O aborto não é um direito, reiterou sem rodeios o arcebispo de Luxemburgo, cardeal dom Jean Claude Hollerich, em declarações à agência de notícias ACI Stampa.
Dom Hollerich preside a Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia (COMECE) e sua reafirmação da postura da Igreja no tocante ao aborto resiste às pressões ideológicas e econômicas da própria União Europeia, que acaba de lançar um relatório em que pede a descriminalização do aborto em todos os seus 27 países-membros. Além disso, o documento advoga pela classificação do aborto como um “direito da mulher”.
Trata-se do “Relatório sobre a situação da saúde e direitos sexuais e reprodutivos na UE, no âmbito da saúde da mulher”, ou, simplesmente, “Relatório Matić”, por ter sido proposto pelo eurodeputado croata Predrag Fred Matić, de centro-esquerda. O relatório será votado no Parlamento Europeu neste próximo dia 23 de junho e pede que a União Europeia reconheça o “direito ao aborto”, além de limitar a objeção de consciência entendida como “negação de assistência médica”.
Grupos pró-vida questionam a própria natureza do documento, que extrapola as competências da União Europeia e viola o que deveria ser respeitado como prerrogativa de cada país-membro.
O cardeal de Luxemburgo, que é jesuíta assim como o Papa Francisco, esteve em Roma e no Vaticano na última sexta-feira, dia 11, junto com outros bispos da COMECE, para uma audiência com o pontífice na qual este assunto entrou em pauta.
Em suas declarações à ACI Stampa por ocasião dessa passagem pela Itália, o cardeal afirmou:
“Devemos deixar claro que aprovar tal relatório vai contra a subsidiariedade, porque o aborto é uma questão de legislação nacional e não de legislação comunitária. Seria uma grande pena a União Europeia não respeitar a mesma subsidiariedade de que ela própria sempre fala”.
De fato, as eurodeputadas Margarita de la Pisa Carrión, da Espanha, e Jadwiga Wiśniewska, da Polônia, argumentam que o relatório não tem “rigor legal nem formal” porque “vai além das suas atribuições ao abordar questões como saúde, educação sexual e reprodução, assim como aborto e educação, que são prerrogativas legislativas dos países-membros”.
Dom Hollerich prossegue:
“A Doutrina Social voltou a entrar no debate graças ao Papa. Muitos políticos em Bruxelas falam da Laudato Si’ ou da Fratelli Tutti. Acho que eles o leram mais do que os cristãos. Há, certamente, um impulso, que também pode ser visto nas visitas a Roma: a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, esteve lá; o presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, estará lá; e o presidente do grupo do Partido Popular quer vir com um grande grupo de parlamentares a Roma. Há um interesse. Mas cabe a nós dizer: se você quiser isso, tudo bem, mas há outros pontos na doutrina da Igreja que você não respeita”.
Um desses pontos é o aborto, mas não é o único. No tocante às discrepâncias, aliás, o arcebispo de Luxemburgo destaca:
“O problema da liberdade religiosa será o grande problema do futuro na Europa. Não há perseguição à Igreja: seria excessivo dizer isso. Mas, em alguns países, há, em diferentes níveis, sutis ataques à liberdade de religião e nós precisamos ficar atentos. Na Bélgica, o grupo de fiéis que pôde assistir à Missa é ínfimo. Na Irlanda não há Missas presenciais há um ano. Deve-se notar que são países onde a Igreja está com má reputação. Uma impressão justa sobre a Igreja precisa ser transmitida para se reconstruir a credibilidade. Após os casos de abuso sexual, isso é urgente para a sociedade, mas também para os fiéis, porque muitos perderam toda a esperança na Igreja. Isto tem que mudar: nós temos que nos tornar muito humildes e dar o melhor de nós com grande transparência”.