Como se o número de contaminados pela pandemia COVID-19 fosse pouco (por volta de 16 milhões) e como se fosse pouco também o número de mortes (na casa dos 440 mil), agora é o vírus da fome que bate à porta. Contam-se aos milhões os grupos familiares que vivem abaixo da linha da pobreza. Ao mesmo tempo, os sistemas de saúde público e privado ainda inspiram cuidados, enquanto as funerárias e hospitais vão se desfazendo dos corpos em covas abertas às pressas. As famílias enlutadas nem sequer podem contar com o conforto de uma despedida adequada.
A fúria incontrolada da pandemia não só expôs, mas levou às ruas e escancarou o rosto dos trabalhadores invisíveis. Além disso, agravou a situação precária dessa fatia populacional que habita a base da pirâmide socioeconômica. No mercado informal, realizam os trabalhos mais sujos e pesados, mais perigosos e mal remunerados. Vieram à luz do dia em busca do “auxílio emergencial”, e agora, com a diminuição deste em termos de valor e de alcance, tendem a voltar a seus esconderijos.
Isso mesmo! Trata-se de uma parte da população que “não mora, esconde-se”. No fundo dos porões e cortiços instáveis da cidade; nas longínquas, esquecidas e abandonadas periferias; em tendas de plástico espalhadas pelas praças e calçadas – assim vemos crescer dia a dia essa “porção do povo de Deus”. O forte aumento dos aluguéis, dos produtos alimentícios da cesta básica e do combustível vem afetando, em primeiro lugar, os que já se encontram mais vulneráveis. O novo coronavírus, entre outras coisas, traz consigo o vírus da pobreza, da miséria e da fome.
O que fazer frente a tantas vítimas imediatas da pandemia, por um lado, e igualmente vítimas do desgoverno, de outro? Na verdade, muitas iniciativas já se encontram em curso. Movimentos, entidades, associações e organizações de base se mobilizam para socorrer boa parte desse contingente de pessoas desfavorecidas. No caso particular da Igreja Católica, são numerosas as pastorais sociais, comunidades, paróquias e dioceses que passaram a desenvolver programas de atendimento emergencial. A distribuição de “quentinhas” e de cestas básicas, hoje, é tudo, menos assistencialismo. Está em jogo a preservação de vidas feridas de morte.
Ao lado disso, continua valendo a pressão pela imunização de toda a população. Vacina para todos já! Se é verdade que a pandemia nos deixa expostos à mesma tempestade, não é certo que estamos todos no mesmo barco. Enquanto alguns podem se proteger com seu dinheiro e seus iates de luxo, a maioria navega em embarcações frágeis e batidas de todos os lados pelas ondas de várias crises superpostas. Corre-se até o risco de que a própria vacinação seja seletiva, o que, como lembra o Papa Francisco, seria uma das piores injustiças e imoralidades.
É hora de focar o que é mais urgente! Comida, imunização e cuidado. Cuidado com o qual Deus acompanha seu povo ao longo de toda a tradição judaico-cristã, ao mesmo tempo em que a Igreja procura manter a dignidade humana por meio dos princípios de sua Doutrina Social.