O salmista, em seus versos, não cansa de advertir os que confiam na força dos seres humanos de que sua esperança é vã, que as forças humanas não podem salvar. Numa das mais grandiosas poesias católicas do século XX, os Coros de “A rocha”, T.S. Eliot denuncia a ilusão de querermos construir sistemas tão perfeitos que tornassem desnecessário sermos bons. É sábio não confiar nas forças e nos sistemas humanos, reconhecer sempre a frágil condição na qual estamos, nós que – de uma forma ou de outra – sempre seremos sujeitos à fragilidade de nossa coerência moral.
Contudo, a galopante repetição de escândalos de corrupção, impunidade, corporativismo e nepotismo envolvendo nossos legisladores, magistrados e governantes nos lança um outro desafio: será possível ter alguma esperança na política brasileira? Essa desilusão e esse derrotismo, obviamente, não são justos, mesmo que compreensíveis em muitos momentos. A questão adequada é conhecer a justa esperança que podemos e devemos ter na vida política nacional.
O Papa Francisco, com uma sabedoria que a Igreja adquiriu observando a história e o fracasso de muitas revoluções, nos lembra sempre da necessidade de termos paciência e tenacidade. Em suas palavras, “o tempo é superior ao espaço” (Evangelii gaudium, EG 222-225). É claro que todos nós gostaríamos de mudanças rápidas e eficazes. Mas as coisas não acontecem assim. Frequentemente “trocamos seis por meia dúzia”. Pior, algumas vezes trocamos “seis por cinco”. Contudo, se hoje trocarmos “seis por seis e meio” e amanhã “seis e meio por sete”, e assim por diante, estaremos construindo um futuro melhor.
A pretensão de querer mudar rapidamente a realidade é uma das maiores razões para nossas desilusões. Achamos que um governante, um partido ou um juiz irão fazer a diferença e resolver nossos problemas. Mas apesar de ser fundamental existir pessoas que façam a diferença, elas sozinhas não mudarão a realidade. Sozinhas ou com todos nós, também não conseguirão mudar radicalmente a realidade num único golpe. A mudança eficaz é um processo continuado que conta com o apoio e a colaboração da maioria.
Francisco, no texto citado, diz que o importante é investir em processos que constroem um povo. Na Fratelli tutti, o Papa diz que “para afirmar que a sociedade é mais do que a mera soma de indivíduos, necessita-se do termo ‘povo’. A verdade é que há fenômenos sociais que estruturam as maiorias, existem megatendências e aspirações comunitárias; além disso, pode-se pensar em objetivos comuns, independentemente das diferenças, para implementar juntos um projeto compartilhado; enfim, é muito difícil projetar algo de grande a longo prazo, se não se consegue torná-lo um sonho coletivo” (FT 157). Toda sociedade está atravessada por contradições e conflitos. Pensar um povo não significa negar os problemas, mas sim reconhecer alguns elementos que podem transcender os conflitos e orientar a construção da sociedade como um todo.
Democracias são mais estáveis, combatem a corrupção e cumprem melhor sua função de garantir o bem comum na medida que são o reflexo da existência desse “povo”, que tem consciência de sua responsabilidade para com a organização da sociedade. Um povo politicamente maduro se reconhece responsável pelo bem comum. Sabe que os governos são o reflexo do compromisso compartilhado e praticado por todos os cidadãos.
No Brasil, tendemos a pensar que é só o governo que tem que zelar pela qualidade de vida dos cidadãos. Ainda somos, nesse aspecto, uma sociedade pouco participativa e pouco responsável pelos destinos da nação. E a contrapartida a essa sociedade pouco participante é um Estado centralizador, sempre com tendências autoritárias. Notem que o autoritarismo não se reflete apenas nos atos ditatoriais ou no desrespeito ao desejo da maioria. Ele está presente, por exemplo, quando escutamos aquela famosa frase “você sabe com quem você está falando?”, ou quando os homens públicos desrespeitam as leis e aos demais cidadãos em função de seu poder institucional.
No seu discurso inaugural da Conferência dos Bispos da América Latina e do Caribe, em Aparecida (2007), Bento XVI disse: “As estruturas justas são uma condição sem a qual não é possível uma ordem justa na sociedade. Porém, como nascem? Como funcionam? As estruturas justas [...] não nascem nem funcionam sem um consenso moral da sociedade sobre os valores fundamentais e sobre a necessidade de viver estes valores com as necessárias renúncias, inclusive contra o interesse pessoal [...] As estruturas justas jamais serão completas de modo definitivo; pela constante evolução da história, hão de ser sempre renovadas e atualizadas; hão de estar animadas sempre por um ethos político e humano, por cuja presença e eficiência se trabalhará cada vez mais”.
As estruturas justas não caem do céu. Ao contrário, precisam ser construídas por pessoas comprometidas com o bem comum, animadas por esse “ethos político e humano”, que – nos dizeres de Francisco – é a alma de um povo. Existe sempre uma retroalimentação em política. Bons líderes criam boas estruturas e essas boas estruturas nos ajudam a escolher bons líderes. Maus líderes criam más estruturas, que não nos permitem escolher bons líderes.
A esperança justa, na política, é aquela que nasce dessa construção cotidiana, que acontece em pequenos passos, no acompanhamento aos trabalhos voltados ao bem comum. Pouco a pouco, novos políticos – mais conscientes e comprometidos – vão ganhando seus espaços. Pouco a pouco, acontecem mudanças institucionais que coíbem os corruptos e dão mais oportunidades aos honestos. Num mandato, nosso candidato está no poder, em outro, está na oposição. Avançamos dois passos, talvez retrocedamos um... O que importa é que caminhamos para uma sociedade melhor.
Quando desanimamos, não é porque não existam coisas boas acontecendo. Desanimamos porque olhamos só para os erros dos poderosos e não vemos as coisas boas que continuam acontecendo, frequentemente pequenas, mas com potencial para crescer. E, frequentemente, não vemos essas coisas boas acontecerem porque não estamos suficientemente envolvidos ou atentos para com os processos – talvez pequenos, mas carregados com um sabor de esperança – que constroem um povo (cf. EG 224).