Recentemente foi disponibilizada no Netflix a série documental Elvis:The Searcher, que apresenta um retrato íntimo da vida de Elvis Presley (1935–1977), da infância humilde cheia de privações na pequena cidade de Tupelo, no estado norte-americano do Mississipi, à trágica e solitária morte aos 42 anos, passando pelas primeiras gravações em Memphis, Tennessee, a ascensão no rádio e pela TV, o recrutamento pelo exército, a fase gospel, a carreira como astro de Hollywood e fim da carreira tocando dois shows por noite em Las Vegas. Dividida em dois episódios, a série consiste no “documentário definitivo sobre Elvis”, segundo a viúva Priscilla Presley, que oferece depoimentos íntimos sobre o artista. Além dela, os músicos Bruce Springsteen, Tom Petty e Emmylou Harris narram e comentam a história do primeiro rock star de todos os tempos.
RETRATO FIEL
Diferentemente de biografias anteriores, que apresentam visões mais romantizadas, The Searcher cita as glórias e sublinha os tumultos na trajetória do primeiro músico a se tornar popular na televisão norte-americana. A começar pela perda do seu irmão gêmio no parto, o que levou o jovem Elvis, ainda quando criança, a cantar em frente a igrejas da comunidade para homenageá-lo. Ou a tumultuada relação com o pai, Vernon Presley, preso por falsificar um cheque quando seu filho ainda era um garoto. O relacionamento próximo com a mãe, Gladys Presley, cuja morte, em 1958, pela primeira vez desestabilizou a ascensão da estrela meteórica, gerando o primeiro hiato em sua carreira.
Os documentários ainda ampliam a visão de como a carreira de Elvis era controlada e até manipulada pelo seu empresário, Tom Parker, por quem o artista mantinha obediência e subserviência inexplicáveis. Como quando Elvis volta a se apresentar ao vivo no começo dos anos 1970, após uma longa e frustrante carreira como astro de filmes açucarados de Hollywood – por exigência de Parker –, e manifesta o desejo de se apresentar na Europa e no Japão, para o que não faltavam convites. Mas como o empresário secretamente era um imigrante, que não poderia entrar de volta nos EUA, ele secretamente sabotou os planos do astro. E para ajudar a dissuadí-lo, arquitetou o primeiro show de música com transmissão ao vivo via satélite para todo o mundo na história, Aloha from Hawaii, de 1973, que teve 1 bilhão de espectadores.
VISÃO ARTÍSTICA
Outro aspecto menos explorado de Elvis que aparece nas duas partes do documentário é sua genuína visão artística. Desde o início da carreira, quando foi o único artista branco a frequentar os salões de música negra do Sul dos EUA e se interessar elementos de blues, soul e gospel que se tornariam característicos do seu trabalho. Tanto que quando no final dos anos 1960, quando voltou a gravar com seriedade, fez questão de contar com músicos negros, como o conjunto de cantoras The Sweet Inspirations, que o acompanhou nos shows. E como Elvis considerava a igreja católica e a música gospel suas raízes. Quando saiu do exército após dois anos servindo na Alemanha, bandas de rock como Beatles e Rolling Stones estavam virando o mundo de ponta cabeça. Em vez de tentar acompanhar e retomar o caráter subversivo do início da carreira, Elvis optou por gravar um álbum gospel.
Depois de anos preso por contrato aos filmes de Hollywood, como a série mostra, que detestava fazer, seu verdadeiro retorno à música só ocorreu no show televisivo Elvis Comeback Special, em 1968. No documentário vemos que Elvis sofreu um branco antes de subir no palco e por pouco não desistiu. Mas também transperece como, a partir do momento em que pegou o microfone, ficou relaxado e totalmente presente. Preocupado com a escalada dos conflitos sociais nos EUA no final dos anos 1960, inflamados ainda mais pela morte de Martin Luther King, Elvis optou por encerrar a apresentação com uma interpretação brilhante de If I Can Dream, que fala sobre paz, união e um mundo mais justo. Os documentários são uma boa oportunidade de entender o homem por trás do Rei do Rock.