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Porta dos Fundos: para juíza, não é ilegal satirizar “elementos caros ao cristianismo”

Televisão

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Reportagem local - publicado em 29/04/21

Autores de ação contra filme satírico, porém, alegam que ele agride "valores e sentimentos cristãos protegidos pela Constituição"

Porta dos Fundos é o grupo, autoproclamado humorístico, responsável pela produção do filme “A Primeira Tentação de Cristo”, lançado em 2019 como um “especial de Natal” na plataforma Netflix.

No filme, os produtores apresentam Jesus Cristo como gay, Nossa Senhora como prostituta e os apóstolos como viciados em drogas.

Representando a indignação de milhões de cristãos e até de membros de outras religiões contra o que consideraram um vilipêndio, a Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura (CDB) solicitou mediante ação civil pública a retirada de catálogo do filme, bem como indenização por danos morais no valor de 2 milhões de reais, baseados na estimativa de faturamento obtido com o filme pelas empresas responsáveis pela sua exibição.

Para a juíza Adriana Sucena Monteiro Jara Moura, porém, os pedidos da ação civil pública são improcedentes porque, a seu ver, “não ocorreu qualquer intolerância religiosa” por parte dos envolvidos com a realização do filme.

Segundo a decisão da magistrada, a obra está disponível para exibição aos assinantes da Netflix, não configurando “exibição em local público” nem “àqueles que não desejam ver o seu conteúdo”. Ela sustenta que cada cidadão tem “a plena liberdade de escolha” de assistir ou não ao filme e de permanecer ou não como assinante da plataforma.

Para juíza, não é ilegal satirizar “elementos caros ao cristianismo”

Além disso, a magistrada afirma que a intolerância religiosa “não pode ser confundida com a crítica religiosa, realizada por meio de sátira, a elementos caros ao cristianismo”. A este respeito, ela complementa que “a sátira em questão, um esquete humorístico que utiliza figuras históricas e religiosas como pano de fundo, não possui o condão de vilipendiar ou abalar os valores da fé cristã, que são muito mais profundos”.

Diante disso, conclui que “não merece amparo o pedido de indenização por dano moral” porque, “para a configuração do dano moral coletivo”, seria necessária “uma conduta antijurídica a afetar intoleravelmente e injustamente os valores e interesses coletivos fundamentais ou a tranquilidade social, mediante a ocorrência de conduta maculada de grave lesão”.

Posicionamentos antecedentes

Em janeiro de 2020, o desembargador Benectido Abicair, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, havia acatado um pedido liminar de suspensão da exibição do filme do grupo Porta dos Fundos. Ele destacou:

“O direito à liberdade de expressão, imprensa e artística não é absoluto (…) Deve haver ponderação para que excessos não ocorram, evitando-se consequências nefastas para muitos, por eventual insensatez de poucos”.

No entanto, o ministro Dias Toffoli, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar reautorizando a exibição.

A decisão de Toffoli foi referendada pela Segunda Turma do STF em novembro passado.

Extrapolação dos limites da liberdade de expressão

Em declarações à agência ACI Digital, o advogado Leonardo Camanho Camargo, que defende o Centro Dom Bosco, afirmou que a ação não implicava qualquer tentativa de cercear a liberdade de expressão, mas sim de questionar a extrapolação a essa liberdade:

“[A ação] seguiu curso regular, com a apresentação da defesa dos réus e admissão de amigos da Corte e terceiros interessados, entre os quais entidades de juristas católicos e mesmo islâmicos, em apoio ao ponto de vista defendido pelo CDB. Diante do entendimento expresso pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido da impossibilidade de suspensão da exibição do filme, o CDB já esperava que esse pedido fosse julgado improcedente.

[No entanto,] tinha confiança em que o pedido de indenização por danos morais coletivos fosse acolhido, inclusive porque boa parte da fundamentação contrária à exibição da película orientou-se no sentido de que não cabe impedir a divulgação de conteúdo, mas tão somente postular reparação em perdas e danos, quando o ato questionado extrapolar os limites da liberdade de expressão”.

“Violação maliciosa do espírito de tolerância”

Ainda segundo Leonardo Camanho, o Centro Dom Bosco “recorrerá ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro”. Ele complementa:

“O Estado, mesmo laico, pode legitimamente considerar necessário adotar medidas destinadas a reprimir certas formas de conduta, incluindo a transmissão de informações e ideias consideradas incompatíveis com o respeito pela liberdade de pensamento, consciência e religião de outros.

O respeito pelos sentimentos religiosos dos crentes pode ser legitimamente considerado violado por retratos provocativos de objetos de veneração religiosa; e esses retratos podem ser considerados uma violação maliciosa do espírito de tolerância, que também deve ser uma característica da sociedade democrática”.

O advogado considera que o filme do grupo Porta dos Fundos “é agressivo aos valores e sentimentos dos cristãos, constitucionalmente protegidos”, e que “o tipo de agressão perpetrado contra os cristãos, a gerar indignação e repúdio não só no Brasil, mas em todo o mundo, é incompatível com os primados da proteção da dignidade da pessoa humana e da liberdade de religião e de crença, albergados pela Constituição brasileira”.

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