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Desenhos animados “perigosos”?

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Francisco Borba Ribeiro Neto - publicado em 25/07/21

A moral, no mínimo duvidosa, exposta nos programas de televisão e na Internet é um dos grandes desafios educacionais lançados aos adultos

Sou pai e avô e, como podem imaginar, as influências na educação de meus netos é um tema recorrente em conversas com meu filho. Uma das coisas boas que aconteceram na pandemia (sim, algumas coisas boas aconteceram) foi o aumento da possibilidade dos adultos acompanharem o cotidiano dos pequenos e se darem conta dos programas que assistem e das brincadeiras que brincam. E nós adultos, frequentemente, nos surpreendemos com as coisas que vemos.

A moral, no mínimo duvidosa, exposta nos programas de televisão e na Internet é um dos grandes desafios educacionais lançados aos adultos. Muita gente vem se preocupando com isso, mas as respostas ao problema que tenho visto alardeadas com maior frequência me parecem mais piorar do que resolver a situação. Muitas vezes pedem pela censura, estatal ou privada, das obras duvidosas. Contudo, desde que existem obras dúbias existe censura – e nem por isso essas obras deixaram de existir e até de aumentar sua influência. O proibido parece ser mais gostoso e mais cobiçado. A proibição enérgica pode ser necessária certas vezes, mas é sempre uma possibilidade extrema, sinal de que outras alternativas – que deveriam ser experimentadas antes – não foram eficientes.

Um problema antigo

As “estórias” contadas para as crianças sempre têm um efeito pedagógico, para o bem ou para o mal. Por meio delas, os pequenos se informam sobre o mundo, têm a oportunidade de refletir sobre os comportamentos que podem adotar e as consequências de suas ações. Aquilo que o adulto experimenta concretamente na vida, a criança experimenta – de forma imaginária – no contexto das estórias. O desfecho da narrativa, particularmente, é indicativo do que é bom e do que é mal, do que deve ser feito e do que deve ser evitado.

Nesse sentido, sempre houve o conflito latente entre a visão de mundo do narrador e aquela das famílias e dos leitores em geral. As fábulas de La Fontaine, tidas como grandes clássicos da literatura infantil e tendo supostamente sempre um final moralizante, já eram questionadas no século XVIII. Eram consideradas cínicas, fazendo apologia da astúcia ou da força. Ao mostrarem a realidade “tal como ela é” estariam eliminando a indignação natural das crianças diante das injustiças, para usar uma linguagem dos nossos dias.  Tanto é assim que a maioria dos livros infantis apresentam versões adaptadas das fábulas originais, mais condizentes com a nossa mentalidade atual.

Quando eu era criança, me lembro que o grande debate dizia respeito à violência dos filmes e dos brinquedos que imitavam armas. Eles estariam incentivando as crianças a serem violentas.  Coisas menores em nossos dias, quando adolescentes podem jogar videogames onde ganham pontos cada vez que seus carros atropelam um pedestre… Mais tarde, foram os dramas das telenovelas, que destruiriam os valores familiares. Hoje em dia, o escândalo vai por conta da ideologia de gênero enunciada em filmes e desenhos animados com personagens homossexuais. Mas não podemos nos esquecer das propostas de reescrever fábulas contemporâneas, para combater – por exemplo – o racismo implícito na relação dos personagens de Monteiro Lobato com a Tia Nastácia.

Se pensamos especificamente nos desenhos animados, particularmente impactantes para os pequeninos, vale a pena lembrar alguns personagens antigos, como o Pica-pau e o Pato Donald. Ambos eram anti-heróis, que frequentemente apresentavam comportamentos totalmente inadequados – e nem sempre se davam mal por isso! Tão ou mais perigosos do que os personagens que evidenciam um comportamento censurável são aqueles que parecem “normais”, mas ilustram a vitória do individualismo, da ganância e/ou da força. Alguns aparecem como lutadores dispostos a tudo para realizar seus sonhos – onde o tudo significa inclusive não levar a dor dos demais em consideração. Em outras ocasiões, muito frequentes, é a fragilidade do personagem que é explorada comicamente, indicando um mundo onde os fracos não têm chances ou até mesmo direitos.

O testemunho e o discernimento

No processo educativo, a forma com a qual se faz as coisas na prática muitas vezes conta mais do que aquilo que é proposto na teoria.  Os pedagogos sabem que as mesmas propostas pedagógicas dão resultados muito diferentes se executadas por um professor experiente ou um iniciante – o que muda não é o que está sendo feito, mas o como está sendo feito. Tanto a autoridade dos pais quanto a autonomia dos filhos são importantes na educação. Contudo, uma autoridade bem aplicada é orientação, mal aplicada é autoritarismo, uma autonomia bem praticada é liberdade, mal praticada é desorientação.

Por isso, quando pensamos nos programas que nossos filhos assistem, não basta decidir entre deixá-los ver ou censurar determinada atração. Temos que levar em consideração quando eles veem, se estão sozinhos ou acompanhados, que testemunho estão tendo dos adultos, quais problemas estão enfrentando em seu cotidiano com as demais crianças etc. Além disso, temos que considerar que os programas infantis não deixam de ser um reflexo do mundo adulto. Mais cedo ou mais tarde as crianças irão se defrontar com aqueles problemas. Em algumas situações, o desenho animado pode propor uma situação que a criança ainda não tem como analisar e discernir, mas em outras situações podem ser uma possibilidade para os pais começarem uma orientação segura para que a criança adquira uma visão adequada do problema à medida que amadurece.

As crianças e os adolescentes irão discernir sobre as situações que encontram no mundo – todas elas, não só as apresentadas nos programas e brincadeiras – em função do testemunho que recebem de seus pais e mães. Mais do que aquilo que falamos, conta aquilo que testemunhamos para eles. Nossas ideias valem na medida que explicam aquilo que testemunhamos. Se um desenho animado mostra uma situação contrária ao testemunho bem documentado dos pais, a criança entenderá que aquele personagem ilustra um comportamento que não deve ser seguido. Pode ser até divertido, mas não deve ser imitado. Se o personagem ilustra uma situação para a qual o testemunho dos pais é falho ou incoerente, o programa irá reforçar uma conduta contrária à dos pais. Mas, nesse caso, não nos enganemos: mesmo que a criança não assista ao desenho, tenderá a se opor aos pais no futuro.

Sempre haverá um momento em que os jovens terão que se questionar sobre os valores que receberam em casa – quando poderão ou não concluir que esses valores eram os mais verdadeiros e adequados para ele. Se os protegemos, evitando os questionamentos, os deixamos mais frágeis para quando esse momento chegar. O ideal é usar todas as oportunidades, respeitando os tempos de seu amadurecimento pessoal, para dialogar e explicitar nosso testemunho e as razões pelas quais somos do jeito que somos, acreditamos naquilo que acreditamos.

Tags:
EducaçãoInternet
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