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Como a natureza pode ser um indício da existência de Deus

MAN PONDERING LIFE

John Christian Fjellestad | CC BY 2.0

Francisco Vêneto - publicado em 13/08/21

"O Criador é reconhecido através do mundo criado"

A natureza pode ser um indício da existência de Deus: o reconhecimento do Criador mediante a criação, aliás, é uma pista seguida há milênios pela filosofia e pelas religiões.

Em recente comentário via rede social, o pe. Gabriel Vila Verde recordou a natural evocação a Deus contida na obra por Ele criada:

“Às vezes eu fico pasmo lendo ou ouvindo as pessoas que tentam desvendar o mistério de Deus. Uns buscam respostas na ciência, outros na filosofia, outros já se decidiram por não acreditar, alegando falta de ‘provas’. No meu caso, basta olhar a natureza para tudo ser explicado. Uma árvore, um rio, uma flor, os animais, o próprio corpo humano, etc. Tanta beleza, tanta perfeição, tanta ordem… deve ter o ‘dedo’ de alguém por trás.

Uma mente inteligente, sábia, poderosa, magnífica! Enquanto muitos teimam em dizer que tudo isso é obra do acaso, eu me recuso a acreditar nesse absurdo. Como dizia Santo Agostinho: o Criador é reconhecido através do mundo criado! Glória a Ti, Senhor!”

Mas Deus pode ser “provado”?

Em seu famoso livro “Deus, um delírio“, o ateu proselitista Richard Dawkins afirma que a questão da existência de Deus depende de evidências científicas e não pode ser provada. Ele considera que algum dia talvez saibamos a resposta, mas, enquanto isso, podemos afirmar a forte probabilidade de que Deus não existe.

Um primeiro ponto de atenção neste processo de raciocínio está no perigo de facilmente extrapolá-lo para a falácia de pensar que, se algo ainda não foi provado, é sinal de que não existe. A vida extraterrestre, por exemplo, nunca foi provada, mas desta premissa não é válido afirmar como conclusão que ela não exista.

Mas há outro ponto de atenção muito mais sutil nesse terreno de mistura entre suposta argumentação científica e especulações baseadas em opinião pessoal: a discussão sobre as provas. Que tipo de “prova científica” é razoável pretender que exista a respeito da existência de um Ser que não tem natureza material?

Se o próprio conceito de Deus implica a Sua imaterialidade, e, se além disso, Ele próprio é o Criador de toda a natureza e, portanto, é maior que ela, então a suposta prova da Sua existência não pode ser reduzida aos limites da natureza, precisando-se que seja deduzida pela razão.

A natureza pode ser um indício da existência de Deus?

Feita esta ressalva, é possível e perfeitamente aceitável usar as faculdades racionais para esquadrinhar na criação os indícios que apontem para a sua origem.

De fato, um dos maiores filósofos da história, Santo Tomás de Aquino, refletiu e escreveu sobre cinco argumentos racionais que, a partir da nossa experiência com a realidade criada, apontam para a necessidade da existência de Deus. São eles:

1° argumento: o “primeiro motor imóvel” – O movimento existe: isto é evidente aos nossos sentidos. Ora, se aquilo que se move é movido por alguma força, por algum motor, não é intelectualmente satisfatório pensar que cada motor de cada movimento seja movido ele próprio por outro motor, sendo este, por sua vez, movido por outro motor, que seria movido por mais outro, e assim indefinidamente ao infinito: é razoável que exista uma origem primeira do fenômeno do movimento, ou um motor que move sem ser movido. Esse primeiro motor imóvel teria que ser Deus, o Criador de todo movimento.

2° argumento: a “causa primeira” – Se todo efeito tem uma causa e cada causa é, por sua vez, o efeito de outra causa, caímos no mesmo ciclo indefinido e infinito do problema anterior, o que não é satisfatório para uma honesta busca intelectual de respostas claras. Qual seria a causa primeira das outras causas, uma causa que não seja causada por nenhuma outra?

3° argumento: o “ser necessário” – Se todos os seres são finitos e contingentes, isto é, “são e deixam de ser”, então todos os seres deixariam de ser e, em determinado momento, nada existiria, o que é tão absurdo quanto afirmar que aquilo que existe passou a existir a partir do nada, sem qualquer causa primeira e sem qualquer motor não movido. Acontece que a própria existência dos seres contingentes implica a de um Ser necessário, que simplesmente “é”: Deus.

4° argumento: o “ser perfeitíssimo” – Podemos claramente perceber que uma coisa é maior ou menor que outra, ou menos ou mais verdadeira que outra, o que significa que somos capazes de compreender que os seres finitos têm algum grau de perfeição, mas nenhum é a perfeição absoluta ou a suma causa de todas as perfeições – esta, no entanto, precisa existir, dado que há seres que a possuem em algum grau. Necessariamente, o grau sumo da perfeição do ser teria que ser Deus.

5° argumento: a “inteligência ordenadora” – Todos os seres tendem a uma finalidade que não é obra do mero acaso, mas de uma inteligência que os dirige. Logo, é preciso que exista um ser inteligente que ordene a natureza e a encaminhe para a sua finalidade: esse ser inteligente teria que ser Deus.

Fé e razão andam juntas

O Concílio Vaticano I afirma que a fé e a razão não são apenas compatíveis, mas se apoiam mutuamente, o que também é enfaticamente reiterado pela célebre encíclica Fides et Ratio, de São João Paulo II:

“A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”.

É verdade que o que Deus é em si está além da nossa capacidade natural de saber. Fomos criados por Deus, mas não somos iguais a Ele e não podemos conhecê-lo totalmente pelas nossas próprias forças.

O Vaticano I diz que Deus é substância espiritual completamente simples e imutável – pela Sua natureza, Deus é diferente de qualquer coisa criada.

A fé, porém, é um dom de Deus que nos permite conhecê-lo, ainda que imperfeitamente, já que o próprio conceito de Deus supera a nossa capacidade limitada de compreensão.

Além disso, saber quem é Deus é diferente de saber que Ele existe. Nós somos capazes de deduzir que Ele existe a partir da estrutura do mundo criado, usando a nossa racionalidade para descobrir na criação os indícios que apontam para a sua origem: o primeiro motor, a causa primeira, o Ser supremo.

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