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Tragédia de Saudades recorda lição da professora Heley, heroína da creche de Janaúba

Professora Heley de Abreu Silva Batista

Heley de Abreu Silva Batista - Facebook

Francisco Vêneto - publicado em 05/05/21

A mulher cuja vida era ensinar e cuja morte foi uma lição sublime

A tragédia de Saudades, SC, está trazendo à memória de muitos internautas brasileiros o testemunho prático de amor da professora Heley de Abreu Silva Batista, a heroína da creche de Janaúba, MG.

Assim como na chocante carnificina desta terça-feira, 4 de maio, perpetrada na escola infantil Aquarela, do pequeno município catarinense, a cidade mineira viveu o horror de ver crianças e professoras serem covardemente atacadas e mortas na creche municipal Gente Inocente no dia 5 de outubro de 2017.

Tragédia de Saudades, tragédia de Janaúba

Enquanto em Saudades o assassino foi um jovem de 18 anos em suposto surto psicótico e sem qualquer relação com a escola, o criminoso em Janaúba foi o vigilante noturno da própria creche, que havia chegado de manhã para alegadamente entregar um atestado médico.

Enquanto em Saudades o agressor irrompeu a golpes de katana contra bebês de 19 a 21 meses e duas professoras, o de Janaúba invadiu uma sala de aula com dezenas de crianças de 3 a 7 anos, trancou a porta, jogou combustível sobre elas, sobre funcionários e sobre si mesmo e em seguida ateou fogo.

Dezenas de crianças ficaram feridas em Janaúba: quatro morreram ainda no local e outras seis faleceram no hospital. Também foram mortas a auxiliar Geni Oliveira e as professoras Jéssica Morgana e Heley de Abreu, assim como o próprio assassino. O quadro de uma parte dos feridos se agravou por causa da inalação de fumaça. Algumas vítimas foram transferidas para a Santa Casa de Montes Claros, a 130 km de Janaúba, e as com queimaduras mais graves tiveram de ser levadas em aeronaves até a capital do estado, Belo Horizonte, a 550 km.

Na tragédia de Saudades, foram mortos os bebês Sarah Luiza Mahle Sehn, de 1 ano e 7 meses, Anna Bela Fernandes de Barros, 1 ano e 8 meses, e Murilo Missing, de 1 ano e 9 meses, assim como a professora Keli Adriane Anieceviski, de 30 anos, e a agente educativa, Mirla Renner, de 20. Outro bebê foi ferido, mas, felizmente, não corre risco de vida.

Em ambas as tragédias, as professoras e outras colaboradoras das escolas infantis tiveram papel crucial em evitar um horror maior ainda: embora não tenham tido a possibilidade de impedir os assassinos de perpetrarem os crimes brutais, elas conseguiram salvar a maior parte dos seus pequenos alunos arriscando a própria vida.

Professora Heley, a heroína

Especialmente recordada é a professora Heley, de Janaúba.

Ao longo dos dias seguintes ao ataque, centenas de fotografias contrastantemente cheias de luz e de vida foram profusamente compartilhadas nas redes sociais. Eram imagens de sorrisos, de bracinhos abraçando, de mãozinhas irrequietas, intrometidas, carinhosas; de olhinhos ingênuos e marotos que não se aguentavam de curiosidade. Fotos de crianças bagunceiras, inocentes, vigorosamente frágeis no auge da força da vida que foi arrancada de repente e com estupidez boçal, com selvageria demente, e cuja lembrança tanto arrancava quanto devolvia os pedaços de quem tinha ficado.

Havia fotos também de Heley. A professora. A heroína. A mulher valente que tinha sacrificado a vida para salvar o máximo que pudesse de crianças da covardia e da insanidade assassina. A mulher cuja vida era ensinar e cuja morte foi uma lição sublime.

Foi ela quem se entregou inteiramente para defender os pequenos, entrando em luta corporal com o criminoso para impedir que ele continuasse o ataque. O seu gesto salvou a vida de 25 crianças. Mesmo ferida, Heley ainda conseguiu ajudar as colegas de trabalho Jéssica Morgana e Geni Oliveira a retirar as crianças feridas daquela sala. Com 90% do corpo queimado, Heley morreu no hospital, assim como Jéssica e Geni.

Enquanto dez anjos eram arrancados de seus pais, outro anjo era arrancado de seus filhos: a própria Heley deixou um bebê de 1 ano e outros dois filhos adolescentes. Ao filho mais velho, porém, ela foi se reunir: àquele que, ainda pequeno, tinha morrido afogado na piscina de um clube.

Sim, o coração de Heley já conhecia a dor dilacerante de um filho arrancado por uma tragédia, e, ainda assim, ela arrancou forças de onde não tinha para seguir em frente – porque ainda havia história para protagonizar; ainda havia lição de casa para aprender e para explicar aos outros aprendizes, àqueles tantos e tantos de nós que anseiam por mestres não apenas contadores de histórias, mas fazedores da história. A história dela, do meio da escuridão, refulge como um roteiro para os que hesitam em seguir em frente; como um convite para aqueles que não têm de onde arrancar mais forças: “Arranquem forças de onde não têm. Há vida que nos espera, e, pela vida, encaremos, se necessário, a própria morte”.

Entre tantos absurdos, o maior de todos, afinal, é inexplicavelmente pródigo em sentido: a vida do próximo pode ser a força de que precisamos para arrancar vida da nossa própria morte.

Nossa Senhora: a mãe em pé ao pé da cruz

Heley, que tinha dois primos sacerdotes e um filho coroinha, dava catequese: preparava casais para o sacramento do Matrimônio, numa igreja de Nossa Senhora Aparecida.

A mesma Nossa Senhora Aparecida cuja festa, no dia 12 de outubro de 2017, coincidiu com o sétimo dia de uma tragédia de morte em que a vida insistiu em ainda brilhar. A mesma Nossa Senhora que ficou de pé ao pé da Cruz em que o Seu Filho dava a vida pela vida do próximo. A mesma Nossa Senhora que ficou de pé porque sabia que a história do Filho não acabava naquela colina do Calvário, nem naquela tarde escura de sexta-feira.

Nossa Senhora Aparecida, rogai por nós, para ficarmos de pé! Rogai por nós, Nossa Senhora, para nos lembrarmos de que a morte não é o final da história. Não foi na tragédia de Janaúba. Não será na tragédia de Saudades.

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