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Por que precisamos combater a fofoca?

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Octavio Messias - publicado em 27/07/21
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Hábito que nos parece inerente e inofensivo gera discriminação e alimenta o preconceito

Como já noticiado neste site, o Papa Francisco costuma fazer contundentes críticas à fofoca. “As fofocas fecham o coração à comunidade, impedem a unidade da Igreja. O grande fofoqueiro é o diabo, que sempre sai dizendo coisas ruins dos outros, porque ele é o mentiroso que tenta desunir a Igreja, afastar os irmãos e não fazer comunidade. Por favor, irmãos e irmãs, façamos um esforço para não fofocar”, suplicou o Papa, que chegou a dizer que a fofoca é uma praga pior do que a Covid.

De fato é um assunto sério, com consequências graves, ao qual geralmente não damos a devida atenção. É só nos sentarmos à mesa do almoço com a família ou encontrarmos um amigo em uma mesa de bar, que elas começam. Fulano fez isso, Sicrano deixou de fazer aquilo. O que pode parecer inofensivo carrega, em si, um juízo de valor, que pode ser amplificado conforme a fofoca começa (como de costume) a se espalhar, desviando-se cada vez mais dos fatos até se perder totalmente. Isso sem que os sujeitos da história tenham a chance de se explicar.

Ao meu ver, é assim que surge e se torna um grande problema qualquer tipo de discriminação, inevitavelmente derivada do excesso de interesse na vida dos outros. Por uma questão lógica, qualquer narrativa baseada em boatos não trará nada além de preconceito, uma vez parte de um olhar distanciado de quem executou a ação. As interpretações que outras pessoas fizeram de eventos que simplesmente não lhe dizem respeito. 

Muitos dizem, "Ah, mas a fofoca é inerente ao ser humano". Talvez seja, mesmo. Embora não existam provas físicas de quando começou a fofoca (até porque elas tendem a não ser documentadas), existem teorias de que ela nos acompanha desde o advento da agricultura. Quando os homens das cavernas deixaram a floresta e ocuparam a savana, precisaram criar um esforço coletivo para caçar e viver da terra, e a fofoca teria se tornado uma espécie de verniz que unia o grupo, uma cola social por assim dizer. 

O que não contradiz outra teoria, a de que a fofoca seria um efeito colateral do advento do fogo. Veja bem, é uma hipótese simples. Durante o dia, o homem primitivo estava sempre ocupado garantindo a própria sobrevivência. Com a descoberta do fogo, há cerca de um milhão de anos, o homem pela primeira vez na história tinha um tempo livre para socializar, pois as tarefas do dia já estariam cumpridas e a luz e o conforto proporcionados por uma fogueira permitiram que ele pudesse ficar acordado, protegido de predadores, conversando sobre qualquer assunto. Ainda muito antes da criação da cultura, da política e do futebol, quando de fato não se tinha muito sobre o que conversar, teria criado-se o hábito de falar sobre o se passa na vida de quem não está presente. 

De fato a fofoca é a maneira mais prática de ocupar espaço e passar o tempo em qualquer forma de convívio social, principalmente porque permite que não nos exponhamos, com o custo de que tampouco aproveitemos aquele momento para conhecer o interlocutor ou saber como ele de fato está. A fofoca impede com que se estabeleçam conversas enriquecedoras e contatos reais. E ao contrário de discutir cinema, teatro, ou literatura, as histórias narradas por meio de fofocas não agregam nada à nossa cultura, afinal, são basicamente fake news e, como já dissemos, costumam vir carregadas de preconceito, o que alimenta o ódio.

Portanto, por mais que a fofoca nos pareça natural, ela deve ser combatida em nós mesmos assim como qualquer outro impulso primitivo inaceitável em nossa sociedade. Há muitos anos estipulei para mim mesmo que não falaria de vida de ninguém sem que essa pessoa estivesse presente. Fofocas sumiram das minhas interações e os momentos com aqueles com quem convivo se tornaram muito mais proveitosos e interessantes.  

Como diz a expressão popular: "Deus deu a vida para cada um cuidar da sua".