual nas transações comerciais e financeiras, nas empreitadas públicas, em cada negociação que envolva agentes do Estado […] A sanção penal é seletiva. É como uma rede que captura só os peixes pequenos, e deixa os grandes em liberdade no mar. As formas de corrupção que devem ser perseguidas com a maior severidade são as que causam graves danos sociais, quer em matéria econômica e social — como por exemplo graves fraudes contra a administração pública ou a prática desleal da administração — quer em qualquer tipo de obstáculo que se intrometa no funcionamento da justiça com a intenção de conseguir a impunidade para as próprias burlas ou para as de terceiros”.

O Papa, contudo, também denuncia o chamado lawfare, o uso do sistema judicial para combater e perseguir inimigos políticos: “com os instrumentos próprios do lawfare, instrumentaliza-se a luta, sempre necessária, contra a corrupção, com a finalidade de combater os governos indesejados, reduzir os direitos sociais e promover um sentimento de antipolítica do qual se beneficiam aqueles que aspiram a exercer um poder autoritário”.

 

A política melhor

A crescente judicialização da política fez com que o combate à corrupção parecesse circunscrita ao âmbito judicial, mas esse é um campo de ação forçosamente limitado. Em muitos casos, os corruptos são os próprios autores das leis – e se utilizam de procedimentos criados para proteger o cidadão inocente de uma perseguição pelo Estado para se livrarem das acusações. Não por acaso, os maiores reveses do combate à corrupção nos tribunais não decorreram da constatação da inocência dos acusados, mas por falhas nos procedimentos jurídicos.

Diante das limitações do sistema legal, cresce o ativismo judicial, com a tendência de juízes e procuradores de condenar os que consideram culpados, extrapolando as limitações que a lei lhes impõe. Pior ainda, o desejo de “fazer justiça com as próprias mãos” pode levar toda a sociedade a optar por posições autoritárias e antidemocráticas, que inevitavelmente apenas trocarão os nomes dos poderosos de plantão, mas perpetuarão os esquemas de corrupção e o descaso com os mais frágeis na estrutura social.

Mas então, o que fazer? Francisco não deixa essa pergunta sem resposta. Além de manter a luta judicial contra a corrupção, respeitando-se os limites legais, ele propõe, no Capítulo V da Fratelli tutti (FT), a construção de uma “política melhor”. Não a antipolítica, daqueles que estão desiludidos com a convivência social e querem a violência contra os que pensam diferente, mas a política melhor, daqueles que estão verdadeiramente comprometidos com o bem comum, com os mais fracos e com o diálogo construtivo (cf. FT 176-179).

Esse é um processo realista, ainda que mais lento do que gostaríamos, que implica em (1) formar novas lideranças políticas; (2) acompanhar – com vigilância e apoio efetivo – tanto essas novas lideranças quanto as já estabelecidas, para que não se corrompam; (3) manter um diálogo aberto e atento, para evitar que fantasias ideológicas separem políticos bem intencionados e que poderiam trabalhar juntos. Não se trata de um idealismo ingênuo, mas da sabedoria que os cristãos adquiriram ao longo de sua caminhada histórica…

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